Até cerca de 1860, não existia diferenciação de sapatos para pés esquerdo e direito.
Os sapatos eram simétricos, ainda que, em todas as pessoas, os pés direito e esquerdo sejam diferentes entre si. Cabia aos pés do freguês “deformar” os sapatos para adaptá-los ao formato dos pés.
Por isso as pessoas tinham tantos calos. Eram muitas batalhas diárias de pés macios contra couros duros.
Em 2011, a educação brasileira está mais ou menos no mesmo estágio em que estava a indústria de sapatos até 1860. Não importam as preferências, pendores ou interesses dos alunos. Todos têm que estudar as mesmas coisas: basicamente matemática, língua, história e geografia.
Daí para adiante ensina-se a mais, não o que os alunos desejam aprender, mas todos os tipos de matérias que os educatecas do Ministério da Educação (ou das secretarias estaduais de educação), que controlam a educação brasileira por teleguiado, desejam que eles aprendam.
Além disso, em nome da participação social e da correção política, adicionam-se todos os tipos de matérias que interessam a grupos militantes de várias causas políticas, ideológicas, sociais ou que estão na moda, desde que os respectivos lobbies ou grupos de pressão tenham capacidade de influir sobre as autoridades para criar mais matéria inútil para as crianças, adolescentes e adultos.
Não é de admirar, portanto, que os alunos saiam calejados e, de maneira geral incapazes de fazer o que gostam, ou o que o mercado demanda porque foram educados de acordo com critérios que não levam em conta nem os gostos pessoais nem as demandas do mercado.
Conclusões, várias:
1. Muita gente infeliz.
2. Muita gente com dificuldade de arranjar empregos.
3. Um excesso de informações sobre história de coisas que pouco interessam a qualquer pessoa, fórmulas que poucos sabem como e em que aplicar, leis de física e química que não levam ninguém a conseguir fazer nada de prático com elas, pois foram quase todas ensinadas fora de qualquer contexto.
Assim, muita gente sabe calcular tensão superficial, mas não tem a menor noção de para que serve isso.
A verdadeira educação profissional só começa na faculdade e, novamente, é definida por um conluio entre educatecas governamentais e lobistas de grupos de interesse que determinam o que deve ser ensinado a quem estiver interessado em exercer, direito, engenharia, arquitetura, meio ambiente, medicina, etc., para que possam tornar-se membros das ordens e conselhos, pagar anuidades e ter o direito de ganhar o dinheiro.
Enquanto isso, os bem sucedidos (e viva eles) conseguem sucesso como empresários batendo com a cabeça na parede porque nada lhes foi ensinado sobre isso, fazendo sucesso como líderes de grifes, designers, conjuntos de musicais, atores, jogadores de futebol ou palhaços.
Notem que todas as pessoas que ganham dinheiro com estas coisas citadas como exemplos no parágrafo anterior fizeram-no graças a uma habilidade inata ou preferida, seja como autodidatas, seja aprendendo seus ofícios fora das escolas que fazem parte dos sistemas formais de educação, que são, em boa parte, financiados com o dinheiro dos cidadãos que pagam impostos ou com mensalidades pagas pelos pais iludidos, para que seus filhos ganhem um diploma, ainda que aprendam, na realidade, muito pouca coisa útil na vida.
Alguns exemplos para que pensemos um pouco se já não está na hora de derrubar os educatecas e cuidar de uma educação que combine a felicidade do educado com um pouco de criatividade socialmente útil.
Há alguns anos atrás João Vitor Portellinha, que tinha então oito anos de idade, fez exame vestibular para uma faculdade de direito e foi aprovado. Foi, no entanto, impedido de estudar por que os doutos membros da profissão e da Ordem dos Advogados acharam que não tinha maturidade.
Aí está um caso de habilidade e pendor desperdiçado por ignorância dos profissionais estabelecidos, em pânico com a perspectiva de serem desbancados por um menino que poderia provar que aquilo tudo que eles sabiam e faziam era perfeitamente acessível a um menino de oito anos.
Outros dois casos, mais recentes. Criou-se uma grande celeuma entre os conservadores de todos os matizes que resolveram questionar (e tomar muitas providências para violar) o direito de dois cidadãos de serem deputados federais.
Romário e Tiririca foram legitimamente eleitos por seus concidadãos. Tiririca recebeu votos suficientes em seu próprio nome para ganhar assento na Câmara (Romário chegou perto), façanha que menos de metade de seus pares-deputados que lá na Câmara estão, conseguiram.
