"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 23 de agosto de 2014

TERRENO SEM LEI

Invadido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) às vésperas do início da Copa do Mundo, um terreno da zona leste está oficialmente autorizado pelo poder público a abrigar a construção de conjunto habitacional destinado à população de baixa renda.

Com a sanção de uma lei municipal no fim de semana passado, o prefeito Fernando Haddad (PT) fez valer o que prometera aos líderes da organização. Muitos, porém, são os aspectos controversos dessa iniciativa, a começar pela forma.

As regras sobre a área conhecida como Copa do Povo foram inseridas de contrabando num projeto de 2011 que tratava de reaproveitamento e desapropriação de edifícios subutilizados na região central da cidade. Aprovado pela Câmara Municipal em junho, o texto teve todas as suas disposições vetadas pelo prefeito, menos aquelas enxertadas de última hora.

Não bastasse isso, Haddad ainda optou por desconsiderar uma exigência votada pelos vereadores: a de que as moradias fossem concedidas às famílias previamente cadastradas na fila da Secretaria Municipal de Habitação, com preferência para as que já residissem em distritos da própria zona leste.

O petista sustenta, quanto a esse ponto, ter agido em defesa da isonomia, a fim de que não houvesse privilégio às organizações daquela região paulistana. Na prática, contudo, sua canetada produzirá efeitos bem menos republicanos.

Do jeito que está, a lei deixa o MTST livre para acrescentar aos termos do Minha Casa, Minha Vida as condicionantes que bem entender. Ou seja, habitações na Copa do Povo serão distribuídas, entre as famílias carentes e observada a prioridade a quem vive em situação de risco, aos cidadãos com mais tempo no movimento e maior participação em protestos e invasões.

Entende-se que movimentos sociais busquem, com esses critérios, engrossar as fileiras de seus atos. É inaceitável, no entanto, que iniciativas dessa natureza contem com o beneplácito do poder público.

À prefeitura cabe assegurar o pleno respeito à lista, mantida pela própria municipalidade, de 130 mil famílias à espera de moradia. Do contrário, joga-se a cidade nas mãos de um reprovável sistema paralelo, baseado no esbulho de propriedades alheias e na desconsideração de pessoas que confiam na resposta das instituições oficiais.

Não se ignora a gravidade do deficit habitacional em São Paulo, para o qual as manifestações do MTST ajudaram a chamar a atenção.

Daí não decorre, todavia, que os princípios republicanos e a primazia da lei e da ordem possam ser ignorados --e muito menos que Fernando Haddad deva zelar somente pelos interesses dos grupos capazes de gritar mais alto.


23 de agosto de 2014
Editorial Folha de SP

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