"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A INSUSTENTÁVEL PENUMBRA SOBRE A RAZÃO


A consciência é o mais pesado dos fardos: quanto mais pesado mais real é a vida. Por outro lado, sua ausência dá leveza ao homem: ele se torna sensível. Então o que escolher? Assim é o universo, pleno de aparentes contradições: luz e sombra; pesado e leve; positivo e negativo e assim por diante. Assim sugeriu Milan Kundera, em sua singular obra A Insustentável Leveza do Ser.

O acaso tem sua magia; a necessidade não. A vida é invadida por acasos, que nem sempre percebemos. O Homem, dominado pelos sentido do efêmero, transpõe essa barreira e ainda o coloca em sua partitura. Assim, as nuvens do crepúsculo douram tudo, inclusive a guilhotina. Todos os crimes do antigo império russo ocorreram sobre uma discreta penumbra, igualmente os cometidos pelo extermínio nazista ou pela antiga União Soviética.

Alguns pensam que são obras exclusivas de líderes criminosos. Porém, houve uma massa convencida de aquele era o caminho. Depois do fracasso, julgaram-se inocentes e vítimas. Em 1618, a nobreza boêmia, corajosa, defendendo a liberdade religiosa, decidiu lançar pelas janelas os seus representantes: começava a Guerra dos 30 anos, que quase destruiu totalmente o povo Tcheco. Deveriam ser mais prudentes que corajosos? Ao contrário, em 1938, a França foi "prudente" entregando-se a Hitler, mas ficou dependente por quase uma década. Qual o fiel da balança?

Há uma palavra alemã que representa bem o domínio da razão pela emoção: kitch. Os políticos, principalmente os populistas, ficam à vontade no reino kitchista. Nas tiranias o kitch é soberano. Desde a Revolução Francesa metade da Europa se intitulou de esquerda, a outra recebeu o estigma de direita. Hoje o modismo é ser de esquerda. Não há mistério nisso: os políticos não se baseiam em atitudes racionais, mas em representações, imagens, palavras e arquétipos.

O sentido da "Grande Marcha" é outro exemplo da radiação kitchista. Quantos morreram pela causa. E que grupo irá atirar a primeira pedra? A história inibe tal iniciativa para muitos, pois diversas vertentes da sociedade foram, em momentos históricos, envolvidas: católicos, protestantes, judeus, comunistas, feministas, europeu, americano, sindicalista, mulçumanos, populistas, nacionalistas, hippies, ecológicos, e muitos outros. Hoje a nossa América Latina sofre com as inevitáveis mazelas do kitch latino insustentável do populismo e uma grande parte da população hoje acorda da penumbra e se vê inocente e vítima, mesmo tendo avalizado o engodo nas urnas.

No momento, o Mundo se choca com os cruéis ataques terroristas em Paris patrocinado pelo insensato grupo Estado Islâmico, que não poupa inocentes, jornalistas, enfim, nada que seja diferente. É o kitch na plenitude. Não há o indivíduo, apenas a causa. É impossível haver diálogo. Tudo isso num complexo contexto, onde ondas crescentes de imigrantes, de diversas origens e crenças, invadem a Europa a procura de apenas sobreviver. A grande maioria é vítima da intolerância fundamentalista.

O peso decorrente da crueldade dos atos terroristas e incertezas ajudam a acender estopins perigosos da generalização e xenofobia. E o fardo é pesado. Entretanto, tudo isso pode fazer o homem refletir em sua longa marcha da insensatez, unindo estados e povos na luta eficaz contra mais esse sério desvio de rota, e corrigir o rumo, aliviando enfim o indigesto lastro, sem reflexos tardios sobre novas guilhotinas insensatas.

17 de novembro de 2015
Carlos Alberto Da Cás é General, Doutor em Aplicações, Planejamento e Estudos Militares e MBA Executivo da FGV.

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