(Atenção: não estou aqui discutindo se o atual sistema proporcional de eleições para a Câmara dos Deputados é bom ou ruim. Isso é outra discussão)
O único fato que interessa é que, tanto Romário, quanto Tiririca seguiram suas inclinações pessoais apesar das escolas formais que frequentaram ou não frequentaram. Ficaram famosos e ricos porque muitos milhões de pessoas, voluntariamente, optaram por pagar um pouco de seu dinheiro para ver Romário jogar futebol e Tiririca fazer palhaçadas.
Nenhum dos dois viveu de imposto, teve subsídio e nenhum fã foi obrigado a pagar para apreciar suas artes e graças. Todos os que o fizeram, fizeram-no voluntariamente.
Na hora da eleição apresentaram-se como candidatos, receberam seus votos e Tiririca, porque não havia cumprido os ritos idiotas das escolas, ainda teve que se submeter a testes humilhantes e não tradicionais para provar que sabia ler e escrever (porque não vinha da elite) para poder exercer o mandato que seus concidadãos livremente escolheram dar-lhe.
Há algo errado com o sistema de educação brasileiro. Está na hora de modernizá-lo para que as pessoas possam fazer o que querem e ajustar seus gostos e sua educação aos mercados profissionais que desejam perseguir, muito mais do que seguir modelos malucos decididos por educatecas e caciques de ordens e conselhos profissionais.
Há alguns anos a Universidade Estácio de Sá resolveu oferecer cursos das 23 horas à 1 da manhã e os educatecas, no princípio, proibiram. Alegaram que ninguém podia estudar a sério a essa hora da noite. Depois cederam. Hoje são os cursos que mais sucesso fazem na Estácio.
No complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, o SENAI está oferecendo cursos, entre outros de soldador, das 4 às 7 da madrugada. Há filas. Felizmente o SENAI está fora da alçada do MEC.
PS – Se somarmos todas as horas desperdiçadas tentando ensinar matemática, geometria, álgebra, física e química a um discalcúlico como eu, e tivessem deixado que eu gastasse mais do meu tempo lendo o que me interessava, estou seguro que seria uma pessoa muito mais feliz.
Nada do pouco que aprendi de matemática, além de conversões de medidas e moedas (sétima série), me serviu de nada na vida. Nunca.
Não contribuiu, nem para o meu sucesso, nem para a minha felicidade, tampouco contribuiu para a felicidade coletiva, como tenho certeza que fizeram Romário e Tiririca, jogando futebol e fazendo-nos rir.
11 de novembro de 2013
Alexandre Barros
* Publicado originalmente em 22/08/2011.
Os sapatos eram simétricos, ainda que, em todas as pessoas, os pés direito e esquerdo sejam diferentes entre si. Cabia aos pés do freguês “deformar” os sapatos para adaptá-los ao formato dos pés.
Por isso as pessoas tinham tantos calos. Eram muitas batalhas diárias de pés macios contra couros duros.
Em 2011, a educação brasileira está mais ou menos no mesmo estágio em que estava a indústria de sapatos até 1860. Não importam as preferências, pendores ou interesses dos alunos. Todos têm que estudar as mesmas coisas: basicamente matemática, língua, história e geografia.
Daí para adiante ensina-se a mais, não o que os alunos desejam aprender, mas todos os tipos de matérias que os educatecas do Ministério da Educação (ou das secretarias estaduais de educação), que controlam a educação brasileira por teleguiado, desejam que eles aprendam.
Além disso, em nome da participação social e da correção política, adicionam-se todos os tipos de matérias que interessam a grupos militantes de várias causas políticas, ideológicas, sociais ou que estão na moda, desde que os respectivos lobbies ou grupos de pressão tenham capacidade de influir sobre as autoridades para criar mais matéria inútil para as crianças, adolescentes e adultos.
Não é de admirar, portanto, que os alunos saiam calejados e, de maneira geral incapazes de fazer o que gostam, ou o que o mercado demanda porque foram educados de acordo com critérios que não levam em conta nem os gostos pessoais nem as demandas do mercado.
Conclusões, várias:
1. Muita gente infeliz.
2. Muita gente com dificuldade de arranjar empregos.
3. Um excesso de informações sobre história de coisas que pouco interessam a qualquer pessoa, fórmulas que poucos sabem como e em que aplicar, leis de física e química que não levam ninguém a conseguir fazer nada de prático com elas, pois foram quase todas ensinadas fora de qualquer contexto.
Assim, muita gente sabe calcular tensão superficial, mas não tem a menor noção de para que serve isso.
A verdadeira educação profissional só começa na faculdade e, novamente, é definida por um conluio entre educatecas governamentais e lobistas de grupos de interesse que determinam o que deve ser ensinado a quem estiver interessado em exercer, direito, engenharia, arquitetura, meio ambiente, medicina, etc., para que possam tornar-se membros das ordens e conselhos, pagar anuidades e ter o direito de ganhar o dinheiro.
