Invadido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) às vésperas do início da Copa do Mundo, um terreno da zona leste está oficialmente autorizado pelo poder público a abrigar a construção de conjunto habitacional destinado à população de baixa renda.
Com a sanção de uma lei municipal no fim de semana passado, o prefeito Fernando Haddad (PT) fez valer o que prometera aos líderes da organização. Muitos, porém, são os aspectos controversos dessa iniciativa, a começar pela forma.
As regras sobre a área conhecida como Copa do Povo foram inseridas de contrabando num projeto de 2011 que tratava de reaproveitamento e desapropriação de edifícios subutilizados na região central da cidade. Aprovado pela Câmara Municipal em junho, o texto teve todas as suas disposições vetadas pelo prefeito, menos aquelas enxertadas de última hora.
Não bastasse isso, Haddad ainda optou por desconsiderar uma exigência votada pelos vereadores: a de que as moradias fossem concedidas às famílias previamente cadastradas na fila da Secretaria Municipal de Habitação, com preferência para as que já residissem em distritos da própria zona leste.
O petista sustenta, quanto a esse ponto, ter agido em defesa da isonomia, a fim de que não houvesse privilégio às organizações daquela região paulistana. Na prática, contudo, sua canetada produzirá efeitos bem menos republicanos.
Do jeito que está, a lei deixa o MTST livre para acrescentar aos termos do Minha Casa, Minha Vida as condicionantes que bem entender. Ou seja, habitações na Copa do Povo serão distribuídas, entre as famílias carentes e observada a prioridade a quem vive em situação de risco, aos cidadãos com mais tempo no movimento e maior participação em protestos e invasões.
Entende-se que movimentos sociais busquem, com esses critérios, engrossar as fileiras de seus atos. É inaceitável, no entanto, que iniciativas dessa natureza contem com o beneplácito do poder público.
À prefeitura cabe assegurar o pleno respeito à lista, mantida pela própria municipalidade, de 130 mil famílias à espera de moradia. Do contrário, joga-se a cidade nas mãos de um reprovável sistema paralelo, baseado no esbulho de propriedades alheias e na desconsideração de pessoas que confiam na resposta das instituições oficiais.
Não se ignora a gravidade do deficit habitacional em São Paulo, para o qual as manifestações do MTST ajudaram a chamar a atenção.
Daí não decorre, todavia, que os princípios republicanos e a primazia da lei e da ordem possam ser ignorados --e muito menos que Fernando Haddad deva zelar somente pelos interesses dos grupos capazes de gritar mais alto.
23 de agosto de 2014
Editorial Folha de SP
Com a sanção de uma lei municipal no fim de semana passado, o prefeito Fernando Haddad (PT) fez valer o que prometera aos líderes da organização. Muitos, porém, são os aspectos controversos dessa iniciativa, a começar pela forma.
As regras sobre a área conhecida como Copa do Povo foram inseridas de contrabando num projeto de 2011 que tratava de reaproveitamento e desapropriação de edifícios subutilizados na região central da cidade. Aprovado pela Câmara Municipal em junho, o texto teve todas as suas disposições vetadas pelo prefeito, menos aquelas enxertadas de última hora.
Não bastasse isso, Haddad ainda optou por desconsiderar uma exigência votada pelos vereadores: a de que as moradias fossem concedidas às famílias previamente cadastradas na fila da Secretaria Municipal de Habitação, com preferência para as que já residissem em distritos da própria zona leste.
O petista sustenta, quanto a esse ponto, ter agido em defesa da isonomia, a fim de que não houvesse privilégio às organizações daquela região paulistana. Na prática, contudo, sua canetada produzirá efeitos bem menos republicanos.
Do jeito que está, a lei deixa o MTST livre para acrescentar aos termos do Minha Casa, Minha Vida as condicionantes que bem entender. Ou seja, habitações na Copa do Povo serão distribuídas, entre as famílias carentes e observada a prioridade a quem vive em situação de risco, aos cidadãos com mais tempo no movimento e maior participação em protestos e invasões.
Entende-se que movimentos sociais busquem, com esses critérios, engrossar as fileiras de seus atos. É inaceitável, no entanto, que iniciativas dessa natureza contem com o beneplácito do poder público.
À prefeitura cabe assegurar o pleno respeito à lista, mantida pela própria municipalidade, de 130 mil famílias à espera de moradia. Do contrário, joga-se a cidade nas mãos de um reprovável sistema paralelo, baseado no esbulho de propriedades alheias e na desconsideração de pessoas que confiam na resposta das instituições oficiais.
Não se ignora a gravidade do deficit habitacional em São Paulo, para o qual as manifestações do MTST ajudaram a chamar a atenção.
Daí não decorre, todavia, que os princípios republicanos e a primazia da lei e da ordem possam ser ignorados --e muito menos que Fernando Haddad deva zelar somente pelos interesses dos grupos capazes de gritar mais alto.
23 de agosto de 2014
Editorial Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário