Para quem não conhece a fundo o Brasil, fica muito difícil entender o que acontece em nossa política. Justamente por isso, não causa surpresa que no exterior possa até ser aceita, em tese, a inusitada denúncia de que está havendo um golpe parlamentar abaixo do Equador. Como se dizia antigamente, é uma teoria para inglês ver, porque brasileiro não entra nessa. Aqui todo mundo sabe que não houve qualquer iniciativa que caracterizasse um golpe. Muito pelo contrário, o processo transcorre absolutamente na forma da lei, sob rigorosa supervisão da Suprema Corte, que inclusive tem ampla maioria de ministros nomeados na Era do PT.
O tal “golpe”, portanto, é um argumento meramente virtual, e nem mesmo os petistas levam isso a sério, conforme ficou demonstrado em recente artigo do jornalista Ricardo Kotscho, que foi assessor especial do então presidente Lula da Silva, de quem até é amigo particular.
UM REGIME ESTRANHO
Os observadores estrangeiros realmente enfrentam dificuldades para entender o presidencialismo à brasileira, sobretudo porque já existem 35 partidos registrados, há seis aguardando registro na Justiça Eleitoral, com outras novas legendas ainda em processo de criação. No Congresso, atualmente 28 partidos têm representação, é um verdadeiro espanto, logo bateremos o recorde mundial da Índia, um país ainda mais bagunçado e sem a unidade nacional que o Brasil ostenta.
Com toda certeza, é muito estranho esse regime brasileiro, com um governo de coalizão que mistura ideologias rivais, uma salada delirante. Trata-se de um presidencialismo tão estranho que agora passa a funcionar com dois governantes – um presidente de direito, Michel Temer, que comanda grande parte da máquina administrativa, e um presidente de fato, Henrique Meirelles, que através da pasta da Fazenda dirige totalmente o setor econômico, com autonomia sobre o Banco Central, o Tesouro Nacional, todos os bancos estatais e até a Previdência Social, vejam que no Brasil cada vez mais se confirma a genial tese do consultor americano James Carville, de que o mais importante “é a economia, estúpido!”.
GOVERNO BIPARTITE
O presidencialismo à brasileira avança agora nesse modelo bipartite, com um governo abertamente compartilhado por Temer e Meirelles, e todo mundo acha normal.
É importante notar que não faltam experiência aos dois presidentes. Temer nunca teve votos, mas é mestre em política e lidera há 15 anos o mais importante partido do país. Quanto a Meirelles, comandou a economia durante oito anos e se saiu muito bem, levando o PIB brasileiro ao portentoso crescimento de 7,5% em 2010, fato que propiciou a vitória da estreante neopetista Dilma Rousseff, que até então jamais havia sido candidata a nada.
De fato, na época de Lula já havia o embrião do presidencialismo bipartite, pois já era Meirelles quem mandava na economia. Como se sabe, a pasta da Fazenda estava sob suposto comando do médico sanitarista Antonio Palocci, que entendia de economia tanto quanto Madre Teresa da Calcutá conhecia física quântica. Era Meirelles quem ditava as regras.
MAQUIAGEM CONTÁBIL
Guido Mantega, que em março de 2006 substituiu Palocci na Fazenda, também obedecia fielmente a Meirelles e as coisas funcionaram maravilhosamente no último governo Lula. Mas em 2011 Meirelles deixou o comando da economia e Mantega fracassou completamente.
Junto a seu parceiro Arno Augustin, então secretário do Tesouro Nacional, Mantega agora vai ficar na história como principal teórico da revolucionária maquiagem contábil, que incrementou as pedaladas fiscais e levou o PT ao absoluto fracasso político, administrativo, econômico e institucional.
NÃO TEM EXPLICAÇÃO
Como explicar tudo isso a um observador estrangeiro que não conhece o jeitinho brasileiro, acostumado a obedecer às leis e a se guiar por operações aritméticas na contabilidade?
Aliás, foi exatamente por isso que inventaram os brasilianistas, esses pensadores alienígenas que fazem um esforço realmente extraordinário e enlouquecedor para estudar como funciona o mais gigantesco e importante país do Hemisfério Sul, neste início do Terceiro Milênio.
14 de maio de 2016
Carlos Newton
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