É comum ouvirmos falar que o Orçamento da União é uma peça de ficção. Essa afirmação não está muito longe da realidade, pois o espaço para a definição de prioridades no Orçamento é extremamente limitado.
O principal problema é a sua enorme rigidez, uma vez que a maior parte das despesas já está definida antes de este começar a ser feito. Além de despesas que não podem ser reduzidas no curto prazo (como benefícios previdenciários ou o salário de servidores), setores com grande apelo político se protegem por meio de mecanismos de vinculação de receitas.
Nesse contexto, a discussão no Congresso Nacional se dá sobre emendas pontuais e irrelevantes do ponto de vista da definição das grandes diretrizes para as receitas e despesas. As grandes questões orçamentárias são definidas de forma completamente desvinculada do Orçamento.
Por um lado, as definições sobre a redução ou a elevação de tributos se dão em discussões isoladas, em que receitas e despesas não são avaliadas conjuntamente.
Por outro lado, e principalmente, cada vez que um setor relevante (como educação ou saúde) quer ampliar seus recursos, a solução encontrada é criar uma vinculação adicional de receita. A consequência é um orçamento cada vez mais rígido e, portanto, cada vez mais irrelevante.
Para agravar essa situação, o Orçamento é apenas autorizativo. O Executivo pode contingenciar gastos e tem enorme liberdade para incluir novas despesas ou remanejá-las ao longo do ano.
Uma das consequências desse estado de coisas é a baixa qualidade da discussão política sobre as questões fiscais e as prioridades orçamentárias. Como as questões relevantes são decididas de forma fragmentada, em nenhum momento se tem uma discussão abrangente sobre as grandes questões: mais gasto ou menores impostos? Mais despesas sociais ou mais investimento? Mais benefícios previdenciários ou mais educação?
Quem gere um orçamento (mesmo doméstico) sabe que não existe mágica. Qualquer aumento de despesa só pode ser financiado de três formas: pela redução de outras despesas, por um aumento de receita ou por um aumento da dívida. Se deve haver um limite para a dívida e um limite para a carga tributária, então deveria haver um limite para a expansão das despesas.
Enquanto a economia está crescendo, é possível acomodar os diferentes interesses sem gerar grandes tensões, pois a maior arrecadação permite contemplar, ao menos parcialmente, as diferentes demandas.
Quando a economia desacelera e o ritmo de crescimento da receita cai, no entanto, as tensões começam a aparecer. Num primeiro momento, é possível acomodar essas tensões com um menor superávit primário e um maior endividamento, mas esse tipo de ajuste tem um limite, dado pela necessidade de garantir a solvência do setor público.
A partir de certo ponto o ajuste pressupõe corte de despesas ou elevação de receitas. Como o Orçamento é extremamente rígido, as despesas passíveis de serem cortadas são muito limitadas. Nesse contexto, o ajuste fiscal acaba quase sempre recaindo sobre o corte de investimentos e o aumento de tributos, usualmente de baixa qualidade.
A pior consequência do atual modelo de gestão fiscal do Brasil é, portanto, que se trata de um modelo que conspira para o baixo crescimento, porque impede a expansão do investimento público e porque leva a um inexorável crescimento da carga tributária no longo prazo.
O pior é que em nenhum momento esta opção (por maior carga tributária e menor investimento) é feita de forma aberta, com uma discussão política franca sobre prioridades e custos.
É neste contexto que eu gostaria de pôr em debate uma proposta de mudança no regime fiscal do País. É uma proposta conceitualmente muito simples (embora tecnicamente complexa): exigir que a cada quatro anos o governo e o Congresso definam as grandes diretrizes da política fiscal - a redução ou o aumento de impostos, o crescimento das principais categorias de despesa e a trajetória esperada para o superávit primário (e, portanto, para a dívida pública).
As metas fixadas para o período de quatro anos condicionariam a elaboração do Orçamento de cada um destes anos. Poderiam ser feitos remanejamentos entre as diversas categorias de despesa, mas (exceto em situações excepcionais de crise econômica) não poderia ser alterado o limite de crescimento da despesa total.
Para funcionar, esse modelo pressupõe: 1) que o Orçamento seja impositivo, e não autorizativo, como é hoje; 2) que os atuais sistemas de vinculação de receita a despesas prioritárias (como saúde e educação) sejam substituídos por critérios menos rígidos de proteção dessas despesas, como, por exemplo, a garantia de manutenção de seu valor real; 3) que não possam ser aprovados projetos que afetem as despesas de forma relevante (como a correção do salário mínimo), incompatíveis com os limites quadrienais de expansão de despesas; e 4) que as projeções de receita sejam elaboradas de forma independente, de modo a não serem manipuladas para criar um espaço artificial para maiores gastos.
Nada impede que, neste novo modelo, as despesas com previdência, funcionalismo, saúde e educação sejam até mais elevadas do que no modelo atual. Mas pelo menos ficará claro qual é o custo dessa priorização em termos de carga tributária e de corte em outras despesas.
Sei que esta proposta tende a ser atacada por vários flancos. De um lado, por aqueles que acham que a vinculação de receitas é a melhor forma de definir prioridades. De outro, por aqueles que acham que o cumprimento anual de uma meta de superávit primário feito na boca do caixa (não importa a que custo) é o melhor modelo de gestão fiscal.
Concordo que a proposta tem de ser debatida e pode ser aperfeiçoada, mas entendo que contribui para aumentar a transparência e melhorar a qualidade do debate político no País e, de meu ponto de vista, torna menos provável a opção por um modelo de gestão fiscal que conduz ao baixo crescimento.
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