"Temos inteligência / pra acabar com a violência, dizem / cultivamos a beleza, / arte e filosofia
A modernidade agora / vai durar pra sempre, dizem / toda a tecnologia / só pra criar fantasia / vivermos em harmonia / não será só utopiaQuem me dera / não sentir mais medo / quem me dera / não me preocupar / quem me dera / não sentir mais medo algum”
(Arnaldo Antunes, na letra da canção “Dizem”/Quem me dera)
Navego na trilha poética e sonora do artista, enquanto peço licença e paciência para a tentativa de recompor alguns estilhaços de fatos, suspeitas e opiniões espalhados, esta semana, na rota Rio de Janeiro - Feira de Santana (BA), com Brasília na baldeação.
São pedaços significativos e exemplares – para o bem e para o mal - recolhidos no País à beira de um ataque de nervos (ou seria de medo e insegurança, entre doses cavalares de insanidade?) nestes dias de verão efervescente do ano eleitoral de 2014:
1 - Rojões lançados a esmo - ou teleguiados por grana e interesses políticos e de poder, segundo dizem ou suspeitam alguns - nas manifestações de protesto. E a pergunta que não quer calar, à espera de investigação séria e respostas convincentes: onde se originam os petardos? A quem interessam?
2 - Jocosas entrevistas de porta de cadeia transmitidas nacionalmente pela TV. Em especial a de uma moça chamada "Sininho". Carregado sotaque carioca, língua solta e riso malandro de galhofa dos irresponsáveis que apostam na impunidade, a ilustrar frases repletas de ameaças submersas e de duplo sentido.
O cidadão comum escuta e se espanta ou se confunde. Não consegue identificar direito o que ela pensa, propõe, nem o real significado do que ela diz ou quem de fato a inspira. Ou a causa que ela defende. Um personagem estranho e constrangedor, a merecer verificações e desvendamentos.
3 - Notas oficiais, como a da FENAJ, carregadas de corporativismo, jogo de cena partidário. Além de mal disfarçadas tinturas ideológicas. Infeliz tentativa de transformar "em claro atentado à liberdade de expressão" e à imprensa, um ato criminoso que resultou na trágica e emblemática morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV BAND.
Ato insano, sim, mas a ser apurado nos limites da legalidade vigente. E punidos os responsáveis nos termos do Código Penal em vigor. A morte de Santiago fere gravemente a sociedade democrática como um todo e atenta contra a consciência civilizada em geral, não só a dos profissionais de comunicação e de suas empresas
4 - Exacerbação "antiterrorista” (quanto oportunismo que cheira a tentativa política rasteira e condenável de "caça às bruxas"), do notório senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Congresso.
5 - Movimentação feérica do advogado de defesa dos acusados presos. Ele levanta suspeitas, a torto e a direito (ou seria à direita, como sugerem alguns?), planta "denúncias" e atua em cena como uma espécie de Chacrinha do tempo do Twitter e do Facebook, aparentemente mais disposto a confundir que a esclarecer.
6 - Tíbias declarações sobre o caso da presidente da República, Dilma Rousseff, via redes sociais, para uma sociedade perplexa à espera das palavras e atitudes de estadista que o momento exige.
No meio desta Babel de declarações desencontradas, momentos, também, de razoabilidade e bom senso. Demonstrações pungentes e saudáveis de que nem tudo está perdido.
Três exemplos, para contextualizar:
1 - A mensagem postada no Facebook pela filha, ao se despedir do pai-herói cinegrafista, estupidamente morto quando executava o seu trabalho. Merece reprodução e leitura integrais, mas aqui vai apenas um trecho marcante: Meu nome é Vanessa Andrade, tenho 29 anos e acabo de perder meu pai. Quando decidi ser jornalista, aos 16, ele quase caiu duro. Disse que era profissão ingrata, salário baixo e muita ralação. Mas eu expliquei: vou usar seu sobrenome. Ele riu e disse: então pode!
2 - O comportamento discreto, mas crucial, da namorada de Caio, um dos elos mais nebulosos deste caso sombrio. Preso na baiana cidade de Feira de Santana, acuado em um quarto de pensão de beira de estrada, quando em fuga tentava chegar à casa do avô, para se esconder no Ceará. A namorada, cujo nome desconheço, mas admiro, convenceu, por telefone, o cara do rojão do Rio a ficar no quarto e parar com a aventura de desfecho imprevisível.
Depois viajou do Rio para a Bahia, subiu ao quarto de pensão com o advogado, e desceu a escada com o namorado que se entregou à polícia e, agora, recolhido à prisão de Bangu, vai esperar o desdobramento do caso que decidirá o seu destino. Admirável exemplo da moça discreta e anônima, no país de celebridades instantâneas e fugazes.
3 - A pungente e verdadeira declaração de Arlita Andrade, viúva de Santiago, à repórter da TV Globo, depois da última visita ao marido, na UTI do hospital do Rio: "Ele não pode estar indo em vão".
Que estas palavras e exemplos de dignidade e sensatez sejam entendidos e frutifiquem, no meio da navegação do barco de insensatos que singra os mares agitados do Brasil nestes temerários dias de ano eleitoral. A conferir.
15 de fevereiro de 2014
Vitor Hugo Soares é jornalista
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