A Turquia faz emissão a juros baixos enquanto se fala em crise de emergentes; alguém está errado nessa história
Este mês nos trouxe o primeiro "conundrum" do ano no mercado financeiro. Essa expressão, resgatada há algum tempo por um ex-presidente do Fed, procura identificar os acontecimentos que vão contra o senso comum dos mercados.
Quando um "conundrum" aparece, duas leituras opostas podem ocorrer: a primeira é que algo estranho, novo, inusitado pode estar realmente ocorrendo e será preciso algum esforço para entendê-lo. A outra possibilidade é que o senso comum esteja errado e o "conundrum" ocorra em razão de uma realidade mal compreendida pelos agentes econômicos.
Um exemplo clássico dessa segunda leitura é a histeria que tomou conta de alguns analistas quando o banco central americano iniciou sua experiência conhecida hoje como QE.
O apocalipse da inflação na maior economia do mundo foi pintado a tinta e a cores por vetustos senhores da comunidade de Wall Street e jovens gênios da economia encastelados nas universidades. O pobre Ben Bernanke foi estigmatizado no Congresso como traidor da pátria, e um ambicioso político republicano propôs uma lei draconiana para amarrar o Fed ao padrão-ouro.
Hoje, com a inflação americana correndo abaixo da meta de 2% ao ano e a economia crescendo mais de 3,5% em 2014, os críticos da política monetária estão calados e amargurando um vexame destruidor de qualquer reputação. E a imagem de um "conundrum" desapareceu das declarações dos mais radicais, pois evoluímos para um entendimento melhor dos canais monetários nas economias neste século 21.
Mas voltemos --até para explicar melhor-- ao primeiro "conundrum" de 2014. Enquanto escrevo esta coluna, a Turquia --apesar de toda a crise política que a cerca e a queda livre nos mercados de câmbio de sua moeda-- recebeu um total de US$ 12 bilhões de oferta para comprar títulos de crédito de dez anos de prazo em uma nova emissão que veio ao mercado. E os juros, no final do processo de precificação, devem ficar abaixo dos 6% ao ano.
Qual a imagem de "conundrum" associada a esse incrível sucesso na captação de recursos pelo Estado turco? A resposta vem da reação de surpresa verbalizada por um banqueiro associado a essa emissão, tanto em razão do volume da oferta de recursos pelos investidores como pela taxa de juros associada a ela.
A pergunta que certamente se fez o banqueiro acima citado foi esta: como esse sucesso ocorreu se a opinião generalizada, que domina a imprensa e os mercados, é que o mundo emergente caminha a passos largos para uma crise de liquidez? E a Turquia é certamente um dos elos mais frágeis dessa corrente prestes a arrebentar.
O senso comum dos analistas da economia mundial entende que a redução dos estímulos monetários, iniciado no mês de dezembro pelo Fed, deve ter continuidade na próxima reunião, no fim deste mês. Com isso, os juros americanos devem manter sua tendência de alta, o que deve arrastar, para a maior economia do mundo, um volume expressivo de recursos que se encontram hoje nos emergentes. A imprensa comprou com entusiasmo essa análise e somos bombardeados todos os dias com previsões apocalípticas. Inclusive a presidenta do FMI adotou esse discurso em suas primeiras intervenções em Davos, na Suíça.
Agora o leitor da Folha deve ter compreendido por que usei a expressão "conundrum" no caso da emissão turca. Como explicar essa verdadeira corrida aos títulos de um país à beira de uma crise de confiança? E essa inconsistência fica ainda mais clara quando essa mesma corrida vem ocorrendo com outras emissões de títulos de países emergentes.
Nas palavras do espantado banqueiro que acompanha a emissão da Turquia, o início de 2014 é o mais ativo no que diz respeito a volume de novas colocações de papéis de emergentes. Nesse sentido a Turquia é só o exemplo mais gritante desse "conundrum" --não para mim-- e que não foi explorado pela imprensa e pelos chats de mercado. E alguém está muito errado nessa história.
Na minha última coluna do ano passado, chamei 2013 de "o ano que ainda não terminou". Procurava passar ao leitor o pensamento de que vamos viver --pelo menos no início de 2014-- acontecimentos que serão apenas uma extensão do que se passou no ano velho.
Um deles é o fato de que, por mais algum tempo, os mercados vão refletir intensamente as opiniões pessoais de jornalistas econômicos e as divagações de professores universitários, deixando de lado os profissionais da análise econômica. E a crise de liquidez nos mercados emergentes é um desses eventos.
