Fim de tarde de 22 de novembro de 1963, Rio de Janeiro. No andar de cima de uma casa de vila na Muda da Tijuca, uma senhora de classe média se prepara para comemorar seus 34 anos de idade. As filhas, os filhos e o marido aguardam na sala para o jantar de parabéns. Mas, de repente, uma vizinha e amiga entra às pressas, vai até a beira da escada e dá a um grito: "Rafaela, Kennedy levou um tiro em Dallas!". A jovem dona da casa desce correndo, ainda sem acreditar, e pede que liguem o rádio e a televisão. O jantar fica aguardando para ser servido e, após a confirmação do assassinato, dona Rafaela, às lágrimas, anuncia que a festa está cancelada: "Nunca mais meu aniversário será um dia feliz. Sempre vou me lembrar da morte de Kennedy"
Por muitos anos, a promessa foi cumprida. Naquela data, John Kennedy morreu brutalmente nas ruas de Dallas alvejado pelo rifle automático de Lee Oswald. O terceiro tiro explodiu sua cabeça manchando o vestido da primeira-dama Jacqueline. Nunca se soube a verdadeira motivação de Oswald e se ele agiu sozinho ou foi agente de uma grande conspiração conservadora. O presidente democrata apoiava o fim da discriminação racial no Sul dos Estados Unidos e, com programas econômicos, feria interesses de grandes corporações. Em mão oposta, combatia o comunismo de Fidel Castro e Che Guevara em Cuba e também olhava com desconfiança o governo João Goulart no Brasil. Eram tempos de Guerra Fria.
Apesar das nuvens que ainda encobrem o assassinato de Kennedy, a tristeza de dona Rafaela pertence a uma época na qual era bem mais fácil firmar posição diante dos fatos políticos. Enquanto muita gente simpatizava com o carismático ocupante da Casa Branca, outras correntes no Brasil e na América Latina apontavam-no como símbolo maior do imperialismo norte-americano. Nos anos 60, como dizem os acadêmicos, a clivagem entre direita e esquerda era nítida. Ou se estava a favor de Jango, ou contra Jango; ou se estava com a União Soviética, ou contra. No Brasil, 128 dias após a morte de Kennedy, Jango foi deposto pelos militares, com apoio ostensivo de Washington. Novo motivo de tristeza para dona Rafaela, que teve parentes cassados e submetidos a longo exílio.
Hoje, a política é mais difusa. O que dizer, por exemplo, da polêmica que se formou após a prisão dos dirigentes petistas condenados no caso do mensalão? De uma hora para outra, cresce a movimentação para transformar José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares em vítimas de injustiça. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, que deu a ordem de prisão, passou a ser tratado por parte da mídia como o grande vilão da história. Poucas vezes se viu campanha de nível tão baixo contra o representante máximo do Judiciário. Barbosa está sofrendo agressões de cunho racista. Louve-se a atitude da presidente Dilma que evitou se manifestar, explicando que respeita a harmonia e a independência dos Poderes.
É justa a preocupação com a saúde de José Genoino, que ontem, finalmente, teve direito a prisão domiciliar. Mas daí a afirmar que os petistas são alvo de vingança, vai grande distância. É embaralhar os fatos e tentar jogar a opinião pública contra o Supremo. Nos anos 60, as lutas da esquerda tinham objetivos mais altruístas. E as donas de casa da Tijuca se emocionavam com políticos nacionais e estrangeiros.
22 de novembro de 2013
Octávio Costa, Brasil Econômico
Por muitos anos, a promessa foi cumprida. Naquela data, John Kennedy morreu brutalmente nas ruas de Dallas alvejado pelo rifle automático de Lee Oswald. O terceiro tiro explodiu sua cabeça manchando o vestido da primeira-dama Jacqueline. Nunca se soube a verdadeira motivação de Oswald e se ele agiu sozinho ou foi agente de uma grande conspiração conservadora. O presidente democrata apoiava o fim da discriminação racial no Sul dos Estados Unidos e, com programas econômicos, feria interesses de grandes corporações. Em mão oposta, combatia o comunismo de Fidel Castro e Che Guevara em Cuba e também olhava com desconfiança o governo João Goulart no Brasil. Eram tempos de Guerra Fria.
Apesar das nuvens que ainda encobrem o assassinato de Kennedy, a tristeza de dona Rafaela pertence a uma época na qual era bem mais fácil firmar posição diante dos fatos políticos. Enquanto muita gente simpatizava com o carismático ocupante da Casa Branca, outras correntes no Brasil e na América Latina apontavam-no como símbolo maior do imperialismo norte-americano. Nos anos 60, como dizem os acadêmicos, a clivagem entre direita e esquerda era nítida. Ou se estava a favor de Jango, ou contra Jango; ou se estava com a União Soviética, ou contra. No Brasil, 128 dias após a morte de Kennedy, Jango foi deposto pelos militares, com apoio ostensivo de Washington. Novo motivo de tristeza para dona Rafaela, que teve parentes cassados e submetidos a longo exílio.
Hoje, a política é mais difusa. O que dizer, por exemplo, da polêmica que se formou após a prisão dos dirigentes petistas condenados no caso do mensalão? De uma hora para outra, cresce a movimentação para transformar José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares em vítimas de injustiça. O presidente do STF, Joaquim Barbosa, que deu a ordem de prisão, passou a ser tratado por parte da mídia como o grande vilão da história. Poucas vezes se viu campanha de nível tão baixo contra o representante máximo do Judiciário. Barbosa está sofrendo agressões de cunho racista. Louve-se a atitude da presidente Dilma que evitou se manifestar, explicando que respeita a harmonia e a independência dos Poderes.
É justa a preocupação com a saúde de José Genoino, que ontem, finalmente, teve direito a prisão domiciliar. Mas daí a afirmar que os petistas são alvo de vingança, vai grande distância. É embaralhar os fatos e tentar jogar a opinião pública contra o Supremo. Nos anos 60, as lutas da esquerda tinham objetivos mais altruístas. E as donas de casa da Tijuca se emocionavam com políticos nacionais e estrangeiros.
22 de novembro de 2013
Octávio Costa, Brasil Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário