A máscara é um disfarce. O capuz de Caio e o voto secreto do Congresso serviam para esconder o nome e o rosto de quem sabotava a democracia. Nem Caio nem os deputados queriam assumir seus atos diante da sociedade e da opinião pública. Tudo faziam para não se expor.
É natural que se tente disfarçar a autoria de um crime contra a vida ou um delito de consciência. No escurinho da máscara, na proteção do anonimato, seja aliciado, recrutado, manipulado ou favorecido, fica mais fácil explodir os valores, as crenças, os ideais e até a vida de um cinegrafista, de um manifestante, de um policial. Ou boicotar o futuro político de uma nação.
Agem todos como assaltantes da esperança num país melhor. Uns ganham R$ 150, quentinhas e vale-transporte, outros ganham milhões de dólares e a gratidão de poderosos. Até que a prisão de mensaleiros e a morte de Santiago acendem um rojão vermelho na cabeça de todos os brasileiros.
No velório de Santiago, as camisetas dos jornalistas traziam nas costas a inscrição: “Poderia ter sido qualquer um de nós”. É verdade. Vamos parar com o ciclo da violência e da ignorância acobertadas e financiadas por quem quer ver o circo pegar fogo. Chega de black blocs e white blocs mascarados! Chega de mártires como Amarildo e Santiago! E chega de corrupção premiada!
Chega de caçar jornalistas como se fossem bruxas! Desde junho de 2013, quando começaram as manifestações públicas, lindas, emocionantes e populares, houve 118 casos de violência contra jornalistas. Isso inclui agressões e prisões indevidas. Desse total, 88 atos de violência partiram de policiais, e 30 de manifestantes. Em 60% dos casos, as agressões não foram aleatórias. O jornalista se identificou. De nada adiantou. Ao contrário. Ao se identificar, o jornalista tem-se tornado alvo – e isso demonstra o medo das autoridades e o desconhecimento de parte da sociedade civil sobre como a imprensa realmente trabalha no Brasil.
Uma coisa é criticar a abordagem de um veículo de informação. Isso não só é legítimo, mas recomendável. Outra é assediar e tentar desmoralizar a imprensa em geral e seus profissionais. Ou, pior, tentar coibir a liberdade de informação. Isso equivale à censura, típica de regimes totalitários.
Com a cassação do deputado-presidiário Natan Donadon, por 467 votos a favor e uma abstenção, na primeira sessão de voto aberto na Câmara, o Congresso tira finalmente a máscara. Donadon mantivera o mandato anteriormente, em votação secreta, envergonhada e vexaminosa. Manter ativo o mandato de um deputado condenado pela Justiça é dar um tapa na cara do eleitor, traído por seus representantes fichas-sujas.
Houve hipocrisia populista em ano eleitoral? Prefiro celebrar esse momento histórico. De cara lavada, a ética se impõe. Se as máscaras do Congresso já tivessem sido tiradas antes, provavelmente não teríamos na presidência do Senado e da Câmara Renan Calheiros e Henrique Alves. O voto aberto nos renova a confiança num Congresso melhor.
Que os manifestantes imitem os congressistas. Que saiam às ruas sem máscaras e assumam seus atos, financiados ou não. Caio estava de rosto livre e feições indignadas no protesto contra o aumento das passagens de ônibus. Vestiu o capuz pouco antes de detonar a bomba caseira, em parceria com seu amigo Fábio Raposo, e fugir em disparada. Caio Silva de Souza, um sobrenome composto, tão brasileiro e tão comum. Um rapaz que desgraça a própria vida ao matar um profissional inocente, que estava na praça para registrar e mostrar a insatisfação popular com o alto custo de vida no Rio de Janeiro.
“Manifestações políticas são feitas por cidadãos que devem ter o orgulho e a responsabilidade de ser autores de seus gestos”, afirma o professor de Direito e formação político-econômica José Garcez Ghirardi. A máscara, segundo Ghirardi, serve como síntese para um desafio complexo das democracias: como legitimar as ações individuais no espaço público? Indivíduo e cidadão são conceitos distintos, mas temos misturado tudo. Esquecemos assim a civilidade e favorecemos o arbítrio. Ghirardi cita o sociólogo francês Alain Touraine: “Uma sociedade de indivíduos pode destruir uma sociedade de cidadãos”.
Estamos a duas semanas do Carnaval. No Brasil, as máscaras dos foliões, que costumavam ser apenas divertidas, nos últimos anos se politizaram. Agora, em 2014, nessa festa tardia de março, uma das máscaras trará o rosto do pedreiro Amarildo, torturado e morto na Rocinha por policiais. Se os cinegrafistas filmassem o Carnaval com a máscara de Santiago, seria uma homenagem-protesto de imenso peso simbólico.
Nosso baticumbum pré-carnavalesco se reveste de drama épico. Esperamos que, no fim, a verdade e a transparência não sejam só fantasias.
15 de fevereiro de 2014
Ruth de Aquino, Revista Época
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