(Estadão) O ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), classificou como "ridículo" o despacho em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, arquivou um pedido de investigação sobre a campanha que reelegeu a presidente Dilma Rousseff. O ministro disse que a fundamentação para o arquivamento "vai de infantil a pueril". Como revelou o Estado, no último dia 13, Janot decidiu arquivar uma notícia de fato que pedia a apuração de eventuais crimes cometidos na campanha eleitoral do PT em 2014, com relação a serviços prestados por uma gráfica.
Em entrevista concedida em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal (STF) ao Estado, Gilmar Mendes disse que a conduta da Procuradoria neste caso específico foi distinta da adotada em outras questões eleitorais. "E aí vem com argumentos de pacificação social, até usando um voto meu. Ora, o Ministério Público a toda hora está pedindo cassação de mandato de vereadores, de prefeitos, de governadores, de senadores. Então isto (arquivamento) vale apenas para a campanha da presidente Dilma?", criticou.
Estado: Como avalia o despacho do procurador-geral da República pelo arquivamento de uma das verificações para apurar trechos das contas de campanha da presidente?
Gilmar: Vem o despacho do procurador determinando o arquivamento, sintomaticamente no dia 13 de agosto, deve ser mera coincidência. E diz que não há o que investigar porque a campanha já se encerrou, quando nós não estamos falando de ilícitos eleitorais. Não tem nada a ver com este tema. O que nós estamos cogitando é de eventuais ilícitos criminais de ordem societária, falsidade e até estelionato contra a própria campanha. E vem com argumentos de pacificação social, até usando um voto meu. Ora, o Ministério Público a toda hora está pedindo cassação de mandato de vereadores, de prefeitos, de governadores, de senadores. Então isto vale apenas para a campanha da presidente Dilma?
Estado: Na sua avaliação, o critério adotado pelo procurador-geral para a investigação da presidente é diferente do usado em outros casos?
Gilmar: Por fatos muito menos graves, que nós conhecemos aqui no Supremo, muito menos evidentes, o procurador-geral tem aberto inquéritos. (…) O que surpreende é essa posição da procuradoria nesse caso específico. Porque se ela adotasse essa posição em todos os casos ela não poderia pedir a cassação de ninguém. Ela não poderia pedir a cassação de vereador, de prefeito, de senador, governador. Toda atuação da Procuradoria, no geral, não é no sentido de tirar a Justiça eleitoral do jogo político. Pelo contrário, é de provocá-la. Veja só estamos falando de investigação, ninguém está fazendo pré-julgamento. Pode ser até que em alguns casos desses a campanha tenha sido vítima. Desde logo não se pode oferecer uma blindagem, sobretudo em nome do prazo de 15 dias para impugnação.
Estado: Qual a avaliação da atuação da Procuradoria no processo de análise das contas da presidente?
Gilmar: A Procuradoria da República já atuou nesse processo de uma maneira bastante viciada. Quando o processo foi a mim distribuído, o procurador Eugênio Aragão (vice-procurador-geral eleitoral) entrou com agravo contra a distribuição juntamente com o PT. Tanto é que vocês vão ver na minha manifestação um claro repúdio, dizendo que isso seria em prol da candidata e que ele o fizesse publicamente, mas que fosse sentar na bancada de advogados e não na condição de procurador. Ele deu parecer pela aprovação integral das contas, quando ele tinha outros critérios, já propôs a rejeição das contas de outros candidatos.
Estado: O fato de ter sido Janot e não Aragão que assinou o despacho sobre as contas da presidente faz alguma diferença?
Gilmar: Não tem o menor significado para nós. A Procuradoria que atue bem sob a pena de não ficar desmoralizada.
Estado: A PGR corre risco de ficar desmoralizada?
Gilmar: Ela tem que ter cuidados. Agora mesmo, o parecer é ridículo. Ele não tem sustentação jurídica. Recomendar ao eleitoral que aja de forma pacificada? Sabe o que isso representa? É como se a gente dissesse o seguinte: para resolver um conflito entre o sequestrador e a vítima a polícia não deveria intervir porque assim o sequestrador leva a vítima e com isso o assunto está resolvido.
Estado: O procurador-geral da República negou, em sabatina no Senado, qualquer tipo de"acordo político" nas investigações.
Gilmar: Não vou fazer psicografia de despacho. Não me cabe. Agora, que a fundamentação vai de infantil a pueril é evidente.
Estado: As investigações sobre a campanha da presidente continuam?
Gilmar: Em relação ao Tribunal isso vai continuar de uma maneira geral. Não haverá esse bloqueio de ações. Isso vai continuar sendo investigado pelos outros setores também. Veja, o Fisco de São Paulo está olhando, isso vai continuar sendo verificado.
Estado: O senhor cogita enviar mais informações sobre as contas para outros órgãos, após a decisão da PGR?
Gilmar: Não estou cogitando isso. Estamos em contato com a Polícia Federal e tudo mais. Agora, se a Procuradoria se tornar um órgão de advocacia partidária certamente nós temos que ser reflexivos.
Estado: A análise do TSE sobre as contas de campanha eleitoral se tornou mais rigorosa?
Gilmar:Até pouco tempo o exame das contas pela Justiça eleitoral era muito formal. Este exame formal muito provavelmente estimulava esse tipo de atitude (prática de irregularidades). "Ah, o TSE se contenta com um maço de papel" era a visão de todo mundo. Agora não. O propósito é de tão somente proceder o exame. Por isso acho temerário dar uma blidagem dessa. Dizer "ah, não houve ilícito. E se houvesse ja estaria prescrito". Vocês imaginam que se alguém tirasse dinheiro da campanha e mandasse matar alguém, a gente poderia dizer que o homicidio estava prescrito? E nem estou me lembrando de Celso Daniel (ex-prefeito de Santo André assassinado em 2002).
Estado: Qual a intenção de promover as investigações?
Gilmar: O que estamos querendo é constuir um modelo sério da justiça eleitoral. Tanto é que foi essa a minha preocupação. Estamos conversando com os parlamentares, discutindo o sistema. Estamos olhando o Brasil do futuro. (…) Qual foi meu argumento no caso da ação de impugnação de mandato? Os fatos são suficientemente graves e devem ser investigados. Só isso. Vai resultar em alguma coisa? Não é disso que se cuida. Veja, tem coisas graves sendo imputadas e seria bom até que se pudesse dizer que isso não houve na campanha. Exemplo: lavagem de dinheiro na campanha, doação de propinas que vieram da Petrobrás transformadas em doações legais. Seria bom que se pudesse dizer: "não, isso não houve", depois de uma investigação rigorosa.
02 de setembro de 2015
in coroneLeaks
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