Embora seja o quarto mercado em tamanho, o carro brasileiro vai lá para trás quando de trata de produto competitivo
As vendas de automóveis caíram neste ano. Ainda assim, o Brasil disputa com a Alemanha a posição de quarto mercado mundial de veículos. China (20 milhões/ano) e EUA (15 milhões) estão lá na frente. Depois vem o Japão, com produção superior a seis milhões e, pronto, logo chega o Brasil, na casa de 3,8 milhões de unidades produzidas e consumidas em 2013. Alemanha e Índia estão logo ali, na cola, mas reparem: aqui se produzem muito mais carros do que na Inglaterra, França, Itália e Coreia do Sul.
Em economia, tamanho é documento. E isso explica por que as grandes montadoras globais estão todas aqui. Os executivos sempre reclamam da dificuldade para se fazer negócio no país, queixam-se das normas tributárias, trabalhistas e ambientais, estão sempre pedindo (e conseguindo) ajuda do governo. E continuam investindo. Não podem ficar de fora de um mercado que é quase 5% do global.
Isso vale para os demais setores. Por exemplo: celulares. Chegamos aqui aos 280 milhões de linhas, de novo entre os cinco maiores mercados do mundo. Computadores? Terceiro ou quarto. Cerveja? Ali entre os cinco primeiros.
Muita gente acha que assim já está mais que bom. O Brasil é grandão, coloca-se entre as dez maiores economias do planeta, grande mercado interno, o pessoal tem que vir aqui para produzir e vender, certo?
Errado.
Na verdade, é um atraso pensar assim. Pode-se produzir aqui uma carroça ou um carrão, um modelo velho ou uma inovação gerada localmente. Pode-se ainda ficar limitado ao mercado local ou ganhar o mundo. E o Brasil está se isolando.
Há alguns anos, as empresas chinesas, estatais e privadas, colocaram-se um desafio: tornarem-se globais. Ora, não haverá maior mercado interno que o chinês, já grande e com enorme capacidade de expansão. Ou, perguntando de outro modo: se eles já dispõem lá de um mercado próximo dos 20 milhões de carros, por que querem disputar um pedaço dos nossos 3,8 milhões?
Porque não há progresso sem globalização — ou internacionalização, se não gostarem da outra palavra.
A demanda traz a oferta, o mercado traz o produto. Mas a qualidade da oferta, a boa qualidade, depende de uma economia aberta, exportadora e importadora, com um ambiente favorável aos negócios privados. Não custa repetir: o que gera riqueza não é o governo, mas o investimento privado.
Ou seja, embora seja o quarto mercado em tamanho, o carro brasileiro vai lá para trás quando de trata de produto competitivo. Além do Brasil, só se vende carro brasileiro na Argentina, cuja indústria, além de menor, é até mais atrasada.
Mas por que estamos falando disso? Porque a gente deveria buscar “padrão Fifa” para tudo, de estádios a automóveis e celulares. Quando se diz que já está bom o “padrão Brasil”, que não tem nada de mais oferecer aos torcedores um aeroporto ou metrô lotado e fazê-los caminhar uns poucos quilômetros — isso é conformar-se com a segunda classe.
O que queremos? Ser um país rico, uma sociedade afluente, ou está bom do que jeito que está?
Dizem que isso é reclamação da elite. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma diz que um dos grandes avanços do país, um sinal de progresso, é a presença das classes C e D nos voos nacionais e internacionais.
Ora, por que esse pessoal, que trabalha pesado, não merece ou precisa de aeroportos classe A? Quando se diz que não precisamos de “padrão Fifa”, é como dizer: caramba, essa gente já escapou das rodoviárias e já está nos aeroportos. O que querem mais?
Ou ainda: já estão de carro, o que querem, uma Mercedes?
E mais: já têm celular, o que queriam — que a linha não caísse nunca?
O problema não é o aeroporto parecer uma rodoviária. O problema é que as rodoviárias não servem corretamente à população.
Dizer que o atual padrão brasileiro é o suficiente equivale a reconhecer a incapacidade de produzir um país rico. Ora, por que não podemos querer mais?
Ajuda
Parece que a indústria automobilística vai levar mais uma ajuda do governo. Parece também que o governo não vai colocar nenhuma condição séria em troca. O que seria condição séria? Por exemplo: produzir carros que sejam competitivos nos EUA e na Europa.
Impossível nas condições atuais do ambiente de negócios?
Impossível.
