Nas divagações infantis imaginávamos que se todos tivessem dinheiro as dores da desigualdade econômica não existiriam. Não haveria nada caro, fora do alcance de uns e à mão de outros. Até nas preces se fazia esse pedido.
No trajeto entre a casa e a escola, pobreza e riqueza eram objeto de elucubração solitária ou de discussões entre amigos que engendravam soluções perfeitas, até alguém pensar um pouquinho melhor e dizer, sem muita certeza, que a ideia não ia funcionar e que sempre haveria iniquidade.
Admitindo a objeção de que se todos fossem ricos ninguém trabalharia, idealiza-se solução diferente para o problema da desigualdade: os preços devem ser baixos. Assim, ainda que haja diferença na posse de dinheiro, as coisas importantes devem ser baratas. Claro, a lucidez de algum dos interlocutores tratava de perguntar: como distinguir as importantes das outras? O debate avançava para a catalogação minuciosa do essencial e exemplificação do supérfluo, deslocando a controvérsia para a necessidade ou acessoriedade de tal ou qual item. Então, como definir o que deve ser barato e o que pode ser caro?
O fim da adolescência trouxe a responsabilidade de sustento de filhos. Imperioso ganhar dinheiro e comprar bens e serviços. A percepção do salário curto e do mês comprido se torna intensa e, diferentemente das digressões infantis, agora a sensação de caro e barato dá a medida da desigualdade de poder econômico. O pacotão de fraldas custa um dia de labor. Não sobra para o cinema de fim de semana. Alguns têm dinheiro para o básico, o luxo e o lazer, e eu aqui no Passeio Público, dando quirera aos pombos enquanto os piás correm pra lá e pra cá.
Por que as coisas têm preço e como ele se forma? O governo deveria fixar os preços? Por que um diamante, que não mata a fome, não veste e não cura, é caro? A resposta quase salta do corpo: o diamante é raro! Logo, a escassez e a abundância compõem a formação do preço. Então, tratamento médico sofisticado é caro pela raridade do conhecimento e equipamento usado. Contudo, é possível viver sem o diamante, mas não sem a cura! Ser essencial ou supérfluo deveria integrar a fórmula do preço, conjecturo, na fieira de pensamentos desarrumados, e empaco na dúvida sobre a existência de preço justo.
Apontar a injustiça de preço resultante de acordo entre fornecedores de algo que os compradores entendem prioritário parece fácil. Rompido o cartel, é difícil saber qual o preço justo e como chegar a ele? Talvez o ponto relevante seja o modo de chegar ao preço. É justo R$ 1 mil o ingresso para espetáculo de gringos setentões que tocam rock pauleira? Nesse caso há liberdade nas duas pontas: os artistas cobram quanto querem e os fãs pagam ou não. Portanto, o modo de apreçar é justo.
De repente, as quimeras primaveris ficam evidentes porque presas à representação numérica do preço, não ao itinerário de formação que deve passar pela constatação de quanta liberdade há entre as partes que apreçam as coisas, e vem à memória a prece-deboche do roqueiro Marcelo Nova, pedindo grana a Deus, de preferência em dólar.
A senescência é demasiadamente cética para acreditar em almoço grátis.
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