Se um eventual réu confessa ilegalidades às autoridades, colabora na investigação e promete não voltar a praticá-las, na esfera penal, isso se chama delação premiada.
Se confessa, colabora e promete não mais repetir, na esfera administrativa, isso se chama acordo de leniência.
Em ambos os acordos o réu recebe benefícios. Na delação, pode conseguir reduzir a pena, o tempo de prisão, a multa, substituir a pena de prisão por pena alternativa etc. No acordo de leniência paga multas mas, em compensação, continua contratando com o Estado, participando de licitações etc.
Na esfera penal, o órgão competente para fazer o acordo é o Ministério Público. Na esfera administrativa federal, é a Controladoria-Geral da União.
A disputa entre procuradores e a Advocacia-Geral da União (AGU) é o receio de que o acordo de um invada a área do outro. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, diz que não. Difícil saber. Mas algo já se sabe.
A iniciativa de Adams visa a avançar a solução da presidenta Dilma. Punem-se as pessoas públicas e privadas envolvidas, mas salvam-se as empreiteiras.
Depois de muito procurar, o governo encontra no ministro-chefe da AGU, Adams, seu articulador–protetor. Substituindo Márcio Thomaz Bastos. Articulador porque inclusive não é da competência legal fazer esses acordos. O ministro Adams estaria agindo politicamente junto à CGU, que deveria lhe ser independente.
A Lei Anticorrupção que criou o acordo de leniência foi feita em 2013. Mas não foi regulamentada. O decreto estava pronto, mas o governo não avançou. Criou um vácuo. A lei está suspensa no ar. Aliás, todos os estados e municípios deveriam regulamentá-la também. Mas até hoje só quatro estados e um município o fizeram. Daí, essa confusão. Daí, insegurança jurídica.
Omissão, tão grave que o ex-ministro da CGU Jorge Hage teria se demitido porque governo não cumpriu com seu dever.
Se as empreiteiras aceitarem o acordo que está sendo costurado por Adams, uma coisa é certa. Tudo poderá acabar na Justiça. Esse é o risco das empreiteiras. Fazer hoje um acordo que não vale amanhã.
Poderá também acabar no Tribunal de Contas da União. Daí o governo tentar logo envolver o TCU na costura: AGU + CGU + TCU. Obter a aceitação antes, para evitar a nulidade depois.
Ocorre que a competência constitucional do TCU pressupõe fiscalização imparcial e distante do governo. Não lhe compete participar de acordos de leniência.
Qualquer que seja o caminho de Adams, ele terá que ser motivado e sujeito a controle público.
25 de fevereiro de 2015
Joaquim Falcão é professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio. Originalmente publicado em O Globo em 24 de fevereiro de 2015.
Joaquim Falcão é professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio. Originalmente publicado em O Globo em 24 de fevereiro de 2015.
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