Era um mês de férias. Acabara a Constituinte espanhola, eu estava em Paris no inverno de 1977, tinha um convite para um mês no Mar Negro e arredores: Ucrânia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Mar Cáspio. Fui.
Um a um, viajando e flanando de dia e escrevendo de noite no hotel. Tudo lá, país a país, no meu livro “A Nuvem – O Que Ficou do Que Passou”.
A Armênia erra de nome. Devia ser Armenian. Tudo e todos, lá, terminam em “an”. Sua grande marca histórica é que foi o primeiro Estado a adotar o Cristianismo como religião oficial. Antes de Constantino e Constantinopla, São Gregório converteu o rei Tiridates, em 301.
Por isso é tão forte, até hoje, a Igreja Gregoriana Armênia, cristã e dividida. A metade reconhece Roma e o Papa como chefe. A outra metade não, com seu chefe supremo, o Khatolikós, que desde 301 reside no mosteiro de Etchmiadzin, eternidade nas crespas montanhas escarpadas.
BARCA DE NÓE
Quando Noé ficou zanzando sobre as águas do dilúvio, sua barca pousou em cima do monte Ararat (4.090 metros), então da Armênia, ponto mais alto da cordilheira do Cáucaso. Como toda aquela atormentada ponta do mundo, a história da Armênia é um rosário de resistências nacionalistas (negavam-se a pagar imposto a quem quer que fosse), invasões, expulsões: árabes, bizantinos, otomanos, persas, romanos, russos. A última expulsa foi a URSS, em 1990, quando o Império Soviético desmoronou.
Era província do império Persa, Trajano, o imperador romano, invadiu a Armênia em 114. Adriano, também romano, liberou-a. Marco Aurélio, com toda sua vã filosofia, reinvadiu e o general Prisco (163) destruiu a velha capital Artáxata, no coração das montanhas. No lugar construíram Kainépolis. A capital hoje é Yerevan. Caracala, lá de suas voluptuosas termas em Roma, mandou invadir outra vez, mas perdeu e teve que voltar.
Em 1915 (24 de abril) os turcos fizeram o segundo maior genocídio da historia da humanidade, depois do Holocausto Judaico: massacraram mais de um milhão e meio de armênios e deportaram o que restou para Síria, Iraque, Europa, Estados Unidos, America Latina, Brasil. Agora o Papa relembrou o crime, a Turquia ficou furiosa. Não se lava a História.
Espremida entre a Geórgia e sua Batum no Mar Negro e o Azerbaidjão e sua Bakum no Mar Cáspio, dois belos mares tão pertos um do outro, a Armênia não tem nenhum. Mas tem um Papa para defendê-la.
OS ZELOTES
Você sabe o que é o Carf ? O economista e professor baiano Helio Duque explica. Na Judéia ocupada pelo Império Romano, os “Zelotes” pregavam o não pagamento de impostos a Roma. No Brasil, dois mil anos depois, o zelotismo renasceu em poderosa quadrilha com assento no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão do Ministério da Fazenda, agora descoberta pela “Operação Zelotes” da Policia Federal.
- - O Carf é o tribunal administrativo em segunda instância para os contribuintes autuados no recolhimento dos impostos federais. Subordinado diretamente ao Ministério da Fazenda, é constituído por mais de 200 conselheiros (!), metade auditores indicados pelo Ministério e a outra metade por entidades empresariais. Dividido em câmeras julgadoras, cada uma é integrada por seis conselheiros: três representando as empresas.
- - A cooptação de um conselheiro da cota da Fazenda basta para definir o resultado, pela simples razão de os representantes dos contribuintes empresariais votarem sempre contra a autuação. A “propina” ofertada ao cidadão corrompido varia, segundo a PF, de 1% a 10% do montante da infração que seria recolhida aos cofres da União.
- - A vice-presidente do Carf, advogada tributarista Maria Teresa Martinez, funcionária do Bradesco há 31 anos, atua no órgão há 15 anos. De acordo com a Polícia Federal, o Bradesco tem processos de débitos naquele órgão no valor de R$ 2,7 bilhões. É surrealismo em estado bruto.
- - O esquema de corrupção agora descoberto envolve sofisticada cadeia de conselheiros e de empresas poderosas, consultores econômicos, escritórios de advocacia e extensa malha de “malandros engravatados”. O secretário-adjunto da Receita Luiz Fernando Teixeira Nunes exemplifica:
- - Tramitam hoje no Carf 105 mil processos, representando 10% do PIB (Produto Interno Bruto), da ordem de R$ 518 bilhões. É uma Pompeia.
20 de abril de 2015
Sebastião Nery
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