Mas as condições podem ser mudadas, não podem?
As vendas de automóveis caíram neste ano. Ainda assim, o Brasil disputa com a Alemanha a posição de quarto mercado mundial de veículos. China (20 milhões/ano) e EUA (15 milhões) estão lá na frente. Depois vem o Japão, com produção superior a seis milhões e, pronto, logo chega o Brasil, na casa de 3,8 milhões de unidades produzidas e consumidas em 2013. Alemanha e Índia estão logo ali, na cola, mas reparem: aqui se produzem muito mais carros do que na Inglaterra, França, Itália e Coreia do Sul.
Em economia, tamanho é documento. E isso explica por que as grandes montadoras globais estão todas aqui. Os executivos sempre reclamam da dificuldade para se fazer negócio no país, queixam-se das normas tributárias, trabalhistas e ambientais, estão sempre pedindo (e conseguindo) ajuda do governo. E continuam investindo. Não podem ficar de fora de um mercado que é quase 5% do global.
Isso vale para os demais setores. Por exemplo: celulares. Chegamos aqui aos 280 milhões de linhas, de novo entre os cinco maiores mercados do mundo. Computadores? Terceiro ou quarto. Cerveja? Ali entre os cinco primeiros.
Muita gente acha que assim já está mais que bom. O Brasil é grandão, coloca-se entre as dez maiores economias do planeta, grande mercado interno, o pessoal tem que vir aqui para produzir e vender, certo?
Errado.
Na verdade, é um atraso pensar assim. Pode-se produzir aqui uma carroça ou um carrão, um modelo velho ou uma inovação gerada localmente. Pode-se ainda ficar limitado ao mercado local ou ganhar o mundo. E o Brasil está se isolando.
Há alguns anos, as empresas chinesas, estatais e privadas, colocaram-se um desafio: tornarem-se globais. Ora, não haverá maior mercado interno que o chinês, já grande e com enorme capacidade de expansão. Ou, perguntando de outro modo: se eles já dispõem lá de um mercado próximo dos 20 milhões de carros, por que querem disputar um pedaço dos nossos 3,8 milhões?
Porque não há progresso sem globalização — ou internacionalização, se não gostarem da outra palavra.
A demanda traz a oferta, o mercado traz o produto. Mas a qualidade da oferta, a boa qualidade, depende de uma economia aberta, exportadora e importadora, com um ambiente favorável aos negócios privados. Não custa repetir: o que gera riqueza não é o governo, mas o investimento privado.
Ou seja, embora seja o quarto mercado em tamanho, o carro brasileiro vai lá para trás quando de trata de produto competitivo. Além do Brasil, só se vende carro brasileiro na Argentina, cuja indústria, além de menor, é até mais atrasada.
Mas por que estamos falando disso? Porque a gente deveria buscar “padrão Fifa” para tudo, de estádios a automóveis e celulares. Quando se diz que já está bom o “padrão Brasil”, que não tem nada de mais oferecer aos torcedores um aeroporto ou metrô lotado e fazê-los caminhar uns poucos quilômetros — isso é conformar-se com a segunda classe.
O que queremos? Ser um país rico, uma sociedade afluente, ou está bom do que jeito que está?
Dizem que isso é reclamação da elite. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma diz que um dos grandes avanços do país, um sinal de progresso, é a presença das classes C e D nos voos nacionais e internacionais.
Ora, por que esse pessoal, que trabalha pesado, não merece ou precisa de aeroportos classe A? Quando se diz que não precisamos de “padrão Fifa”, é como dizer: caramba, essa gente já escapou das rodoviárias e já está nos aeroportos. O que querem mais?
Ou ainda: já estão de carro, o que querem, uma Mercedes?
E mais: já têm celular, o que queriam — que a linha não caísse nunca?
O problema não é o aeroporto parecer uma rodoviária. O problema é que as rodoviárias não servem corretamente à população.
Dizer que o atual padrão brasileiro é o suficiente equivale a reconhecer a incapacidade de produzir um país rico. Ora, por que não podemos querer mais?
Ajuda
Parece que a indústria automobilística vai levar mais uma ajuda do governo. Parece também que o governo não vai colocar nenhuma condição séria em troca. O que seria condição séria? Por exemplo: produzir carros que sejam competitivos nos EUA e na Europa.
Impossível nas condições atuais do ambiente de negócios?
Impossível.
Mas as condições podem ser mudadas, não podem?
19 de junho de 2014
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
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