“Agora, os dias começaram a fluir e todavia cada um deles era alongado pelas expectativas renovadas e inchadas com silêncio, experiências privadas. Sim, o tempo é enigmático, há alguma coisa sobre ele que é difícil explicar.” As reflexões de Thomas Mann na “Montanha Mágica" sempre parecem apropriadas quando o mundo econômico se reúne no mesmo local que inspirou a obra-prima.
Apropriadas pelo oposto. Uma espécie de reverso que nos faz perguntar: o que eles fazem em Davos com toda essa inquietação do mundo financeiro? Não há nada no livro que lembre o imediatismo das medidas com as quais os representantes dos bancos, organizações multilaterais e empresas medem o mundo, a vida, os valores.
Davos é uma estação de esqui, explicam os óbvios. É o centro do capitalismo, comemoram os que vão participar do conclave de grandes empresários, financistas, economistas, autoridades monetárias e alguns chefes de estado. A montanha sempre será, na literatura, o local que serviu de cenário para o grande escritor alemão refletir sobre o relativo do tempo.
O mundo vive agora expectativas renovadas. O pior da crise passou. Anos atrás, parecia que estavam todos condenados como os que iam se tratar da doença temida e, então, quase sempre fatal. O mal da última crise atingiu principalmente os pulmões da Europa, que pareceu sufocar nos últimos anos em dívidas, déficits, desemprego. A mesma Europa que juntava seus destroços ao fim da Primeira Guerra, ao tempo em que o autor alemão criou seus mágicos personagens.
Antes da crise de 2008, o mundo ia a Davos comemorar a febre da escalada dos investimentos, dos valores dos ativos, da euforia em relação aos emergentes. Médico — ou economista — que diagnosticasse o caráter mórbido daquele aquecimento seria tratado como um pessimista. Após a explosão da crise de 2008, os encontros de Davos lembravam o ambiente de um sanatório com todos fazendo vaticínios fatídicos para alguns dos países. Eles sobreviveram e alguns passam bem.
Quem vê, ainda que de longe, a repetição dos debates, diagnósticos, declarações, alertas, números e indicadores apresentados em Davos não consegue esquecer da repetição monótona dos dias, diagnósticos, alertas, números das temperatura do corpo dos pacientes da “Montanha Mágica". O tempo é enigmático. Ele sempre parece lento demais em Davos.
Parece que nada muda a cada ano em que de lá são enviadas ao mundo as sentenças categóricas sobre os países. Os economistas que vão a Davos são sempre os mesmos, seguem as mesmas rotinas e se reúnem para dizer as mesmas palavras. Mais inteligentes e enigmáticos eram os personagens que povoavam o Sanatório de Berghof, onde Hans Castorp, personagem central do livro de Thomas Mann, vai por descuido, apenas para uma visita, convencido de que está saudável. É apenas a solidariedade a outro enfermo, até que a trama o aprisiona e se prova que ele é outro dos que ficarão pela Montanha à espera da cura. Expectativas privadas.
Na Davos real, de hoje, a presidente Dilma Rousseff desembarca convencida de que a economia que comanda está saudável. Seus interlocutores não tem o mesmo diagnóstico. A economia cresce cronicamente pouco, abre-se um rombo em suas contas externas, o termômetro mostra sempre a inflação perto do máximo permitido. Mas o ponto em que há maior tensão é na mágica com a qual sua equipe tentou encobrir e recobrir os índices fiscais. De nada servirá a afirmação categórica, que certamente ela fará, de que seu governo tem conduzido bem a economia, que respeita tripés, metas e contratos. Melhor seria concentrar seu discurso nas virtudes, oportunidades e expectativas do país que governa. A confiança na conjuntura do Brasil oscila, mas há mais certeza nas possibilidades de médio e longo prazos.
Na Davos imaginária, o tempo é alongado. Passava mais rápido na eloquência irreverente do italiano Lodovico Settembrini. Para ele, “a crítica representa a origem do progresso e do esclarecimento". Se a presidente vai a Davos, deveria ouvir as críticas, veladas ou silenciosas. Apurar bem os ouvidos e não se deixar convencer de que as gentilezas de praxe provam que está tudo bem. As críticas serão mais úteis. Podem ajudá-la a corrigir equívocos que tiraram o brilho do seu mandato. Na eventualidade de um segundo mandato, ela terá tempo de repensar e corrigi-los.
