Fiscais cobravam propina na prefeitura de SP desde 2002, afirma investigado
Em gravação feita no primeiro semestre de 2013, o auditor fiscal Luís Alexandre Cardoso de Magalhães afirma que começou em 2002 o esquema de cobrança de propinas flagrado na prefeitura de São Paulo. Ele é um dos fiscais encrencados na investigação. Ficou preso durante cinco. Firmou um acordo de colaboração com o Ministério Público. E deixou a cadeia há uma semana.
O audio da gravação soou na noite deste domingo (10) em reportagem exibida pelo programa Fantástico, da TV Globo. Luís Eduardo diz a dois de seus comparsas que fez uma escrituração das fraudes. Coisa minuciosa. “Tem o número, contribuinte, tudo bonitinho. Só que eu tenho isso desde 2002.” Realça que as mordidas da quadrilha não se restringiram ao ISS. “Vai entrar o IPTU também. Vai todo mundo!”
Até aqui, imaginava-se que a quadrilha começara a agir em 2006. Confirmando-se o teor da fita, a máfia terá atuado em quatro administrações. Em 2002, governava a cidade de São Paulo o PT. A prefeita era Marta Suplicy. Fernando Haddad era chefe de gabinete da secretaria municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico. Deixou o posto no 2003.
Sobrevieram José Serra (PSDB), que governou a cidade de janeiro de 2005 a março de 2006; e Gilberto Kassab (ex-DEM, hoje PSD), que ocupou a cadeira de prefeito por seis anos, até 2012. Inaugurada em janeiro de 2013, a gestão Haddad (PT) conviveu com as fraudes por quase dez meses.
Foi o próprio Luís Alexandre quem fez a gravação, apreendida pela polícia no período em que ele esteve preso. O fiscal gravou uma conversa com os parceiros de quadrilha Carlos Di Lallo e Ronilson Bezerra. Deu-se num bar do bairro paulistano do Tatuapé.
Luís Alexandre estava abespinhado. Descobrira que a quadrilha estava sob investigação e que Ronilson, apontado como chefe do esquema, ficara de fora. Por isso fez a gravação. O áudio vazou em ritmo de conta-gotas. O primeiro trecho viera à luz na semana passada. Nesse pedaço, o fiscal soa como se ameaçasse Ronilson.
Luís Alexandre: Eu, o Lalllo e o [Eduardo] Barcellos não vamos pagar o pato nessa porra toda. Eu te dei muito dinheiro. Te dei muito dinheiro.
Ronilson: Você sabe por que que você me deu dinheiro? Você sabe por quê? Porque eu te deixei lá.
Luís Alexandre: Isso. Estão está todo mundo junto. Ninguém vai mexer no meu patrimônio, tá? Porque ser bandido também é difícil e eu vou preservar o meu emprego.
Ronilson: Nós temos que padronizar o discurso.
Os novos trechos da gravação revelaram que Luís Alexandre apimentou as ameaças. A certa altura, ele e Carlos Di Lallo recordam a Ronilson que o grupo não mordera apenas a arrecadação do ISS, mas também a do IPTU. Como que antevendo o acordo que firmaria com o Ministério Público, Luís Alexandre deixa claro que, desmascarado, revelaria tudo.
Carlos Di Lallo: Todos esses anos, nós levamos dinheiro, quem pagou o pato?
Luís Alexandre: O Habite-se!
Carlos Di Lallo: O Habite-se! Não pegaram o IPTU. O IPTU não pegaram.
Luís Alexandre: Mas eu faço pegar! Eu faço pegar! A gente fez um monte de coisa no IPTU.
Foi nesse ponto que Luís Alexandre revelou ter feito uma escrituração do roubo iniciado em 2002. Manteve o timbre de ameaça: “Vocês não queriam relatório igual empresa? Não tinha que fazer um relatório, mostrar? Relatório! Tem o número, contribuinte, tudo bonitinho. Só que eu tenho isso desde 2002. Então, tem que citar só o ISS? Vai entrar o IPTU também. Vai todo mundo!”
Ao longo da conversa, Luís Alexandre citou o nome de outro auditor fiscal: Leonardo Leal Dias da Silva. Vem a ser o diretor do Departamento de Arrecadação e Cobrança. Ele sabia da investigação que havia sido aberta na Controladoria da prefeitura. Chamando-o de Léo, Luís Alexandre dá a entender que recebeu dele informações sobre a trovoada que estava por cair: “Léo falou para mim: ‘Ó, é melhor você coordenar o teu imposto de renda, tudo bonitinho, que o cara vai vir pra cima de vocês. Não tenho dúvida’!”
Encostado contra a parede, Ronilson refuta a suspeita dos colegas de que ele teria sido excluído das investigações por dedurado o esquema. Para afastar as dúvidas, diz que chamará outros quatro personagens: Eduardo Barcellos, fiscal que também passou pela prisão na semana passada; o próprio Leonardo Leal; Douglas Amato, atual subsecretário de Finanças da prefeitura; e o petista Antonio Donato, secretário de Governo da gestão Fernando Haddad.
“Nós vamos trazer Barcellos”, diz Ronilson na gravação. “E nós vamos trazer o Léo junto. Léo e o Douglas aqui. E vamos trazer Donato também. Eu tô com vocês, onde vocês quiserem. Pra provar essa porra toda.”
Procurada, a prefeitura manifestou-se por meio de nota. Informou que Leonardo Leal foi afastado da diretoria do Departamento de Arrecadação na última sexta-feira. Quanto a Douglas Amato e Antonio Donato, a prefeitura considera que não há indícios do envolvimento deles no esquema de desvios. Informou-se, de resto, que a Controladoria abriu uma investigação sobre as fraudes no IPTU.
No final de semana, Fernando Haddad e Gilberto Kassab trocaram chumbo pelo jornal. Haddad atirou primeiro ao declarar, em entrevista, ter herdado uma prefeitura em situação de “descalabro”. Kassab disparou de volta: “O prefeito foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças. Eu não quero acusá-lo de nada. Porque ele pode ter sido, e com certeza foi, vítima do mesmo crime. A desonestidade do prefeito é passar a impressão de que ele foi o primeiro a combater a corrupção. Se ele é o primeiro, cadê suas manifestações sobre o mensalão?” Tomando-se o fiscal Luís Alexandre ao pé da letra, o descalabro é coletivo e pluripartidário.
11 de novembro de 2013
Josias de Souza - UOL
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