Argentina despreza o Mercosul e se volta para a China; ruim para o Brasil, cuja diplomacia comercial não preparou o país para buscar alternativas entre as grandes potências
O Brasil já não é mais o principal parceiro comercial da Argentina – o posto hoje pertence à China, país que Cristina Kirchner acabou de visitar e com o qual ela assinou uma série de 15 acordos que devem movimentar cerca de US$ 21 bilhões. Segundo o Ministério da Economia argentino, em 2014 as exportações de bens de capital provenientes dos membros do Mercosul para a Argentina caíram 34% na comparação com 2013, enquanto o volume de máquinas e equipamentos exportados pela China aos argentinos subiu 13%. Processo semelhante, embora não tão intenso, ocorre também com os bens intermediários. Essa tendência afeta especialmente o Brasil, maior economia do bloco. O fluxo comercial entre brasileiros e argentinos em janeiro de 2015 caiu 25% em relação ao mesmo mês do ano passado, ficando em US$ 1,6 bilhão. É o valor mais baixo desde 2009.
A situação atual resulta da combinação entre uma Casa Rosada que adota um discurso populista e faz o que quer e um Palácio do Planalto que insiste em um projeto de bloco econômico que mostrou ser um fracasso. Desde 2003 a política brasileira para o comércio exterior adotou duas grandes vertentes: buscar mercados nas “periferias” da economia mundial, como no caso dos países africanos, e privilegiar o Mercosul, em detrimento das grandes economias mundiais. Durante sua passagem pela Presidência, Lula ajudou a afundar o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com o argumento de que o acordo representaria uma sujeição da América Latina a Washington. Naquela época, a Argentina ainda era uma aliada.
No entanto, quando a política econômica dos Kirchner começou a cobrar seu preço internamente, a Argentina deixou seus parceiros econômicos do Mercosul na mão. Com dificuldade crescente para captar dólares, o governo argentino passou a adotar cada vez mais medidas protecionistas que não poupavam nem mesmo os demais membros do bloco que havia nascido para facilitar o comércio no Cone Sul. Exigências cada vez mais surreais, como a necessidade de que importadores enviassem solicitações por e-mail a autoridades argentinas quando quisessem trazer itens de fora do país, atingiram em cheio empresas brasileiras que tinham nas exportações para a Argentina uma importante fonte de receitas. Os acordos argentinos com a China se inserem nesse contexto, pois incrementarão o investimento chinês no país e trarão os dólares que Cristina Kirchner busca ansiosamente.
Quando a política econômica dos Kirchner começou a cobrar seu preço internamente, a Argentina deixou seus parceiros econômicos do Mercosul na mão
A guinada argentina em direção à China, combinada com anos de desprezo brasileiro pelas grandes economias mundiais, deixou o país com poucas alternativas. Como informou a colunista Míriam Leitão dias atrás, o Brasil só tem três acordos comerciais bilaterais firmados, e um único em vigor. Enquanto isso, outros países latino-americanos, como o Chile, o Peru e o México, investem nesse tipo de negociação e na formação de blocos com Estados Unidos, Japão, Canadá e Austrália. O Brasil é o lanterna dos Brics em termos de tratados comerciais e de investimento com as potências econômicas globais. A sétima maior economia do mundo é apenas a 22.ª maior exportadora.
É claro que não há apenas vítimas nesse jogo. O Brasil também é um grande adepto do protecionismo, e lobbies internos nos Estados Unidos e na União Europeia dificultam a entrada de produtos brasileiros, especialmente os provenientes do agronegócio. É exatamente a multiplicidade de interesses em jogo que dificulta a aprovação de grandes acordos multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio, agora chefiada por um brasileiro. Não é à toa que as negociações bilaterais estão em alta – um jogo que já está sendo disputado há anos e ao qual o Brasil só vem assistindo.
Depois que Cristina Kirchner voltou da China, o Brasil mandou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, a Buenos Aires. Quase ao mesmo tempo, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, foi aos Estados Unidos. Ainda é cedo para dizer se haverá uma mudança na política comercial brasileira, mas ela é extremamente necessária. É preciso se livrar das amarras burocráticas e ideológicas que têm impedido o Brasil de se aproximar dos gigantes do comércio mundial, um objetivo que não é incompatível com o fomento à integração regional. Quanto mais inserido o Brasil estiver no fluxo comercial global, melhores serão as perspectivas de retomada do crescimento.
