Quem ainda se lembra do trem bala? Ligaria o Rio de Janeiro a Campinas, com investimento previsto de R$ 38 bilhões. Era a menina dos olhos do governo Dilma Rousseff. Felizmente, para os brasileiros que pagam a conta, o projeto descarrilou em alta velocidade no seu nascedouro pela inviabilidade técnica e econômica. Era um sonho de uma noite de verão.
Infelizmente outros “trem bala” estão descarrilando na economia brasileira com reflexos danosos para o futuro do desenvolvimento sustentável, objetivo de qualquer governo sério. Um deles é pilotado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que desenvolve relação promíscua com o Tesouro Nacional, digna de um lupanar de beira de estrada. No seu bojo é utilizada a lógica (ilógica) da contabilidade criativa, operada em larga escala na política econômica do atual governo brasileiro.
A aliança BNDES-Tesouro demonstra que a desordem e a irresponsabilidade na administração das contas públicas atingem níveis intoleráveis. Consiste nos empréstimos feitos pelo Tesouro, através a emissão de títulos públicos, ao banco de fomento, supostamente para alavancar os investimentos privados. O crescimento dessas operações vem atingindo números inacreditáveis. Cerca de 90% da totalidade dos empréstimos do Tesouro são ao BNDES, ficando 10% para outros bancos públicos, destacadamente Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Farra inqualificável com o dinheiro público. O economista Edmar Bacha é didático: “O BNDES virou a mãe de todos os empresários. Virou uma desgraça e tem que voltar aos trilhos.”
Objetivamente: em 2007, início do segundo mandato do presidente Lula, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos correspondiam a 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto), totalizando R$ 14 bilhões. Ao final de 2013 deu o gigantesco salto para 9,6% do PIB, representando R$ 438 bilhões. Afetará a vida do contribuinte no futuro com um custo insuportável, já que o tesouro se endivida a uma taxa de mercado e repassa ao BNDES a um valor menor. No ano passado o subsídio nesse tipo de operação teve custo de R$ 24 bilhões.
O custo médio para o Tesouro gira em torno de 10%, enquanto o BNDES remunerará o empréstimo através a TJLP (Taxa de Juro de Longo Prazo) de 5%. Os recursos oriundos dessas operações são canalizados para grandes empresas nacionais. Parcelas substanciais são transferidas para o exterior com execução de obras e financiamento na aquisição de empresas.
Em Cuba, a construção do porto de Mariel, pela empresa Odebrecht, teve no BNDES o grande financiador. O grupo JBS, frigorífico Friboi, o maior do mundo, teve nos recursos dessas operações Tesouro-BNDES, poderosa alavanca de financiamento. Investimentos no metrô de Caracas e obras de infraestrutura em Angola e outras partes do mundo, tem no banco brasileiro o garantidor dos créditos financeiros.
Daí a razão do governo Dilma Rousseff ter aprovado “protocolo inconstitucional” determinando a impossibilidade de se conhecer os termos de contratos celebrados por empresas brasileiras e países como Angola, Cuba e Venezuela. Com lamentável e triste submissão da maioria dos parlamentares que integram a base de apoio do governo. Os congressistas que honram o mandato popular, à exemplo do senador Alvaro Dias e outros, foram esmagados pelo voto submisso, no direito legítimo de conhecer aqueles protocolos. É o Congresso se demitindo do seu papel republicano.
O Brasil carente de investimentos na sua infraestrutura amarga solitário abandono. Exemplo: nos últimos dez anos, em saneamento básico, o investimento foi de R$ 9,8 bilhões. Numa realidade onde metade das residências não tem coleta de esgotos. As obras de transposição do Rio S.Francisco, que amenizaria a seca na região do semiárido nordestino, elevando a qualidade de vida daquela sofrida população, iniciada em 2005, está estagnada. Os portos brasileiros, as rodovias em situação de sucateamento de norte a sul, não merecem prioridade de investimentos na dinâmica exigida. Com a educação e a saúde, não é diferente.
Enquanto isso, o binômio Tesouro-BNDES, vai navegando em mares calmos, garantindo pescaria de bilhões de reais a grandes grupos econômicos nacionais, insaciáveis tubarões. Em outros mares, bravios e procelosos, os brasileiros em frágeis embarcações enfrentam a tempestade da corrupção e da incompetência.
20 de março de 2014
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário