Dias atrás, o prezado Théo Fernandes, comentarista leitor da Tribuna da Internet, ao comentar artigo nele publicado e por mim assinado, indagou a respeito da Ação Popular. Nos contou (a mim e aos demais leitores) que, não obstante estar perto dos 90 anos de idade, tem proposto na Justiça de sua cidade ações populares contra a administração municipal, sempre em defesa da legalidade e da moralidade pública, contra atos e/ou omissões do gestor público.
E me indagou se, para entrar na Justiça com Ação Popular, ele mesmo poderia redigir e assinar a petição inicial ou se era indispensável a presença de advogado para o patrocínio da ação. E mais: em se tratando de entidade pública e seu(s) agente(s) domiciliados em outra localidade, em outra comarca ou estado, se a Ação Popular poderia ser proposta na Justiça da sua cidade, Guapimirim, Rio de Janeiro.
Respondo ao decano de nossos assíduos leitores, em quem vejo o maior e inigualável símbolo da cidadania brasileira. E para responder tomo como fato concreto a notícia publicada (23.2.2015) na Folha de São Paulo, informando que Aldemir Bendine, em 20 de abril de 2010, quando era presidente do Banco do Brasil, viajou a Buenos Aires, em missão oficial, para concluir a aquisição do Banco da Patagonia.
Mas não viajou só (ou acompanhado da equipe de funcionários do banco e do governo brasileiro).
Também levou a bordo do jato a serviço do Banco do Brasil sua amiga, a socialite Valdirene Marchiori, conhecido por Val. Digo amiga, porque inimiga é que não era. Certamente que despesas outras, como hospedagem, transporte terrestre, alimentação também não foram pagas pela amiga Val.
DEPOIMENTO DE EX-DIRETOR
Quem revelou isso foi Allan Toledo, vice-presidente da área internacional do Banco do Brasil, em depoimento ao Ministério Público Federal e que viajou junto com Bendine e Val até Buenos Aires.
Que coisa feia, não é, Théo? Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel, quando viaja e o marido dela vai junto, ele vai e retorna em avião de carreira e sua esposa, a líder alemã, o faz em aeronave do governo alemão. Mas aqui no Brasil o presidente de um banco público viaja para a Argentina, em missão oficial, em jato a serviço do governo brasileiro, e carrega junto sua amiga, a Val!!! É muita desfaçatez, não acha você, Théo?.
Dizem que Bendine foi um bom presidente do BB. Até acreditava nisso, mas agora Théo, depois da publicação da notícia, não acredito mais. Cesteiro que faz um cesto faz um cento, diz o ditado popular. A oposição já se movimenta para convocar Bendine ao parlamento. Noticia-se que até um inquérito foi aberto contra ele.
AÇÃO POPULAR
Mas o assunto é a pergunta que você me fez sobre a Ação Popular. Aproveito para tomar este caso Bendine-Valdirene como exemplo, por se tratar de ato-fato que desafia Ação Popular. É caso típico para ser alvejado com a Ação Popular (Lei 4.717), altamente moralizadora, um instrumento posto à disposição do cidadão-eleitor para pleitear a anulação ou declaração de atos praticados pelo administrador da coisa pública e lesivos ao patrimônio público.
Quem a assinou foi o presidente Castelo Branco, em 29.6.1965, quando entrou em vigor. Até hoje não foi modificada, mas ampliada, para incluir os atos lesivos à moralidade administrativa.
Théo, qualquer cidadão-brasileiro-eleitor, desde que em dia com suas obrigações eleitorais, pode propor esta Ação Popular contra Bendine perante o juiz da vara cível da comarca onde reside.
Esta chamada “Competência Territorial” foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Conflito de Competência (CC nº 47.950, DF, 1ª Seção, julgamento em 11.4.2007, Relatora Ministra Denize Arruda, publicado no DJ de 07.5.2007, página 252).
Entendeu o STJ que “o foro do domicílio do autor da ação popular é o competente, por estarem em causa direitos transindividuais que não podem sofrer restrição que impeçam ou inibam o seu exercício”.
FORO CÍVEL ESTADUAL
É importante observar que o Banco do Brasil S/A tem a prerrogativa do foro cível estadual, para figurar nas ações em que for autor ou réu, apesar de ser instituição federal, o que faz aparentar ser a competência da Justiça Federal, mas não é.
Esta Ação Popular não é apenas contra Aldemir Bendine. A lei manda incluir também como réus, ao lado de Bendine, o beneficiário da lesão ao patrimônio público (no caso, a Val) e, ainda, a União e o próprio Banco do Brasil, estes dois últimos como lesados, para que contestem ou manifestem adesão ao pleito que, se for acolhido, seja o BB ressarcido e condenados, Bendine e Val, neste caso concreto.
Não precisa ser uma petição inicial longa, nem rica em citações de doutrina e de leis. Existem dois brocardos latinos que dispensam o enriquecimento (alongamento desnecessário de uma petição): “Narrat Mihi Facto Dabo Tibi Ius” (Me narre o fato que te dou o direito) e “Jura Novit Curia” (O juiz conhece o direito).
Basta citar o fato (ou os fatos), mas com precisão. Como este caso Bendine-Valdirene veio a público pela imprensa, vai ser indispensável anexar o exemplar do jornal Folha de São Paulo, que publicou a notícia.
E se não tiver mais documentos, pedir ao juiz que oficie ao Banco do Brasil, à Secretaria de Aviação Civil, ao Ministério Público Federal e a qualquer outra repartição para que forneça a documentação que se faça necessária, muito embora seja este caso um daqueles chamados “Fato Público e Notório”, que dispensa comprovação.
CITAÇÃO DE TODOS OS RÉUS
Na Ação Popular, é também indispensável pedir a citação (diligência a cargo do oficial de justiça para dar ciência a quem é réu da existência de uma ação contra ele) de todos os réus para que venham se defender e pedir a condenação, no caso em tela, de Aldemir Bendine e Valdirene Marchiori, a reporem aos cofres do Banco do Brasil tudo quanto representou gasto com a viagem da Val, com juros, custas e correção monetária.
A condenação de Bendine e Val será solidária, de forma que, se um não pagar, o outro paga. Mas prezado Théo, vai ser preciso dar procuração a advogado para entrar na Justiça com a ação. Apenas o Habeas-Corpus dispensa assinatura de advogado.
O Ministério Público intervém obrigatoriamente em todas as Ações Populares. Caso o autor desista dela, o MP toma o seu lugar e prossegue com a ação. A se confirmar o que o jornal publicou — até agora sem desmentido — esta Ação Popular é merecida, justa e procedente.A Ação Popular dispensa o pagamento de custas.
E se for julgada improcedente, o autor não arcará com os honorários da parte contrária (honorários sucumbenciais), salvo no caso de litigância de má-fé.
25 de fevereiro de 2015
Jorge Béja
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