25 de fevereiro de 2015
Editorial Gazeta do Povo, PR
O Brasil já não é mais o principal parceiro comercial da Argentina – o posto hoje pertence à China, país que Cristina Kirchner acabou de visitar e com o qual ela assinou uma série de 15 acordos que devem movimentar cerca de US$ 21 bilhões. Segundo o Ministério da Economia argentino, em 2014 as exportações de bens de capital provenientes dos membros do Mercosul para a Argentina caíram 34% na comparação com 2013, enquanto o volume de máquinas e equipamentos exportados pela China aos argentinos subiu 13%. Processo semelhante, embora não tão intenso, ocorre também com os bens intermediários. Essa tendência afeta especialmente o Brasil, maior economia do bloco. O fluxo comercial entre brasileiros e argentinos em janeiro de 2015 caiu 25% em relação ao mesmo mês do ano passado, ficando em US$ 1,6 bilhão. É o valor mais baixo desde 2009.
A situação atual resulta da combinação entre uma Casa Rosada que adota um discurso populista e faz o que quer e um Palácio do Planalto que insiste em um projeto de bloco econômico que mostrou ser um fracasso. Desde 2003 a política brasileira para o comércio exterior adotou duas grandes vertentes: buscar mercados nas “periferias” da economia mundial, como no caso dos países africanos, e privilegiar o Mercosul, em detrimento das grandes economias mundiais. Durante sua passagem pela Presidência, Lula ajudou a afundar o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com o argumento de que o acordo representaria uma sujeição da América Latina a Washington. Naquela época, a Argentina ainda era uma aliada.
No entanto, quando a política econômica dos Kirchner começou a cobrar seu preço internamente, a Argentina deixou seus parceiros econômicos do Mercosul na mão. Com dificuldade crescente para captar dólares, o governo argentino passou a adotar cada vez mais medidas protecionistas que não poupavam nem mesmo os demais membros do bloco que havia nascido para facilitar o comércio no Cone Sul. Exigências cada vez mais surreais, como a necessidade de que importadores enviassem solicitações por e-mail a autoridades argentinas quando quisessem trazer itens de fora do país, atingiram em cheio empresas brasileiras que tinham nas exportações para a Argentina uma importante fonte de receitas. Os acordos argentinos com a China se inserem nesse contexto, pois incrementarão o investimento chinês no país e trarão os dólares que Cristina Kirchner busca ansiosamente.
Quando a política econômica dos Kirchner começou a cobrar seu preço internamente, a Argentina deixou seus parceiros econômicos do Mercosul na mão
A guinada argentina em direção à China, combinada com anos de desprezo brasileiro pelas grandes economias mundiais, deixou o país com poucas alternativas. Como informou a colunista Míriam Leitão dias atrás, o Brasil só tem três acordos comerciais bilaterais firmados, e um único em vigor. Enquanto isso, outros países latino-americanos, como o Chile, o Peru e o México, investem nesse tipo de negociação e na formação de blocos com Estados Unidos, Japão, Canadá e Austrália. O Brasil é o lanterna dos Brics em termos de tratados comerciais e de investimento com as potências econômicas globais. A sétima maior economia do mundo é apenas a 22.ª maior exportadora.
É claro que não há apenas vítimas nesse jogo. O Brasil também é um grande adepto do protecionismo, e lobbies internos nos Estados Unidos e na União Europeia dificultam a entrada de produtos brasileiros, especialmente os provenientes do agronegócio. É exatamente a multiplicidade de interesses em jogo que dificulta a aprovação de grandes acordos multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio, agora chefiada por um brasileiro. Não é à toa que as negociações bilaterais estão em alta – um jogo que já está sendo disputado há anos e ao qual o Brasil só vem assistindo.
Depois que Cristina Kirchner voltou da China, o Brasil mandou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, a Buenos Aires. Quase ao mesmo tempo, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, foi aos Estados Unidos. Ainda é cedo para dizer se haverá uma mudança na política comercial brasileira, mas ela é extremamente necessária. É preciso se livrar das amarras burocráticas e ideológicas que têm impedido o Brasil de se aproximar dos gigantes do comércio mundial, um objetivo que não é incompatível com o fomento à integração regional. Quanto mais inserido o Brasil estiver no fluxo comercial global, melhores serão as perspectivas de retomada do crescimento.
25 de fevereiro de 2015
Editorial Gazeta do Povo, PR
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