"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O VALOR DE MENGER



“O valor que os bens possuem para cada indivíduo constitui a base mais importante para a determinação do preço.” (Carl Menger)
 
Considerado o fundador da Escola Austríaca de economia, Carl Menger ficou famoso por sua contribuição ao desenvolvimento da teoria da utilidade marginal, tendo refutado a teoria clássica de valor do trabalho.
Seu livro Princípios de Economia Política deveria ser lido inclusive por leigos em economia, pela objetividade com a qual o autor expõe suas idéias. Essas idéias, posteriormente mais elaboradas por Mises e Hayek, foram revolucionárias num mundo influenciado pela teoria marxista de valor. Façamos, pois, uma síntese dessas idéias.
 
Aquilo que tem nexo causal com a satisfação de nossas necessidades humanas pode ser denominado utilidade, podendo ser definido como bem na medida em que reconhecemos esse nexo causal e temos a possibilidade e capacidade de utilizar tal coisa para efetivamente satisfazer tais finalidades. Menger faz então uma distinção entre bens reais e imaginários, sendo a qualidade destes últimos derivada de propriedades imaginárias.
“Quanto mais elevada for a cultura de um povo”, explica Menger, “e quanto mais profundamente os homens investigarem a sua própria natureza, tanto menor será o número de bens imaginários”. A condição para a coisa ser um bem é haver nexo causal entre a coisa e o atendimento da necessidade humana, podendo ser um nexo direto ou indireto, imediato ou futuro.
 
O fato de o nexo causal não ter que ser imediato é relevante. Se, por conta de uma mudança no gosto das pessoas, a demanda por fumo desaparecesse, não apenas os estoques de fumo perderiam sua qualidade de bem, como também todos os demais ingredientes e máquinas utilizadas somente para este fim.
Isso ocorre porque todos esses bens derivam sua qualidade de bem de seu nexo causal com o atendimento da necessidade humana concreta de consumir fumo, no caso. É o conhecimento progressivo do nexo causal das coisas com o bem-estar humano que leva a humanidade do estágio primitivo e de miséria extrema para o estágio de desenvolvimento e riqueza.
 
Esses bens reais demandados não existem em quantidade infinita na natureza. No caso em que a quantidade disponível de um bem não é suficiente para todos, cada indivíduo tentará atender sua própria necessidade. Eis o motivo, segundo Menger, da necessidade de proteção legal aos indivíduos que conseguirem apossar-se legitimamente da referida parcela de bens, contra os ataques dos demais indivíduos.
A propriedade seria “a única solução prática possível que a própria natureza (isto é, a defasagem entre a demanda e a oferta de bens) nos impõe, no caso de todos os bens denominados econômicos”. Um bem econômico seria justamente aquele onde a demanda excede a oferta. Quando a oferta do bem é ilimitada ou quase isso, este bem não é denominado econômico, por não ter valor econômico. É o caso do ar que respiramos.
 
Avançando então nos princípios levantados por Menger, chegamos a sua definição de valor, que é “a importância que determinados bens concretos – ou quantidades concretas de bens – adquirem para nós, pelo fato de estarmos conscientes de que só poderemos atender às nossas necessidades na medida em que dispusermos deles”.
Um bem não econômico pode ser útil, mas ele não terá valor para nós. A confusão entre utilidade e valor tem gerado problemas nas teorias econômicas. O ar que respiramos, como citado acima, tem utilidade para todos, mas nem por isso os indivíduos atribuem um valor econômico para ele.
 
O valor dos bens depende de nossas necessidades, não sendo intrínseco a eles. Como exemplifica Menger, “para os habitantes de um oásis, que dispõem de uma fonte que atende plenamente às suas necessidades de água, não terá valor algum determinada quantidade dessa água”.
Já num deserto ou mesmo supondo uma catástrofe que reduzisse essa água a ponto de os habitantes não disporem mais do suficiente para o atendimento pleno de suas necessidades, essa quantidade de água passaria imediatamente a ter valor.
 
O valor não é algo inerente aos próprios bens, mas “um juízo que as pessoas envolvidas em atividades econômicas fazem sobre a importância dos bens de que dispõem para a conservação de sua vida e de seu bem-estar”.
Portanto, só existe na consciência das pessoas em questão. Os bens têm valor, de acordo com o julgamento dos homens. “O valor é por sua própria natureza algo totalmente subjetivo”, conclui Menger.
 
Um exemplo clássico para reforçar esse ponto é comparar a água com o diamante. Um pouco de água, via de regra, não tem valor algum para os homens, enquanto uma pedrinha de diamante costuma ter valor elevado.
Em uma situação anormal, entretanto, onde a água não está em abundância, como no deserto, qualquer porção de água passa a ter muito valor para o indivíduo em questão. Com quase certeza ele não trocaria esse pouco de água nem mesmo por meio quilo de ouro ou diamante.
 
Além de o valor ser subjetivo, a medida para se determinar o valor também é de natureza totalmente subjetiva também. A quantidade de trabalho ou de outros bens secundários necessários para se produzir o bem não possuem nexo causal necessário e direto com a medida de valor do bem. Menger escreve:
“O valor de um diamante independe totalmente de ter sido ele encontrado por acaso ou ser o resultado de mil dias de trabalho em um garimpo”. E continua: “Com efeito, quando alguém faz a avaliação de um bem, não investiga a história da origem do mesmo, mas se preocupa exclusivamente em saber que serventia tem para ele, e de que vantagens se privaria, não dispondo dele”.
 
Deste princípio econômico podemos extrair importantes conclusões. Uma das mais relevantes é o axioma de que, havendo consciência por parte dos indivíduos em questão, qualquer troca voluntária, ou seja, sem coerção ou ameaça de violência, é mutuamente benéfica.
Isso decorre do fato de que cada indivíduo irá participar de uma permuta de bens somente quando julgar que o valor daquilo que recebe supera o valor do que dá em troca. Não sendo obrigado por ninguém a trocar, o indivíduo, quando realiza uma troca, está sempre julgando vantajosa esta troca, do ponto de vista de seus valores pessoais.
As conseqüências políticas do reconhecimento disso são extraordinárias. Eis um dos grandes legados da teoria do valor subjetivo. Eis um dos motivos de reconhecimento do grande valor de Menger.
 
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
 
04 de dezembro de 2014
Rodrigo Constantino

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