Está sobrando mais para o povo do que para o governo pagar o preço dos desarranjos na economia, provocados pela gestão temerosa do Tesouro Nacional e por erros na condução da política econômica do primeiro mandato de Dilma Rousseff. A deterioração de praticamente todos os indicadores, como a inflação alta, o saldo negativo nas contas do setor externo, o aumento da dívida pública, o baixo ou nenhum crescimento em 2014 e, o pior de todos, o deficit fiscal levaram o Brasil à beira do rebaixamento da condição de destino confiável de investimentos.
Depois de campanha eleitoral marcada por discurso divorciado da dura realidade nacional, ficou perto do chão a credibilidade da presidente, o que torna mais difícil motivar as pessoas a reagirem à estagnação econômica. A primeira medida foi entender, embora sem admitir, que a farra do gasto público acabou e dela ficou apenas enorme conta a ser paga com período de severo ajuste fiscal.
A segunda foi trocar a equipe habituada ao intervencionismo e à criatividade contábil por outra, acostumada à ortodoxia dos que, em períodos de vacas magras, limitam os gastos às receitas. Para isso, não hesitam em usar tesouras afiadas nas despesas e vitaminas nas receitas.
É claro que a mudança encontrou e ainda sofre resistências dos gastadores mais empedernidos do partido da presidente e dos demais aliados. Tanto que já é quase certo que restrições saneadoras aos benefícios descontrolados do seguro-desemprego e das pensões serão "amenizadas" por pressão política.
Mas é ao lado do aumento de receitas que o cidadão deve prestar mais atenção, já que há várias armações para invadir o bolso e, nessa parte do ajuste, a presidente parece estar mais disposta a praticar maldades. Sem coragem para criar tributos ou ressuscitar defuntos malquistos como a CPMF, o jeito foi subir alíquotas que tinham sido rebaixadas e retomar o velho golpe do aumento oculto de impostos.
É o caso da correção da tabela do Imposto de Renda, pauta obrigatória da primeira semana de trabalhos do Congresso Nacional, que começa hoje. Depois da silenciosa rejeição da medida provisória que fixava em 4,5% a tabela do IR para 2015 (que caducou sem ser apreciada), quando até o governo já sabia que 2014 fecharia com a inflação oficial de 6,4%, os parlamentares aprovaram correção de 6,5%. A presidente vetou e, agora, deputados e senadores querem derrubar o veto.
"Sinto muito, sinto muito", desculpou-se a presidente na sexta-feira, na primeira entrevista que concedeu em 2015, 51 dias depois de assumir o segundo mandato. Dilma disse que vetou porque o governo não tem recursos para ir além dos 4,5%.Perdeu ela a ocasião de exercer a autoridade com a sabedoria de quem separa as coisas.
Afinal, a diferença entre os dois percentuais pode ser expressiva para os salários, que estão pagando mais pela gasolina, eletricidade e alimentação, mas resulta em R$ 2 bilhões, que é quase nada perto dos gastos enxugáveis da máquina pública, que a própria Dilma ajudou a inchar. "Sinto muito, digo eu", poderá lhe responder o contribuinte, que, com isso, ganhou mais um motivo para consumir menos e esperar o pior de quem, há pouco, lhe prometia o paraíso.
25 de fevereiro de 2015
Editorial Correio Braziliense
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