BERNA e PARIS – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse nesta sexta-feira, 18, em Paris, que a gravação de conversa telefônica entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff não afronta as garantias constitucionais da Presidência da República, pois o alvo da interceptação era o petista. Naquele momento, Lula ainda não havia sido empossado como ministro-chefe da Casa Civil e, por esse motivo, o inquérito que apura se ele obteve vantagens indevidas de empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato ainda estava sob jurisdição do juiz federal Sérgio Moro, que autorizou e depois divulgou o conteúdo dos grampos.
A informação de que a Procuradoria-Geral da República tende a considerar as gravações legais e não vê afronta às garantias constitucionais da presidente, como alegado por Dilma, foi antecipada pelo Estadão. Na sexta-feira, Janot explicou que a validade da gravação da conversa entre Dilma e Lula, ocorrida às 13h32 de quarta-feira, está condicionada pelo horário em que a operadora de telefonia responsável pela interceptação teve ciência da notificação. Segundo o procurador, é o momento da notificação – e não o momento da interrupção de fato – que conta para um processo judicial.
No diálogo com Lula, Dilma dá a entender que o envio do termo de posse de Lula na chefia da Casa Civil de forma antecipada seria uma forma de protegê-lo de uma eventual ordem de prisão. A presidente nega essa intenção e tem criticado a divulgação da conversa, medida tomada por Moro horas depois de Lula ter sido confirmado no ministério.
“Eu não conheço o detalhe do fato. Se há uma decisão judicial que interrompe uma interceptação telefônica, tem de haver uma intimação à empresa telefônica para que ela cesse a interceptação”, explicou o procurador, em entrevista na capital francesa. “Até a empresa ser intimida, a interceptação telefônica tem validade. Dali para a frente, não.” De acordo com o procurador-geral, é essa informação que precisa ser apurada em detalhes. “Daí ter de olhar o horário correto. O fato de o juiz determinar a suspensão… a empresa telefônica não vai adivinhar”, completou.
QUESTÃO DE HORÁRIO
Segundo o sistema da Justiça Federal do Paraná, o ofício em que Moro ordena à operadora Claro que interrompa as interceptações foi emitido às 12h18 de quarta-feira. O diálogo em que Dilma diz a Lula que está enviando o termo de posse, que lhe garantiria o cargo de ministro-chefe da Casa Civil e, consequentemente, a mudança de foro jurisdicional, aconteceu às 13h32. Conforme a Polícia Federal, a Claro só acatou a ordem de Moro, suspendendo as interceptações, às 23h33. Resta saber em que momento a Claro recebeu a ordem de interrupção das gravações, o que de acordo com a avaliação de Janot marcaria o momento em que os registros seriam inválidos aos olhos da Procuradoria-Geral da República.
O procurador-geral, Rodrigo Janot, termina neste sábado, 19, sua turnê de uma semana pela Europa e a partir de segunda-feira vai avaliar diretamente o caso e um eventual pedido de inquérito contra Lula e Dilma. Para a Lava Jato, a conversa entre os dois petistas configuraria uma tentativa de obstrução da Justiça – a presidente afirma que o conteúdo do diálogo é “totalmente republicano”.
INCONFORMIDADE
Durante a viagem pela Europa, o chefe do Ministério Público não escondeu de pessoas próximas o fato de estar “inconformado” com a atitude de Lula de dizer que colocaria “medo” nos procuradores da Lava Jato. Numa das conversas gravadas, Lula se queixa de “ingratidão” de Janot que, apesar de ter sido nomeado em 2013 e 2015 pelo governo Dilma Rousseff, não teria dado a mesma atenção a suspeitas contra o senador tucano Aécio Neves (MG) como as dadas pelo Ministério Público a integrantes do PT. “Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele por ele ser procurador”, ironizou Lula ao advogado e ex-deputado pelo PT do Distrito Federal Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, no dia 7 de março.
Janot teria dito a pessoas próximas a ele que se sentiu “traído” pela forma como Lula agiu ao ironizar sua “gratidão” e ao sugerir que os procuradores devem ser “amedrontados”. O procurador-geral tem elogiado o fato de que Dilma tenha respeitado a lista de nomes apresentados para a escolha do chefe da procuradoria-geral da República – os governos do PT indicam ao cargo o mais votado pelos procuradores.
A insatisfação com as falas de Lula captadas pelos grampos da Lava Jato já havia motivado uma declaração pública de Janot em resposta à “gratidão” devida pelo cargo. Na quinta-feira, o procurador-geral disse a jornalistas que “cargo público não é presente” e que só tem gratidão à sua família.
O ALVO DA ESCUTA
. Na entrevista em Paris, nesta sexta-feira, Janot rebateu as afirmações de aliados do governo, e da própria Dilma, de que as escutas teriam ferido as garantias constitucionais da Presidência da República. “Uma coisa é ter um alvo que não tem prerrogativa de foro. As pessoas que ligam para este alvo não são objeto de escuta, (porque) o objeto de escuta é o alvo”, afirmou o procurador-geral. “Se as pessoas ligam para este alvo, a escuta que está em curso vai captar essa gravação. É assim que funciona.”
Para o procurador-geral, Moro tinha jurisdição sobre a gravação das conversas porque o alvo da investigação é Lula e, naquele momento, ele não detinha foro privilegiado no Supremo. “Incorreta seria se tivesse sido determinada pelo juiz de primeiro grau, e não pelo Supremo Tribunal Federal, em linhas de telefone de uso da presidente da República. Isso é incorreto. Só o Supremo poderia fazê-lo”, ponderou. “Agora, se há uma pessoa investigada, sem prerrogativa de foro, e seu sigilo é quebrado por uma decisão judicial… O ex-presidente da República não tem foro.”
Sobre a decisão de divulgar o conteúdo do áudio, tomada por Moro, Janot afirmou que essa determinação depende do fim da necessidade de sigilo na diligência. “Eu não sei como foi feita a diligência em si. Mas se você tem uma diligência em curso que necessita de sigilo para que possa ser realizada, ela é feita em sigilo. Após realizada essa diligência, se não existe mais necessidade de sigilo para preservar a diligência, essa diligência pode ser tornada pública”, explicou o procurador-geral. “É isso que eu preciso saber. Eu ainda não conheço essa diligência.”
21 de março de 2016
Jamil Chade e Andrei Netto
Estadão
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