Em busca de uma boa imagem, mas pouco disposta a um esforço real de austeridade, a presidente Dilma Rousseff mandou sua equipe fixar um superávit primário "alcançável e factível" para o fim de 2013 e para o próximo ano, segundo fontes do governo. Neste ano a administração federal diminuiu várias vezes a meta fiscal e recorreu a todos os truques legais disponíveis para baixar a meta de superávit primário - o dinheiro posto de lado para o pagamento de juros da dívida pública. Nem essas manobras funcionaram, porque a receita ficou abaixo da previsão, mas a gastança continuou sem freio.
Na terça-feira, numa rara demonstração de cuidado com as contas públicas, a presidente propôs aos líderes da base aliada um acordo para limitar a despesa. Mas insistiu, ao mesmo tempo, em liberar o governo federal de garantir a meta fiscal prevista para todo o setor público. O Congresso atendeu a esse pedido no dia seguinte.
Graças a um projeto aprovado na quarta-feira à noite, a União só terá de apresentar no fim do ano um resultado equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), sem ter de cuidar da meta geral, já reduzida de 3,1% para 2,3% e, ainda assim, abandonada.
Na reunião de terça-feira, líderes de partidos governistas assinaram um documento de apoio ao Pacto pela Responsabilidade Fiscal, ideia lançada pelo governo como resposta às manifestações de rua de junho. O próprio Executivo jamais cumpriu esse pacto, mas percebeu o perigo embutido numa série de projetos em tramitação no Congresso - gastos adicionais de pelo menos R$ 60 bilhões por ano. Desmontar a ameaça representada por essa pauta-bomba foi um dos objetivos principais do encontro. O governo também procurou melhorar sua imagem perante o mercado financeiro.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, falou aos líderes sobre o risco de redução da nota de crédito do Brasil pelas agências de classificação e o potencial inflacionário do aumento das despesas. A hipótese de rebaixamento no próximo ano havia sido mencionada uma semana antes, em Nova York, por um diretor da Standard & Poor's.
Não há como dizer neste momento se os líderes partidários levarão a sério o compromisso assumido na reunião. Continuarão pressionados, durante a tramitação da proposta orçamentária, para aumentar os gastos. Entre as demandas eleitorais e qualquer compromisso com a austeridade, certamente darão mais peso ao cálculo de votos. Por enquanto, o governo está empenhado principalmente em deter o avanço dos projetos-bomba, mas nem esse resultado é certo. Se a proposta de criação de um piso salarial para os agentes comunitários de saúde for aprovada, será difícil barrar benefícios semelhantes para outras categorias, como observou a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti.
Mas também o compromisso do Executivo com a austeridade fiscal é muitíssimo duvidoso. A tentativa do governo de se livrar da obrigação de garantir a meta fiscal de todo o setor público é mais uma prova desse fato.
Neste ano, a meta real de superávit primário foi reduzida mais de uma vez, com recurso a descontos permitidos por uma legislação leniente.
A arrecadação cresceu sensivelmente em outubro, segundo a Secretaria da Receita Federal, mas falta saber a evolução da despesa. Em setembro, o resultado primário do governo central foi negativo, assim como o do setor público consolidado.
O ministro da Fazenda tentou jogar sobre os governos estaduais e municipais a responsabilidade pelo fracasso em relação ao resultado primário. Mas essa é uma saída muito fácil. Em nove meses a receita do governo central - Tesouro, Previdência e Banco Central - foi 8% maior que a de um ano antes, em termos nominais, mas o aumento da despesa foi de 13,5%.
Mesmo com desempenho melhor em outubro (por enquanto uma hipótese), dificilmente os números até dezembro permitirão um superávit maior que 1,5% do PIB. Para ganhar credibilidade, a presidente precisará de algo melhor que o pacto assinado pelos líderes da base e muito melhor que uma exibição de virtude fiscal sem esforço.
22 de novembro de 2013
Editorial do Estadão
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