O governo deu repetidas demonstrações de apreço a regimes autoritários e acelerou o processo de desindustrialização do país
Há um consenso crescente na sociedade de que a política externa brasileira deixou de atender aos interesses nacionais. Do comércio exterior aos direitos humanos, o Brasil hoje não aparece bem. Recuamos à era dos militares dos anos 1970 na agenda internacional da democracia e retrocedemos ainda mais nas exportações para um padrão anterior a JK.
Nos últimos anos, o governo deu repetidas demonstrações de apreço a regimes autoritários, inclusive na América do Sul, enquanto também tratou de acelerar o processo de desindustrialização nacional. O país foi resumido a uma fonte de produtos básicos que apoia ditaduras. Isso ocorreu porque desde a crise de 2008 palacianos e diplomatas do Itamaraty apostaram na derrocada dos EUA e em tudo o que a “América” representa em termos de regime político e econômico.
Daí vieram o apoio ao Irã, a embaixada na Coreia do Norte, a tentativa de piorar a situação em Honduras, a descompostura nos fóruns de direitos humanos na ONU e na OEA, o perdão de dívidas de antigas ditaduras na África, a recusa a apoiar a Primavera Árabe, a aceitar refugiados, o alinhamento incondicional ao Brics, o abandono do Mercosul e a cumplicidade com retrocessos autoritários em países como a Venezuela.
O último grande erro da nossa diplomacia foi a abstenção na resolução da ONU pela integridade territorial de uma nação soberana, apresentada pela Ucrânia. O Itamaraty deixou de reafirmar o princípio da inviolabilidade de espaços nacionais apenas para garantir a vinda do presidente russo ao Brasil. Ficamos isolados na Assembleia Geral das Nações Unidas. Foi a gota d’água. Chegou o momento de uma mudança profunda na política externa a partir de seis pontos principais.
Primeiro, flexibilizar a Tarifa Externa Comum do Mercosul, para que possamos estabelecer acordos comerciais livremente. Podemos revisitar a TEC de maneira permanente ou por um prazo de até cinco anos, preservando o restante do bloco. Com isso, fecharíamos de imediato o acordo com a Europa e daríamos início a outras negociações.
Segundo, integrar a nossa indústria ainda competitiva às redes globais de produção. Particularmente, deveríamos promover um programa de integração das cadeias produtivas industriais na América Latina, a começar pelo setor automotivo, dentro de uma estratégia bilateral eficiente.
Terceiro, fazer a reconciliação do Brasil consigo mesmo, da política externa com o que a população brasileira espera dela, defendendo com clareza os temas do meio ambiente, da democracia e dos direitos humanos no mundo, e fortalecendo suas instâncias multilaterais. Na maior parte das vezes, uma palavra contra os abusos já basta. Apenas com essas bandeiras valeria a pena lutar por um assento fixo no Conselho de Segurança da ONU.
Quarto, buscar para valer a reaproximação com os EUA e com o Ocidente em geral, sem prejudicar as relações com o mundo emergente, de uma maneira mais efetiva que ultrapasse as meras cordialidades de praxe. O Brics deve ser uma plataforma a mais da inserção brasileira no mundo, e não a suprema. O universalismo das nossas relações não pode ser confundido com antiamericanismo.
Quinto, desenvolver um plano regional de combate ao narcotráfico e ao tráfico de armas. A segurança humana assumiria bem mais importância do que tem hoje no Conselho de Defesa da Unasul. Países como Paraguai, Bolívia e Colômbia seriam alvos principais dessas articulações com os governos vizinhos.
Sexto e último, modernizar o Itamaraty, tornando-o menos insulado e mais permeável aos interesses da sociedade, bem como das análises dos melhores especialistas de área oriundos da academia. Essa nova agenda de trabalho recolocaria o Ministério das Relações Exteriores e o país em um patamar mais elevado.
Há um consenso crescente na sociedade de que a política externa brasileira deixou de atender aos interesses nacionais. Do comércio exterior aos direitos humanos, o Brasil hoje não aparece bem. Recuamos à era dos militares dos anos 1970 na agenda internacional da democracia e retrocedemos ainda mais nas exportações para um padrão anterior a JK.
Nos últimos anos, o governo deu repetidas demonstrações de apreço a regimes autoritários, inclusive na América do Sul, enquanto também tratou de acelerar o processo de desindustrialização nacional. O país foi resumido a uma fonte de produtos básicos que apoia ditaduras. Isso ocorreu porque desde a crise de 2008 palacianos e diplomatas do Itamaraty apostaram na derrocada dos EUA e em tudo o que a “América” representa em termos de regime político e econômico.
Daí vieram o apoio ao Irã, a embaixada na Coreia do Norte, a tentativa de piorar a situação em Honduras, a descompostura nos fóruns de direitos humanos na ONU e na OEA, o perdão de dívidas de antigas ditaduras na África, a recusa a apoiar a Primavera Árabe, a aceitar refugiados, o alinhamento incondicional ao Brics, o abandono do Mercosul e a cumplicidade com retrocessos autoritários em países como a Venezuela.
O último grande erro da nossa diplomacia foi a abstenção na resolução da ONU pela integridade territorial de uma nação soberana, apresentada pela Ucrânia. O Itamaraty deixou de reafirmar o princípio da inviolabilidade de espaços nacionais apenas para garantir a vinda do presidente russo ao Brasil. Ficamos isolados na Assembleia Geral das Nações Unidas. Foi a gota d’água. Chegou o momento de uma mudança profunda na política externa a partir de seis pontos principais.
Primeiro, flexibilizar a Tarifa Externa Comum do Mercosul, para que possamos estabelecer acordos comerciais livremente. Podemos revisitar a TEC de maneira permanente ou por um prazo de até cinco anos, preservando o restante do bloco. Com isso, fecharíamos de imediato o acordo com a Europa e daríamos início a outras negociações.
Segundo, integrar a nossa indústria ainda competitiva às redes globais de produção. Particularmente, deveríamos promover um programa de integração das cadeias produtivas industriais na América Latina, a começar pelo setor automotivo, dentro de uma estratégia bilateral eficiente.
Terceiro, fazer a reconciliação do Brasil consigo mesmo, da política externa com o que a população brasileira espera dela, defendendo com clareza os temas do meio ambiente, da democracia e dos direitos humanos no mundo, e fortalecendo suas instâncias multilaterais. Na maior parte das vezes, uma palavra contra os abusos já basta. Apenas com essas bandeiras valeria a pena lutar por um assento fixo no Conselho de Segurança da ONU.
Quarto, buscar para valer a reaproximação com os EUA e com o Ocidente em geral, sem prejudicar as relações com o mundo emergente, de uma maneira mais efetiva que ultrapasse as meras cordialidades de praxe. O Brics deve ser uma plataforma a mais da inserção brasileira no mundo, e não a suprema. O universalismo das nossas relações não pode ser confundido com antiamericanismo.
Quinto, desenvolver um plano regional de combate ao narcotráfico e ao tráfico de armas. A segurança humana assumiria bem mais importância do que tem hoje no Conselho de Defesa da Unasul. Países como Paraguai, Bolívia e Colômbia seriam alvos principais dessas articulações com os governos vizinhos.
Sexto e último, modernizar o Itamaraty, tornando-o menos insulado e mais permeável aos interesses da sociedade, bem como das análises dos melhores especialistas de área oriundos da academia. Essa nova agenda de trabalho recolocaria o Ministério das Relações Exteriores e o país em um patamar mais elevado.
19 de junho de 2014
Marcelo Coutinho, O Globo
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