"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 24 de agosto de 2014

SOBRE ABSURDOS E FATOS


- Calma, não fique nervoso – me escreve Vanderlei Vaselesk – . Por hora escrevo certinho. Mas a menos que concordes muito com o astrólogo, que sustenta que deveríamos ter ficado como os franceses, que mantêm sua ortografia há trezentos anos, não vejo nada de tão absurdo na mudança do professor Ernani. Festa para os analfabetos, ou melhor possibilidade de alfabetização.
A questão da gramática histórica não precisa ser tabu, a gente não escreve mais pharmacia, christo, alumno, commum, accomodado, diferente, soffrer. Assim a mudança, que defendo desde que minha mãe me explicou que casa era com s e feliz era com z, facilitaria a comunicação, o que é o objetivo de qualquer língua que se prese.
E viva a reforma, esta sim, utilíssima, não o arremedo que se fez em 2009, que inclusive cometeu a estupidez de varrer o trema. Mas agora que o trema morreu assassinemos de uma vez o qu e o gu. E que me desculpe minha baixinha Helena, mas o H no começo já irá tarde para os alforjes da galera da gramática história. Viva la Revolución (RSS).

Bom, meu caro Vanderlei, não é que eu seja contra a reforma em si. Tanto que, em meus verdes anos, cheguei (chegamos) a bolar uma. Mas há de ser coerente e sensata. Querem reduzir os valores fonéticos de uma letra? Por que não? Mas que a abolição seja radical. Outro detalhe é pesar a conveniência de afastar-se muito (porque afastados já estamos, pelo menos foneticamente)do português de Portugal. Perderíamos um grande acervo. Portugal também.

Mas o absurdo da proposta do professor é apresentar mais um projeto, quando o último nem ainda foi assimilado. Teríamos de reeditar de novo, após cinco anos, toda a literatura? Lidaríamos, por algumas décadas (na verdade séculos), com três ortografias? Que, considerada a de 1931, em verdade seriam quatro? Qual o custo disto? Quem paga? No fundo, o contribuinte. Que de 1931 para 2000 a língua se transforme, vá lá. Mas de 2009 para 2014? Seria muita irresponsabilidade do Senado se aprovasse tal projeto. Vanderlei volta à liça:

- Entendo o teu ponto de vista. Mas sinceramente, já pagamos por tanta coisa, que esta, eu particularmente estou disposto a pagar. Quanto ao afastamento da língua-mãe, paciência. Você mesmo fala que traduz ao brasileiro. Que se vai fazer se somos bem maiores que a mãe pátria e acabamos tendo maior projeção do que eles. É do processo.

De fato, tenho afirmado que traduzi do português ao brasileiro. Esta nuança é pouco perceptível ao leitor monoglota, mas quem lê em outras línguas observa que os tradutores sempre se preocupam em esclarecer de qual idioma traduziram, se do brasileiro ou do português. Eu mesmo já fui convidado por um editor para traduzir uma tradução portuguesa ao brasileiro. Agradeci a deferência mas não topei.

O espanhol das colônias permaneceu mais fiel à língua-mãe que o português do Brasil. Sim, diria que já se pode falar em dois idiomas, mas bastante próximos, de modo que um leitor brasileiro pode ler sem maiores percalços um texto português e vice-versa. Mas se a distância aumenta muito, esta familiaridade se perde.

Jovem, eu afirmava que quando uma língua morre, o mundo fica mais pobre. Frase solene mas boba, romantismo de juventude. Há línguas demais no mundo. Segundo dados de 1995 do Summer Institute of Linguistics da Universidade do Texas, EUA, o mundo dispõe de 6.703 línguas para se comunicar. É muita língua para tão pouco planeta. Hoje, a meu, umas cem línguas facilitaria muito a vida e as comunicações no mundo. Perder-se-iam muitas nuanças próprias de cada língua, mas a vida se tornaria mais ágil.

Você afirma: “Somos bem maiores que a mãe pátria e acabamos tendo maior projeção do que eles”. Bom, depende da régua pela qual se mede uma grandeza. Criamos uma língua e a espalhamos por três continentes? Descobrimos terras ou o caminho para as Índias? Tivemos um Vasco da Gama, um Fernão de Magalhães? Um Eça de Queiroz ou um Fernando Pessoa? O Brasil pode ter 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 200 milhões de habitantes. Meu metro é outro. Não meço um país pelos números de seu território ou habitantes. Mas pela civilização que produz.

Segundo declaração do senador Cyro Miranda, presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, que está examinando o último projeto de reforma, as recentes notícias de que estaríamos a ponto de reformular a ortografia da Língua Portuguesa não procedem.

Ainda bem. Mas neste incrível país nosso não há boato que não tenha potencial de ser fato. Não tivemos, em 2004, o nobilíssimo projeto de Lei Complementar, do deputado petista Nazareno Fontelles, que estabelecia um limite máximo de consumo aos brasileiros e a tal de Poupança Fraterna? O Limite Máximo de Consumo fica definido como dez vezes o valor da renda per capita nacional mensal.

Da proposta do sublime Nazareno resultava que seriam poupadores compulsórios na Poupança Fraterna – isto é, seriam confiscadas – todas as pessoas que tivessem, em 1999 e a preços daquele mesmo ano, rendimentos mensais superiores a R$ 5.527,00. Esse projeto ainda rola na Câmara.

Quer dizer, uma nova reforma ortográfica é fichinha diante dos despautérios que revoluteiam nos corredores do Congresso. No Brasil, não é fácil distinguir um absurdo de um fato.

 
   
 
 

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