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Por Fernando Pessoa
Que ideias gerais temos? As que vamos buscar ao estrangeiro. Nem as vamos buscar aos movimentos filosóficos profundos do estrangeiro; vamos buscá-las à superfície, ao jornalismo de ideias. E assim as ideias que adoptamos, sem alteração nem crítica, são ou velhas ou superficiais. Falamos a sério nas ideias políticas de León Blum ou de Edouard Herriot, nenhum dos quais teve alguma vez ideias — políticas ou outras — em sua vida. Falamos a sério em Bourget, Maurras [...].
Plagiamos o fascismo e o hitlerismo, plagiamos claramente, com a desvergonha da inconsciência, como a criança imita sem hesitar. Não reparamos que fascismo e hitlerismo, em sua essência, nada têm de novo, porventura nada de aproveitável, como ideias; o que não sabemos imitar, porque seria mais difícil, é a personalidade de Mussolini.
As ideias de Maurras, que qualquer raciocinador hábil desfaz sem dificuldade, se tiver a paciência de vencer o tédio quase insuportável de o ler, passam por leis da natureza, por tão indiscutíveis como, não direi já a teoria atômica, que tem elementos discutíveis, mas o coeficiente de dilatação do ferro, ou a lei de Boyle ou de Mariotte.
Temos poetas de mérito. Que fazem eles? Quanto a cultura, não sabem nada de nada, e assim estagnam, repetindo-se indefinidamente, papagaios perenes do seu primeiro, e único, impulse original. Temos um ou outro homem capaz de pensamento filosófico. Que faz? Submerge esse pensamento em retórica e divagação, incapaz de coordenar logicamente ideias, de dispor ordenadamente materiais. Tenho perante mim, ao dizer estas coisas, exemplos concretos: omito os nomes por uma razão que não é mister explicar.
03 de fevereiro de 2015
Fernando Pessoa foi um dos maiores escritores da Língua Portuguesa. Publicado em "Introdução ao Problema Nacional".
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