Este mês nos trouxe o primeiro "conundrum" do ano no mercado financeiro. Essa expressão, resgatada há algum tempo por um ex-presidente do Fed, procura identificar os acontecimentos que vão contra o senso comum dos mercados.
Quando um "conundrum" aparece, duas leituras opostas podem ocorrer: a primeira é que algo estranho, novo, inusitado pode estar realmente ocorrendo e será preciso algum esforço para entendê-lo. A outra possibilidade é que o senso comum esteja errado e o "conundrum" ocorra em razão de uma realidade mal compreendida pelos agentes econômicos.
Um exemplo clássico dessa segunda leitura é a histeria que tomou conta de alguns analistas quando o banco central americano iniciou sua experiência conhecida hoje como QE.
O apocalipse da inflação na maior economia do mundo foi pintado a tinta e a cores por vetustos senhores da comunidade de Wall Street e jovens gênios da economia encastelados nas universidades. O pobre Ben Bernanke foi estigmatizado no Congresso como traidor da pátria, e um ambicioso político republicano propôs uma lei draconiana para amarrar o Fed ao padrão-ouro.
Hoje, com a inflação americana correndo abaixo da meta de 2% ao ano e a economia crescendo mais de 3,5% em 2014, os críticos da política monetária estão calados e amargurando um vexame destruidor de qualquer reputação. E a imagem de um "conundrum" desapareceu das declarações dos mais radicais, pois evoluímos para um entendimento melhor dos canais monetários nas economias neste século 21.
Mas voltemos --até para explicar melhor-- ao primeiro "conundrum" de 2014. Enquanto escrevo esta coluna, a Turquia --apesar de toda a crise política que a cerca e a queda livre nos mercados de câmbio de sua moeda-- recebeu um total de US$ 12 bilhões de oferta para comprar títulos de crédito de dez anos de prazo em uma nova emissão que veio ao mercado. E os juros, no final do processo de precificação, devem ficar abaixo dos 6% ao ano.
Qual a imagem de "conundrum" associada a esse incrível sucesso na captação de recursos pelo Estado turco? A resposta vem da reação de surpresa verbalizada por um banqueiro associado a essa emissão, tanto em razão do volume da oferta de recursos pelos investidores como pela taxa de juros associada a ela.
A pergunta que certamente se fez o banqueiro acima citado foi esta: como esse sucesso ocorreu se a opinião generalizada, que domina a imprensa e os mercados, é que o mundo emergente caminha a passos largos para uma crise de liquidez? E a Turquia é certamente um dos elos mais frágeis dessa corrente prestes a arrebentar.
O senso comum dos analistas da economia mundial entende que a redução dos estímulos monetários, iniciado no mês de dezembro pelo Fed, deve ter continuidade na próxima reunião, no fim deste mês. Com isso, os juros americanos devem manter sua tendência de alta, o que deve arrastar, para a maior economia do mundo, um volume expressivo de recursos que se encontram hoje nos emergentes. A imprensa comprou com entusiasmo essa análise e somos bombardeados todos os dias com previsões apocalípticas. Inclusive a presidenta do FMI adotou esse discurso em suas primeiras intervenções em Davos, na Suíça.
Agora o leitor da Folha deve ter compreendido por que usei a expressão "conundrum" no caso da emissão turca. Como explicar essa verdadeira corrida aos títulos de um país à beira de uma crise de confiança? E essa inconsistência fica ainda mais clara quando essa mesma corrida vem ocorrendo com outras emissões de títulos de países emergentes.
Nas palavras do espantado banqueiro que acompanha a emissão da Turquia, o início de 2014 é o mais ativo no que diz respeito a volume de novas colocações de papéis de emergentes. Nesse sentido a Turquia é só o exemplo mais gritante desse "conundrum" --não para mim-- e que não foi explorado pela imprensa e pelos chats de mercado. E alguém está muito errado nessa história.
Na minha última coluna do ano passado, chamei 2013 de "o ano que ainda não terminou". Procurava passar ao leitor o pensamento de que vamos viver --pelo menos no início de 2014-- acontecimentos que serão apenas uma extensão do que se passou no ano velho.
Um deles é o fato de que, por mais algum tempo, os mercados vão refletir intensamente as opiniões pessoais de jornalistas econômicos e as divagações de professores universitários, deixando de lado os profissionais da análise econômica. E a crise de liquidez nos mercados emergentes é um desses eventos.
24 de janeiro de 2014
Luiz Carlos Mendonça de Barros, Folha de SP
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