"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O TIRO DO PREFEITO NO PÉ

 

É de perguntar ao prefeito o que ele imaginava que as suas caneladas pudessem produzir para resgatar o seu governo que fechou o ano aprovado nas pesquisas por apenas 18% dos munícipes paulistanos


Agora não por atos, mas pelas palavras, o prefeito paulistano, Fernando Haddad, acaba de superar as já elevadas marcas alcançadas em 14 meses de mandato na modalidade tiro no pé. Frustrados os seus planos mirabolantes de transformar a cidade numa Xangai, como apregoa — ou porque a Justiça o impediu de onerar os paulistanos com um aumento abusivo do IPTU (de 20% a 35%) ou porque em boa hora a presidente Dilma Rousseff desistiu de apoiar o projeto que muda o indexador da dívida do Município com a União —, Haddad resolveu partir para cima da "elite econômica paulistana", culpando-a por seus dissabores.

Quando o seu mentor Luiz Inácio Lula da Silva desancava o "preconceito" das elites contra os pobres como ele — e como os que o ouviam nos palanques da reeleição e, depois, da candidatura Dilma —, a apelação podia ser o que se quisesse, menos irracional. Era um meio para um fim; como tal, funcionou. E seguramente ele tornará a se valer disso na campanha deste ano, para discriminar os adversários da presidente. Mas Haddad se saiu com uma diatribe que só serve para acrescentar mais críticas às tantas que o seu deplorável desempenho já fez por merecer.

Candidato, Haddad era um "poste" eleitoral. As suas luzes só se acenderam porque, além da força do patrocínio lulista nos redutos do PT, a sua imagem de bom moço lhe deu os votos da classe média que fizeram diferença no segundo turno. Prefeito, o tríplice diplomado pela USP (em direito, economia e filosofia) e ex-ministro da Educação revelou-se um neófito em política e um voluntarista na administração. Apesar dos protestos de junho contra o aumento das tarifas de transporte, ele só tirou os R$ 0,20 das passagens depois de ouvir uma advertência do seu colega do Rio, Eduardo Paes, que já desistira da majoração, e uma ordem de Lula.

Foi também o voluntarismo, o "fazer na marra", embebido dessa vez em caldo populista, que o incentivou a criar da noite para o dia as faixas exclusivas para ônibus, sem uma avaliação minimamente consistente dos seus efeitos para o trânsito de uma cidade por onde circulam cerca de 6 milhões de veículos, ou, por baixo, 1 para cada 2 habitantes. A mistura tóxica de insuficiente senso político e excessiva crença no poderio pessoal está decerto na origem da sua verrina contra as elites, por sinal numa entrevista ao site da BBC Brasil — que não há de ser propriamente o mais acessado pela maioria dos eleitores que lhe deu a vitória em 2012.

Os paulistanos "muito ricos", investiu, padecem de "miopia" e "pobreza espiritual". Essa elite é amesquinhada e muito conservadora, "a começar pelos meios de comunicação" — estes, evidentemente, porque ousaram discordar das políticas do professor-doutor. Para ele, a elite míope, acumpliciada com a mídia, sabota a cidade ao pressionar o Congresso para que não aprove a troca do indexador da dívida paulistana. Faltou-lhe, a essa altura do xingatório, a coragem de afrontar a verdadeira responsável pelo congelamento do projeto — a presidente da República. Ela se deu conta de que, se expurgasse R$ 24 bilhões do débito municipal de R$ 54 bilhões, não só transgrediria a Lei de Responsabilidade Fiscal, como ainda criaria um precedente que, ao ser imitado, levaria à ruína as contas nacionais.

É de perguntar ao prefeito o que ele imaginava que as suas caneladas pudessem produzir para resgatar o seu governo que fechou o ano aprovado nas pesquisas por apenas 18% dos munícipes. Será que eles mudarão de ideia ao ouvir de Haddad que são outros — as elites, a imprensa, o Congresso — os culpados por seus problemas? Extremando a comparação, a última vez que um mandatário quis virar a mesa acusando "forças terríveis" de impedi-lo de governar foi em 1961, quando o presidente Jânio Quadros tentou o fracassado golpe da renúncia.

E como ele quer que as elites reajam, depois de prometer, com arrogância, "educá-las a olhar a cidade com outros olhos"? Ainda é tempo de Haddad fazer isso em relação à Prefeitura. O Orçamento do Município para este ano, de R$ 50,6 bilhões, é o maior da história. Sabendo gastar, em vez de falar em conspirações e "crise financeira", não é pouco o que isso permite realizar.

15 de fevereiro de 2014
Editorial do Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário