"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 24 de agosto de 2014

MARINA SILVA, O COLAPSO DO SENTIDO

Na eleição de 2010, Marina ficou em terceiro no Acre. Pobres têm a mania de não saber o que é melhor para si

Nunca entendi, não creio que seja só por ignorância, o que diz Marina Silva. Esforço-me. Procuro identificar o sujeito da frase, busco o verbo, tento encontrar o complemento, procuro os termos adjuntos. Quando consigo pacificar a sintaxe, sou atropelado pela semântica ou por um complexo processo de formação de palavras, que vai da derivação imprópria a neologismos diversionistas, que simulam, no entanto, algo de sublime.

Um exemplo? Perguntaram a Marina se a Rede, o seu futuro partido, seria pragmático. Ela respondeu: "Será sonhático". Houve um úmido frenesi de satisfação. Tempos depois, muito pragmaticamente, ela resolveu estabelecer com o PSB o que prometia ser uma relação de mutualismo trófico: um tinha estrutura, mas não voto; o outro, voto, mas não estrutura. Depois daquele avião, o marinismo se tornou parasitoide do partido de Eduardo Campos, como achei que seria mesmo com ele vivo. No "parasitoidismo" (que é diferente do parasitismo, que o antigo PCB, por exemplo, mantinha com o MDB), o hospedeiro morre. Como morrerá o PSB. Vamos a uma pequena digressão que nos aproxima de uma natureza.

Em fevereiro de 2013, Marina reuniu a sua grei para dar largada à tal Rede. A líder do colapso do sentido formulou, então, aquela que, para mim, é sua mais formidável frase: "Estamos vivendo uma crise civilizatória e não temos o repertório necessário para enfrentá-la". Caramba! Não era um modesto diagnóstico sobre o Brasil, mas uma antevisão do apocalipse civilizacional.

Não quero chocar Remelentos & Mafaldinhas dos coquetéis molotov, mas repito o que observei então (is.gd/z9HUIV): em números relativos ou absolutos, nunca antes na história deste mundo, tantos homens viveram sob regime democrático, os seres humanos tiveram vida tão longa, houve tanta comida e tão barata, tivemos tantos remédios para nossos males, houve tantas crianças com acesso à educação, houve tantos humanos com saneamento básico... O repertório, em suma, nunca foi tão grande para responder aos desafios que nos propõem a natureza e a civilização. É certo que Marina não se inclui entre os ignorantes que identifica. Há ali a inflexão típica dos profetas --falsos, como todos. Fim da digressão aproximativa.

Quem faz política para salvar a humanidade não negocia, mas impõe. Marina, agora candidata do PSB à Presidência, não aceitou assinar compromisso nenhum, rejeitou acordos políticos firmados por Campos e impôs um nome para a coordenação da campanha. Ela se considera, por exemplo, pura demais para apoiar a reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo, que tem como vice Márcio França, do PSB, ex-braço direito de... Campos, aquele cujo retrato a agora presidenciável brandiu à beira do caixão.

Faço aqui um desafio a Marina. Ela é governo no Acre há 16 anos. Seu marido deixou nesta semana o cargo de secretário de Tião Viana (PT), mas seu grupo continua no poder. É um fato. Então que se comparem dois padrões de governança: um que ela aprova, desde 1999, e outro que ela reprova, o de São Paulo. Vamos ver em qual deles os indicadores sociais e econômicos avançaram mais nesse tempo. É óbvio que me refiro a avanço relativo, já que o Acre não chega a ter 800 mil habitantes, e São Paulo tem 43 milhões. O petismo e o marinismo governam, há quatro mandatos, uma população igual à da soma do Grajaú com o Jardim Ângela, dois dos 96 distritos da capital paulista. O grupo poderia ter operado uma verdadeira revolução na qualidade de vida, não é mesmo? Mormente porque, nos 12 anos recentes, tem um aliado no governo federal. Por alguma estranha razão, na eleição de 2010, Marina só venceu no Distrito Federal, que tem a renda per capita mais alta do país, e ficou em terceiro no Acre. Pobres têm a mania de não saber o que é melhor para si. Os ricos sempre sabem.

"Olhem o Reinaldo pegando no pé de Marina, a exemplo dos sites governistas, financiados com dinheiro público!" Esses caras que se danem! Não são meus juízes quando reprovam ou aprovam o que escrevo. Eu quero é ver os políticos disputando territórios --de poder, de linguagem e de futuro-- que são deste mundo. Sou só um cristão que repudia misticismos, o novo ópio --ou a clorofila-- dos intelectuais.


24 de agosto de 2014
Reinaldo Azevedo, Folha de SP

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