Enquanto isso, os bem sucedidos (e viva eles) conseguem sucesso como empresários batendo com a cabeça na parede porque nada lhes foi ensinado sobre isso, fazendo sucesso como líderes de grifes, designers, conjuntos de musicais, atores, jogadores de futebol ou palhaços.
Notem que todas as pessoas que ganham dinheiro com estas coisas citadas como exemplos no parágrafo anterior fizeram-no graças a uma habilidade inata ou preferida, seja como autodidatas, seja aprendendo seus ofícios fora das escolas que fazem parte dos sistemas formais de educação, que são, em boa parte, financiados com o dinheiro dos cidadãos que pagam impostos ou com mensalidades pagas pelos pais iludidos, para que seus filhos ganhem um diploma, ainda que aprendam, na realidade, muito pouca coisa útil na vida.
Alguns exemplos para que pensemos um pouco se já não está na hora de derrubar os educatecas e cuidar de uma educação que combine a felicidade do educado com um pouco de criatividade socialmente útil.
Há alguns anos atrás João Vitor Portellinha, que tinha então oito anos de idade, fez exame vestibular para uma faculdade de direito e foi aprovado. Foi, no entanto, impedido de estudar por que os doutos membros da profissão e da Ordem dos Advogados acharam que não tinha maturidade.
Aí está um caso de habilidade e pendor desperdiçado por ignorância dos profissionais estabelecidos, em pânico com a perspectiva de serem desbancados por um menino que poderia provar que aquilo tudo que eles sabiam e faziam era perfeitamente acessível a um menino de oito anos.
Outros dois casos, mais recentes. Criou-se uma grande celeuma entre os conservadores de todos os matizes que resolveram questionar (e tomar muitas providências para violar) o direito de dois cidadãos de serem deputados federais.
Romário e Tiririca foram legitimamente eleitos por seus concidadãos. Tiririca recebeu votos suficientes em seu próprio nome para ganhar assento na Câmara (Romário chegou perto), façanha que menos de metade de seus pares-deputados que lá na Câmara estão, conseguiram.
(Atenção: não estou aqui discutindo se o atual sistema proporcional de eleições para a Câmara dos Deputados é bom ou ruim. Isso é outra discussão)
O único fato que interessa é que, tanto Romário, quanto Tiririca seguiram suas inclinações pessoais apesar das escolas formais que frequentaram ou não frequentaram. Ficaram famosos e ricos porque muitos milhões de pessoas, voluntariamente, optaram por pagar um pouco de seu dinheiro para ver Romário jogar futebol e Tiririca fazer palhaçadas.
Nenhum dos dois viveu de imposto, teve subsídio e nenhum fã foi obrigado a pagar para apreciar suas artes e graças. Todos os que o fizeram, fizeram-no voluntariamente.
Na hora da eleição apresentaram-se como candidatos, receberam seus votos e Tiririca, porque não havia cumprido os ritos idiotas das escolas, ainda teve que se submeter a testes humilhantes e não tradicionais para provar que sabia ler e escrever (porque não vinha da elite) para poder exercer o mandato que seus concidadãos livremente escolheram dar-lhe.
Há algo errado com o sistema de educação brasileiro. Está na hora de modernizá-lo para que as pessoas possam fazer o que querem e ajustar seus gostos e sua educação aos mercados profissionais que desejam perseguir, muito mais do que seguir modelos malucos decididos por educatecas e caciques de ordens e conselhos profissionais.
Há alguns anos a Universidade Estácio de Sá resolveu oferecer cursos das 23 horas à 1 da manhã e os educatecas, no princípio, proibiram. Alegaram que ninguém podia estudar a sério a essa hora da noite. Depois cederam. Hoje são os cursos que mais sucesso fazem na Estácio.
No complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, o SENAI está oferecendo cursos, entre outros de soldador, das 4 às 7 da madrugada. Há filas. Felizmente o SENAI está fora da alçada do MEC.
PS – Se somarmos todas as horas desperdiçadas tentando ensinar matemática, geometria, álgebra, física e química a um discalcúlico como eu, e tivessem deixado que eu gastasse mais do meu tempo lendo o que me interessava, estou seguro que seria uma pessoa muito mais feliz.
Nada do pouco que aprendi de matemática, além de conversões de medidas e moedas (sétima série), me serviu de nada na vida. Nunca.
Não contribuiu, nem para o meu sucesso, nem para a minha felicidade, tampouco contribuiu para a felicidade coletiva, como tenho certeza que fizeram Romário e Tiririca, jogando futebol e fazendo-nos rir.
11 de novembro de 2013
Alexandre Barros
* Publicado originalmente em 22/08/2011.
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