Para blindar o projeto de reeleição da presidente Dilma Rousseff - e tão somente por isso - o Planalto, com o PT a tiracolo, busca um plano que detenha o eventual alastramento pelo País dos prováveis protestos contra a realização da Copa. Teme-se um clima de crispação social capaz de contaminar as urnas de 3 de outubro, nada menos de 115 dias depois da final de 13 de julho. A extensão desse período parece indicar que os receios palacianos são exagerados: é tempo demais para que os presumíveis protestos continuem crepitando a ponto de abrasar a conquista de um segundo mandato por Dilma. Mas, destoando dessa vez do padrão trôpego de sua gestão, ela resolveu não brincar em serviço.
Reuniões semanais em palácio, com rodízio de participantes e dois nomes fixos - o do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o seu colega do Esporte, Aldo Rebelo -, se preocupam antes de tudo com um replay dos dias de junho. Foi a absurda repressão policial a uma marcha de protesto em São Paulo contra, entre outras coisas, o aumento das passagens de ônibus, que propagou as passeatas pelo País inteiro, já então marcadas pela violência de parte a parte. Dos encontros saiu a decisão de uma conferência entre o ministro da Justiça e os secretários de Segurança dos 12 Estados-sede da competição para a elaboração de um protocolo único de atuação policial em face das manifestações.
A primeira delas já tem data e lugar. Convocado pelas redes sociais, sob a hashtag #naovaitercopa, um ato terá lugar este sábado, no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. Diferentemente dos primeiros ativistas de junho que, antes de tudo, queriam era falar, ou melhor, exclamar - daí a mistura desencontrada de demandas que levavam consigo e a inexistência de comando único que as enfileirasse -, os anti-Copa têm uma agenda focada nos direitos dos grupos sociais que teriam sido ou poderão ser ignorados em razão do campeonato. Por exemplo, famílias desalojadas, ambulantes e moradores de rua removidos. O movimento é conduzido por um Comitê Popular da Copa.
Ainda assim, o diálogo do governo com os seus porta-vozes é espinhoso. Não só pelo irrealismo de algumas de suas exigências - a desmilitarização das polícias e a revogação da Lei Geral da Copa -, mas pela certeza de que não estão interessados em chegar a um compromisso que permita a realização tranquila da "Copa das Copas", que Dilma lançou na sua página no Twitter. O termo será a hashtag com a qual o PT tentará bater os adversários nas redes. De mais a mais, como se viu nos idos de junho, o governo não sabe lidar com o que o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, equipara impropriamente aos "movimentos sociais" de sua alçada, que têm nome, sobrenome, história e reivindicações estabelecidas - valham o que valerem.
Daí, além do problema de conversar o que, com quem, há a incógnita sobre o estrago que os improváveis interlocutores poderão efetivamente causar quando os olhos do mundo, como diz o clichê, estarão voltados para o Brasil. Se o Estado recorrer à mão pesada para garantir a paz pública e a realização dos jogos, Dilma poderá se reeleger do mesmo modo - afinal, a massa dos seus eleitores quer é participar da festa da Copa -, mas a imagem da presidente e do País sofrerá no exterior. O caminho mais sensato para o governo é o da cautela. Isso significa achar o ponto de equilíbrio entre preservar a ordem e deixar aberta a válvula do protesto para prevenir uma reação em cadeia.
Hoje em dia, o desejo de expressão coletiva cria seus próprios canais, rejeitadas as formações calcificadas como as organizações verticais, os sindicatos, os partidos. Até o rolezinho, uma atividade que de protesto não tem nada, e muito de integração nesses espaços de convívio de jovens que são os shopping centers, transita na via estreita entre a diversão e a baderna. Enquanto não mudar de mão, é legal e não pode ser reprimido, assim como não se pode barrar a entrada de quem foi ao lugar dar um rolê. Uma tendência dessas iniciativas é a sua volatilidade. Elas tanto podem cair na rotina ou se disseminar, já com outras características. A Copa é uma razão a mais para se trocar a truculência pela prudência.
24 de janeiro de 2014
Editorial O Estado de S.Paulo
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