Seria inaceitável a entidade seguir o destino do congênere argentino Indec, subjugado aos interesses do governo de Cristina K, a ponto de falsificar índices de inflação
A experiência desaconselha misturar interesses político-partidários com instituições públicas de pesquisa, entre outras. Como prova, aí está o problema criado pela senadora petista Gleisi Hoffmann (PR) — aguerrida defensora do governo Dilma, de quem foi ministra-chefe da Casa Civil — com o corpo técnico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entidade respeitável do Estado brasileiro. A polêmica trata de parte da nova pesquisa por amostra de domicílios, a “Pnad Contínua", importante aperfeiçoamento na apuração de indicadores sócio-econômicos no Brasil, por ser aplicada num universo bem mais amplo que a conhecida Pnad. Ao abranger 3.500 dos 5.700 municípios, ela garante informações mais precisas.
A questão é que sairão da nova Pnad os dados regionais de renda para efeito de cálculo dos novos parâmetros aos quais se subordinará a distribuição dos recursos do fundo de participação de estados e municípios — um assunto crucial para governadores e prefeitos.
O problema começou quando a senadora colocou sob suspeita a capacidade de o IBGE fornecer informações de qualidade para a recalibragem do fundo de participações, e nos prazos legais. O conselho diretor do IBGE suspendeu a Pnad Contínua, jogando sua retomada para 2015 — depois das eleições. De maneira compreensível, a diretora do IBGE Marcia Quintslr se exonerou, sendo acompanhada por técnicos. Entende-se o gesto como pertinente ação cautelar diante de precedentes de interferência político-partidária. O exemplo mais conhecido é a ingerência de frações petistas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também estatal, durante um certo período, quando chegou a haver uma caça ideológica às bruxas. Seu presidente à época, o economista Márcio Pochmann, depois candidatou-se pelo partido, sem êxito, à prefeitura de Campinas.
Foi lógico relacionar a ação da senadora ao fato de a Pnad Contínua, por características técnicas, mostrar um índice de desemprego diferente daquele que é divulgado mensalmente. Mesmo que os números não possam ser comparados, os 7% de desemprego da nova pesquisa desagradam os marqueteiros da campanha de Dilma, já certamente com peças de propaganda nas gavetas para exaltar o índice de 5% apurado pelo indicador velho, em apenas seis regiões metropolitanas.
O clima ontem à tarde era de desanuviamento. Os técnicos tratam de reformular o esquema de trabalho, para a Pnad Contínua fornecer os dados de renda regionais nos prazos legais, enquanto a ministra do Planejamento, Míriam Belchior, considera tudo um mal-entendido e reafirma que o instituto tem total autonomia operacional.
Melhor assim. Seria inaceitável o IBGE seguir o destino do congênere argentino Indec, subjugado aos interesses do governo de Cristina K, a ponto de falsificar as taxas oficiais de inflação. Como Casa Rosada e Planalto têm preocupantes afinidades, é preciso manter-se vigilante.
17 de abril de 2014
Editorial O Globo
A experiência desaconselha misturar interesses político-partidários com instituições públicas de pesquisa, entre outras. Como prova, aí está o problema criado pela senadora petista Gleisi Hoffmann (PR) — aguerrida defensora do governo Dilma, de quem foi ministra-chefe da Casa Civil — com o corpo técnico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entidade respeitável do Estado brasileiro. A polêmica trata de parte da nova pesquisa por amostra de domicílios, a “Pnad Contínua", importante aperfeiçoamento na apuração de indicadores sócio-econômicos no Brasil, por ser aplicada num universo bem mais amplo que a conhecida Pnad. Ao abranger 3.500 dos 5.700 municípios, ela garante informações mais precisas.
A questão é que sairão da nova Pnad os dados regionais de renda para efeito de cálculo dos novos parâmetros aos quais se subordinará a distribuição dos recursos do fundo de participação de estados e municípios — um assunto crucial para governadores e prefeitos.
O problema começou quando a senadora colocou sob suspeita a capacidade de o IBGE fornecer informações de qualidade para a recalibragem do fundo de participações, e nos prazos legais. O conselho diretor do IBGE suspendeu a Pnad Contínua, jogando sua retomada para 2015 — depois das eleições. De maneira compreensível, a diretora do IBGE Marcia Quintslr se exonerou, sendo acompanhada por técnicos. Entende-se o gesto como pertinente ação cautelar diante de precedentes de interferência político-partidária. O exemplo mais conhecido é a ingerência de frações petistas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também estatal, durante um certo período, quando chegou a haver uma caça ideológica às bruxas. Seu presidente à época, o economista Márcio Pochmann, depois candidatou-se pelo partido, sem êxito, à prefeitura de Campinas.
Foi lógico relacionar a ação da senadora ao fato de a Pnad Contínua, por características técnicas, mostrar um índice de desemprego diferente daquele que é divulgado mensalmente. Mesmo que os números não possam ser comparados, os 7% de desemprego da nova pesquisa desagradam os marqueteiros da campanha de Dilma, já certamente com peças de propaganda nas gavetas para exaltar o índice de 5% apurado pelo indicador velho, em apenas seis regiões metropolitanas.
O clima ontem à tarde era de desanuviamento. Os técnicos tratam de reformular o esquema de trabalho, para a Pnad Contínua fornecer os dados de renda regionais nos prazos legais, enquanto a ministra do Planejamento, Míriam Belchior, considera tudo um mal-entendido e reafirma que o instituto tem total autonomia operacional.
Melhor assim. Seria inaceitável o IBGE seguir o destino do congênere argentino Indec, subjugado aos interesses do governo de Cristina K, a ponto de falsificar as taxas oficiais de inflação. Como Casa Rosada e Planalto têm preocupantes afinidades, é preciso manter-se vigilante.
17 de abril de 2014
Editorial O Globo
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