Alimentar quem tem fome, agasalhar quem tem frio, consolar os que choram, proteger os indefesos, abrigar os perseguidos. São princípios universais, base de toda sociedade organizada e termômetro de seu grau de civilização.
O Brasil está rodeado de vizinhos estranhos e imprevisíveis. Alguns até violentos. No tempo em que cada país vivia fechado em seu universozinho, sem grande contacto com o exterior, vizinhos tinham pouca importância. Mas a roda girou e a ordem mundial se alterou.
Com a melhora nos transportes e nas comunicações, a proximidade geográfica passou a ter maior significado nas relações entre os povos. Cinquenta anos atrás, uma viagem internacional ― fosse ela a Assunção ou a Bruxelas ― causava o mesmo pasmo. Era assunto para relatos que duravam meses, anos até. Hoje não é mais assim. A proximidade dos vizinhos tem assumido importância crescente.
Se é um bem ou um mal? Pois não me parece nem um nem outro. É da vida. Tendemos todos a ter mais intimidade com o vizinho de parede do que com o que vive na rua de baixo. E a recíproca é verdadeira: nossos vizinhos também nos veem, mais e mais, como gente digna de atenção e de respeito.
Foi nessa continuidade histórico-política que um senador boliviano, perseguido pelo governo de seu país e sentindo-se por ele ameaçado, buscou asilo na embaixada do Brasil em La Paz. Causou rebuliço em nosso governo popular. Por um lado, princípios universais de convivência ensinam que se deve dar asilo aos perseguidos. Por outro, dar proteção a um desafeto de governante amigo pode ser interpretado como afronta. Que fazer?
Oficialmente, nada se fez. Brasília escudou-se detrás de desculpa cômoda: o governo boliviano se negava a conceder salvo-conduto para o asilado abandonar o país em segurança. No entanto… por baixo do pano, as coisas não se desenrolavam exatamente assim.
Não tivesse a notícia sido publicada pelo Estadão, em sua edição de 14 fev°, não seria de acreditar. Se você não leu, não perca: é edificante. Clique aqui. Sabemos agora que, logo que o senador bateu à porta de nossa embaixada e lá foi acolhido, Brasília e La Paz entabularam tratativas para resolver o problema de maneira indolor para os dois governos e, se possível, infernizando e desgraçando a vida do ousado parlamentar.
O plano era remover de nossa embaixada o refugiado incômodo, instalá-lo num avião venezuelano e despachá-lo para a Venezuela de Chávez ou para a Nicarágua de Ortega ― gente notoriamente confiável e amiga. Para coroar o cenário de sórdida deslealdade, o senador não deveria ser informado do destino final de sua viagem.
Dois motivos impediram o sucesso da infame operação. Primeiro, o asilado não concordou em embarcar num voo de destino ignorado. Segundo, Chávez, apesar do desvelo do ápice do suprassumo da quinta-essência da superior medicina cubana, faleceu. E a urdidura secreta foi por água abaixo. O senador teve de ser resgatado pela compaixão de um funcionário de nossa embaixada, que arriscou seu futuro profissional na empreitada.
O senador refugiado sobrevive hoje em Brasília no quarto de empregada ― perdão! ― no quarto de auxiliar de serviços domésticos do apartamento de um senador brasileiro. É cômodo sem janela, de uns 5 metros quadrados, onde não cabe nem criado-mudo.
É inconcebível que nossos governantes, que, em nome do Estado brasileiro, deram refúgio na embaixada ao político perseguido, não lhe proporcionem o alojamento e a proteção que lhe são devidos. Mais inexplicável é o fato de o terem acolhido em La Paz e de se recusarem agora a confirmar-lhe asilo em território nacional.
Melhor teria feito o señor Molina se tivesse procurado a embaixada de um país civilizado. Fez mau negócio, o infeliz parlamentar.
Copas e Jogos Olímpicos podem servir para anestesiar o distinto público interno. Casos como o do senador boliviano corroem a imagem de nosso país no exterior. É pena.
15 de fevereiro de 2014
José Horta Manzano
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