"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 17 de maio de 2014

SEM COLHER

Seria interessante saber que outros países têm sistema penal semelhante ao nosso. Talvez só nações com baixo índice de criminalidade violenta, como a Suíça e a Noruega

Uma decisão recente do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal — o que faz dele o mais importante juiz do país — está sendo contestada enfaticamente pela Ordem dos Advogados do Brasil. O pecado de Barbosa, na opinião dos advogados, foi proibir que Delúbio Soares, um dos condenados no famoso processo do mensalão — que levou para a cadeia alguns dos principais caciques do governo Lula — tivesse a colher de chá de trabalhar fora da cadeia.

Barbosa baseou sua decisão num argumento aparentemente lógico: Delúbio ainda não cumpriu um sexto de sua pena — o que é norma para condenados comuns. E não foi novidade: já se agiu assim no caso de outros condenados pelo mensalão, inclusive o ex-poderoso e ex-ministro José Dirceu. Mas, pelo visto, só Delúbio despertou a indignação dos advogados.

O principal argumento da Ordem dos Advogados é que o caso de Delúbio cria um precedente na sua opinião inaceitável. Adilson Rocha, presidente da Coordenação do Sistema Prisional Brasileiro, usou um argumento assustador: para ele, caso os juízes de todo o país seguissem o exemplo do ministro do Supremo, seriam prejudicados 20 mil condenados que hoje trabalham fora e apenas dormem na cadeia.

O número real pode ser bem maior: só em São Paulo, há perto de 46 mil presos que se beneficiam dessa colher de chá. Em Minas, o regime semiaberto beneficia um número bem menor: trabalham fora quase dez mil, num total de 60 mil; no Rio, só 500 não têm emprego fora, numa população de 8.500 condenados.

Para um observador ignorante, o sistema, se é que funciona bem — ou seja, sem que um certo número de presidiários aproveite a licença de trabalhar fora para sumir no mundo — talvez, quem sabe, pode levar um número considerável de cidadãos a cometerem delitos sem medo de castigo pesado.

Seria interessante saber que outros países têm sistema penal semelhante ao nosso. Talvez só nações com baixo índice de criminalidade violenta, como a Suíça e a Noruega. Nos Estados Unidos, que tanto admiramos, garanto que não há a colher de chá acima mencionada. Lá não faltam juristas como o nosso Barbosa.

 
17 de maio de 2014
Luiz Garcia, O Globo

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