Nas primeiras décadas do século XIX (mais precisamente, em 1823), José Bonifácio de Andrada e Silva, no seu Projetos para o Brasil, organização de Mirian Dolhnikoff, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 47, num escrito para a Assembleia Constituinte indagava: “Por que os brasileiros somente continuarão a ser surdos aos gritos da razão e, direi mais, da honra e brio nacional?”
Conclamava o intelectual citado a que todos ouvissem sua fraca voz a favor da causa da justiça, e ainda da sã política, causa a mais nobre e santa, que pode animar corações generosos e humanos. Suas lúcidas ponderações continuam mais vivas que nunca, bastando atualizar tudo que ele escreveu sobre a escravidão pela miséria, que é mais discriminatória frente ao jovem negro. Mais que diante do jovem branco.
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2012 – Uma análise das condições de vida da população brasileira elaborada pelo IBGE e divulgada em 2012, nos últimos dez anos (2001-2010), o percentual de negros (pretos ou pardos) que ingressaram no ensino superior aumentou de 10,2% para 35,8%.
Porém, mesmo após uma década e apesar desse crescimento, o abismo entre brancos e negros ainda é muito grande no país. Isso porque, já em 2001, 39,6% dos brancos ingressavam no ensino superior, um percentual maior do que aquele conquistado pelos negros dez anos depois (Folha.com).
Da mesma forma, o percentual de negros (pretos e pardos) que se encontravam na série certa para sua idade (ensino médio) em 2011, que foi de 45,3%, ainda é inferior ao que os brancos atingiram em 2001, 49,5%.
Assim, por mais que se diga que o racismo e o preconceito vem sendo superados no Brasil, a estratificação social que foi gerada em nossa sociedade ainda está sendo gradativamente superada. Os negros (ao lado dos pardos e brancos pobres) ainda constituem a parcela da sociedade que é explorável, torturável, prisionável e exterminável.
Os dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) (do começo de 2012) apontaram que 75.920 presos brasileiros são pretos e 166.610 são pardos, o que dá um montante de 242.530 presos negros do país, representando 47% de todo o sistema prisional brasileiro (que totaliza 514.582 presos – meados de 2012).
Já conforme os dados do Datasus (Ministério da Saúde), do total de 52.260 vítimas de homicídio no país em 2010, 4.071 eram pretos e 30.912 eram pardos, o que dá um montante de 34.983 negros mortos violentamente, representando 67% do total de assassinados no país. (Veja: 65,5% dos assassinados no Brasil são negros).
Nesse diapasão, evidenciamos uma maior vulnerabilidade dos negros em relação à violência, à morte e à prisão. Ou seja, além de obterem um acesso à educação muito inferior aos brancos, bem como um menor número de oportunidades (em parte por essa razão), os negros ainda constituem o grupo preferencial de massacrados e violentados no país, de forma que o discurso polido, inclusivo, cordial e respeitoso, na prática, não tem trazido resultado estrutural e modificador de nossa cultura segregadora e discriminatória.
22 de novembro de 2013
Luiz Flávio Gomes
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