Não tenho vergonha de ser brasileiro, como disse, na Pauliceia Desvairada, Fernando Henrique Cardoso, um alarife de casaca que muitos insistem em incensá-lo. Jamais tive vergonha de ser brasileiro, pelo contrário. Aliás, voltei para o Brasil apenas e tão somente pelo Brasil.
No cardápio da vida não havia outra razão para o retorno, que não o Brasil. O Brasil é e sempre será a maior de todas as razões.
Não sou, nem em sonho ou pesadelo, daqueles patriotas quadrienais que de Copa em Copa descobrem a nacionalidade, vestem a camisa da seleção, cantam o Hino Nacional pela metade e ainda cometem a ousadia de derramar falsas lágrimas. Esses são patriotas beleguins, com competência para gazetas menores e pontuais.
No momento em que diz ter vergonha da própria nacionalidade, FHC mostra que a idade lhe presenteou com a apostasia em relação ao Brasil. Envergonhar-se da “terra mater” pelo simples fato de sermos reféns de quadrilheiros é sinal de fraqueza, de covardia. John Fitzgerald Kennedy disse certa vez: “Coragem é manter a classe sob pressão”.
Fernando Henrique, dizem, é um homem “de classe”, mas diante da pressão é um covarde contumaz. Para mim, covardes não têm classe.
Tudo o que os brasileiros precisam neste momento de grave crise institucional é de alguém que os encoraje. Durante a corrida presidencial ouvi aos bolhões que muitos deixariam o País se a presidente Dilma Rousseff fosse reeleita.
Em nenhum momento pensei nisso, em nenhum momento disse isso. Pensei que aqui é o meu lugar, pensei que aqui deveria ficar. Dilma venceu! E cá estou, mais brasileiro do que nunca. Pronto, novamente, para desvendar a verdade que os donos do poder tanto insistem em esconder. Fizeram isso nos últimos doze anos, é o que prometem fazer nos próximos quatro.
Desde a minha volta ao Brasil venho seguindo incansavelmente saltimbancos com mandato, sem jamais trilhar o caminho da leviandade. Errei algumas vezes, é claro, pois sou humano. Isso aconteceu na esteira de querer acertar sempre.
No erro conheci o sabor do acerto. Sou o melhor produto dos meus próprios erros, o que evita que frequente o universo do insuportável. Caro foi o preço pago, caro continua sendo. Faria tudo outra vez se preciso fosse. Diante de fortunas oferecidas em troca do silêncio, optei pela consciência tranquila. Não há riqueza maior do que a consciência tranquila.
Ao ouvir a primeira frase de uma grave denúncia, ainda no começo de 2009, percebi que estava à frente de um caminho turbulento e certeiro. Mais um caminho sinuoso e repleto de armadilhas, mas segui adiante. Não titubeei, não poderia titubear, não tinha como recuar. Quem me pedira para ouvir o que ouvi sempre mereceu o meu respeito e admiração. Esteja onde estiver, Antonio Castigliola terá minhas eternas reverências, o meu agradecimento contínuo.
Jornalista experimentado e com todas as letras, Castigliola confiou a mim a missão de investigar o maior escândalo de corrupção da história nacional, o compromisso de denunciar cada um dos que deveriam ser denunciados. Ter sido escolhido para essa tarefa por alguém tão especial não me deu o direito de pensar, de impor condições. Tudo ou nada. Decidi pelo tudo, apesar de o pedido ter sido emoldurado pela gentileza.
Desde então, sem jamais imaginar que aquela denúncia ouvida em um café do bairro paulistano do Bom Retiro se transformaria na Operação Lava-Jato, permaneci focado na elucidação de um emaranhado de corrupção que levava cada dia mais o Brasil para o buraco.
Ter participado, ao lado de alguém que tornou-se amigo de fé – Hermes Magnus, da denúncia que permitiu a Operação Lava-Jato não me faz melhor do que o restante dos brasileiros que sonham com mudanças. O exercício do ofício, que encaro como se fosse um mantra sem fim, permitiu-me mais uma vez experimentar a sensação do dever cumprido, que, redundâncias fonéticas à parte, também foi comprido. Valeu a pena, muito!
A corrupção não existe sem corruptos e corruptores. Quando aceitei a missão de escarafunchar o esquema criminoso decorrente do escândalo do Mensalão, sabia que o resultado seria estrondoso. Como foi e tem sido. E estou certo de que continuará sendo. Ver os executivos de empreiteiras sendo presos e ao mesmo tempo, por meio de seus caros e badalados advogados, negar o inegável é o presente maior.
O Brasil conseguiu isolar o tumor que o consome incessantemente. A mais recente etapa da Operação Lava-Jato serviu para o País proclamar a independência com séculos de atraso, para festejar a República com um dia de antecedência. Fiz a minha parte como brasileiro que sou. Mas estou ciente que ainda há muito que fazer.
Há quem escreva jornalisticamente para produzir manchetes bombásticas, para conquistar prêmios consagrados ou inéditos. Escrevo pelo Brasil, para os brasileiros.
Escrevo para passar o Brasil a limpo, para conter uma situação vergonhosa que só cresce. Escrever é o que sei fazer de melhor, é o ar que respiro, é a maneira de externar o pensamento. Escrever é o que farei até o último suspiro, se assim Deus permitir. Apesar de tudo, da graça divina de poder e saber escrever, o sonho maior é chegar o dia em que não tenha mais o que escrever.
Quando isso acontecer, quando não tiver mais o que escrever, o Brasil terá entrado no trilho da dignidade, os brasileiros poderão enxergar com mais proximidade o horizonte da esperança. Sou um realista incansável, mas é preciso sonhar com um Brasil melhor.
A Operação Lava-Jato está em seus primórdios, afinal a imensidão do esquema criminoso assusta até mesmo os que se acostumaram a lidar com escândalos. Insistirei no assunto até que a última página da ópera bandoleira seja virada, mas a Operação Lava-Jato faz parte do meu passado. Não porque denunciei os fatos e agora saio em busca de outro imbróglio, mas porque o Brasil precisa de brasileiros vigilantes.
Adepto convicto do planejamento, não sou fã da futurologia. Meu sobrenome é amanhã. Meu nome poderia ser Brasil, porque meu coração é verde-amarelo; a alma; branca; o pensamento, azul anil.
Muito obrigado saudoso Castigliola, muito obrigado amigo Magnus. Muda Brasil, muda!
03 de fevereiro de 2015
Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.
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