Menos da metade das obras de infraestrutura foi entregue
É verdadeira a história que circula na internet de que o presidente João Figueiredo recusou-se a promover a candidatura do Brasil à Copa do Mundo, sob o argumento de que o país teria outras prioridades. Dissera, ao então presidente da Fifa e seu amigo, João Havelange: “Você já viu uma favela no Rio de Janeiro ou uma seca no Nordeste? Acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?” A estimativa de Havelange era de que toda a Copa custaria estrondoso US$ 1 bilhão da época, algo como R$ 6 bilhões em valores de 2014.
Foi por uma dessas peças do destino que eu, neto do presidente que recusara a Copa mais de duas décadas antes, recebi como uma das primeiras tarefas na minha passagem pelo setor público, em 2007, a coordenação da candidatura do Estado do Rio — e, consequentemente, do Brasil — para sediar a Copa do Mundo de 2014. Acabávamos de sediar, com sucesso, os Jogos Pan-Americanos, e a Copa do Mundo no país do futebol parecia um tremendo sonho. Foi um raro momento de convergência de interesses e união de todas as esferas de governo e da CBF, que mergulharam de cabeça na candidatura, com engajamento pessoal do presidente Lula.
Lembro-me da sensação de euforia quando conquistamos o direito de sediar o evento maior do futebol. Aquela seria uma Copa diferente, prometiam. A organização alardeava que os estádios seriam integralmente custeados pela iniciativa privada, incluindo a reforma do Maracanã, orçada à época em R$ 300 milhões. O Brasil assumiu, por escrito, um compromisso de resolver gargalos antigos de infraestrutura e mobilidade e teríamos até um trem-bala ligando as duas maiores cidades do país. Haveria tempo de sobra para a preparação. Era a grande chance do Brasil. Pesquisas mostravam que mais de 90% da população apoiavam a Copa do Mundo aqui. Talvez, então, Figueiredo estivesse enganado.
Hoje, sete anos depois, às vésperas da competição, eu e boa parte do país somos forçados a reconhecer a sabedoria do meu avô. Pesquisas recentes mostram que o apoio à Copa no Brasil caiu para 52% da população. Pudera: o custo total da competição deve chegar a R$ 30 bilhões. Menos da metade das obras de infraestrutura foi entregue e os estádios viram seus custos de construção quadruplicarem em alguns dos casos mais escandalosos de superfaturamento da história da República. Por pura ganância de alguns, gastamos cerca de R$ 11 bilhões do dinheiro dos contribuintes apenas na construção das arenas da Copa.
O sonho virou pesadelo e, como Figueiredo antecipara, tantos bilhões teriam sido suficientes para custear integralmente casas populares a quase 2,5 milhões de pessoas ou sete vezes e meia o orçamento original da transposição do Rio São Francisco. Mas, em vez disso, acabaremos com estádios de futebol vazios e um gosto amargo na boca do que a Copa poderia ter sido e da chance que desperdiçamos. É, parece que Figueiredo conhecia o Brasil melhor do que ninguém.
É verdadeira a história que circula na internet de que o presidente João Figueiredo recusou-se a promover a candidatura do Brasil à Copa do Mundo, sob o argumento de que o país teria outras prioridades. Dissera, ao então presidente da Fifa e seu amigo, João Havelange: “Você já viu uma favela no Rio de Janeiro ou uma seca no Nordeste? Acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?” A estimativa de Havelange era de que toda a Copa custaria estrondoso US$ 1 bilhão da época, algo como R$ 6 bilhões em valores de 2014.
Foi por uma dessas peças do destino que eu, neto do presidente que recusara a Copa mais de duas décadas antes, recebi como uma das primeiras tarefas na minha passagem pelo setor público, em 2007, a coordenação da candidatura do Estado do Rio — e, consequentemente, do Brasil — para sediar a Copa do Mundo de 2014. Acabávamos de sediar, com sucesso, os Jogos Pan-Americanos, e a Copa do Mundo no país do futebol parecia um tremendo sonho. Foi um raro momento de convergência de interesses e união de todas as esferas de governo e da CBF, que mergulharam de cabeça na candidatura, com engajamento pessoal do presidente Lula.
Lembro-me da sensação de euforia quando conquistamos o direito de sediar o evento maior do futebol. Aquela seria uma Copa diferente, prometiam. A organização alardeava que os estádios seriam integralmente custeados pela iniciativa privada, incluindo a reforma do Maracanã, orçada à época em R$ 300 milhões. O Brasil assumiu, por escrito, um compromisso de resolver gargalos antigos de infraestrutura e mobilidade e teríamos até um trem-bala ligando as duas maiores cidades do país. Haveria tempo de sobra para a preparação. Era a grande chance do Brasil. Pesquisas mostravam que mais de 90% da população apoiavam a Copa do Mundo aqui. Talvez, então, Figueiredo estivesse enganado.
Hoje, sete anos depois, às vésperas da competição, eu e boa parte do país somos forçados a reconhecer a sabedoria do meu avô. Pesquisas recentes mostram que o apoio à Copa no Brasil caiu para 52% da população. Pudera: o custo total da competição deve chegar a R$ 30 bilhões. Menos da metade das obras de infraestrutura foi entregue e os estádios viram seus custos de construção quadruplicarem em alguns dos casos mais escandalosos de superfaturamento da história da República. Por pura ganância de alguns, gastamos cerca de R$ 11 bilhões do dinheiro dos contribuintes apenas na construção das arenas da Copa.
O sonho virou pesadelo e, como Figueiredo antecipara, tantos bilhões teriam sido suficientes para custear integralmente casas populares a quase 2,5 milhões de pessoas ou sete vezes e meia o orçamento original da transposição do Rio São Francisco. Mas, em vez disso, acabaremos com estádios de futebol vazios e um gosto amargo na boca do que a Copa poderia ter sido e da chance que desperdiçamos. É, parece que Figueiredo conhecia o Brasil melhor do que ninguém.
13 de junho de 2014
Paulo Figueiredo Filho, O Globo
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