Apropriadas pelo oposto. Uma espécie de reverso que nos faz perguntar: o que eles fazem em Davos com toda essa inquietação do mundo financeiro? Não há nada no livro que lembre o imediatismo das medidas com as quais os representantes dos bancos, organizações multilaterais e empresas medem o mundo, a vida, os valores.
Davos é uma estação de esqui, explicam os óbvios. É o centro do capitalismo, comemoram os que vão participar do conclave de grandes empresários, financistas, economistas, autoridades monetárias e alguns chefes de estado. A montanha sempre será, na literatura, o local que serviu de cenário para o grande escritor alemão refletir sobre o relativo do tempo.
O mundo vive agora expectativas renovadas. O pior da crise passou. Anos atrás, parecia que estavam todos condenados como os que iam se tratar da doença temida e, então, quase sempre fatal. O mal da última crise atingiu principalmente os pulmões da Europa, que pareceu sufocar nos últimos anos em dívidas, déficits, desemprego. A mesma Europa que juntava seus destroços ao fim da Primeira Guerra, ao tempo em que o autor alemão criou seus mágicos personagens.
Antes da crise de 2008, o mundo ia a Davos comemorar a febre da escalada dos investimentos, dos valores dos ativos, da euforia em relação aos emergentes. Médico — ou economista — que diagnosticasse o caráter mórbido daquele aquecimento seria tratado como um pessimista. Após a explosão da crise de 2008, os encontros de Davos lembravam o ambiente de um sanatório com todos fazendo vaticínios fatídicos para alguns dos países. Eles sobreviveram e alguns passam bem.
Quem vê, ainda que de longe, a repetição dos debates, diagnósticos, declarações, alertas, números e indicadores apresentados em Davos não consegue esquecer da repetição monótona dos dias, diagnósticos, alertas, números das temperatura do corpo dos pacientes da “Montanha Mágica". O tempo é enigmático. Ele sempre parece lento demais em Davos.
Parece que nada muda a cada ano em que de lá são enviadas ao mundo as sentenças categóricas sobre os países. Os economistas que vão a Davos são sempre os mesmos, seguem as mesmas rotinas e se reúnem para dizer as mesmas palavras. Mais inteligentes e enigmáticos eram os personagens que povoavam o Sanatório de Berghof, onde Hans Castorp, personagem central do livro de Thomas Mann, vai por descuido, apenas para uma visita, convencido de que está saudável. É apenas a solidariedade a outro enfermo, até que a trama o aprisiona e se prova que ele é outro dos que ficarão pela Montanha à espera da cura. Expectativas privadas.
Na Davos real, de hoje, a presidente Dilma Rousseff desembarca convencida de que a economia que comanda está saudável. Seus interlocutores não tem o mesmo diagnóstico. A economia cresce cronicamente pouco, abre-se um rombo em suas contas externas, o termômetro mostra sempre a inflação perto do máximo permitido. Mas o ponto em que há maior tensão é na mágica com a qual sua equipe tentou encobrir e recobrir os índices fiscais. De nada servirá a afirmação categórica, que certamente ela fará, de que seu governo tem conduzido bem a economia, que respeita tripés, metas e contratos. Melhor seria concentrar seu discurso nas virtudes, oportunidades e expectativas do país que governa. A confiança na conjuntura do Brasil oscila, mas há mais certeza nas possibilidades de médio e longo prazos.
Na Davos imaginária, o tempo é alongado. Passava mais rápido na eloquência irreverente do italiano Lodovico Settembrini. Para ele, “a crítica representa a origem do progresso e do esclarecimento". Se a presidente vai a Davos, deveria ouvir as críticas, veladas ou silenciosas. Apurar bem os ouvidos e não se deixar convencer de que as gentilezas de praxe provam que está tudo bem. As críticas serão mais úteis. Podem ajudá-la a corrigir equívocos que tiraram o brilho do seu mandato. Na eventualidade de um segundo mandato, ela terá tempo de repensar e corrigi-los.
24 de janeiro de 2014
Miriam Leitáo, O Globo
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