"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O "REI DO CAMAROTE" E O DISCURSO DO RANCOR QUE SE FINGE DE AMIGO DOS POBRES.

Ou: O brasileiro que deveria ter tirado Portugal da crise e preferiu fazer festa…

Ou: A hipocrisia da esquerda é internacional!


rei do camarote
 
Há muito tempo uma reportagem não era tão comentada. Há muito tempo uma personagem não despertava tanto interesse no Brasil. Refiro-me, como vocês devem imaginar, ao texto “Os sultões dos camarotes”, publicado na VEJA São Paulo da semana passada, e a Alexander de Almeida, o rei entre os sultões, capaz de gastar, como ele mesmo revela, R$ 50 mil ou mais numa noitada.
É aquele rapaz que, ao decidir confessar uma coisa que considera “pesada”, conta já ter transado no banheiro da balada, com uma mulher. Surpreendente.
 
Antes que prossiga, uma nota: não há absolutamente nada de errado com a reportagem de João Batista Jr. Ao contrário. Tudo lá está certo. O mesmo se diga do vídeo, com milhões de acessos. Aqueles são os fatos. As pessoas são livres para fazer seu julgamento — inclusive para dizer a maior penca de bobagens jamais dita, creio, sobre um texto jornalístico.
Tanto o repórter como a edição fizeram bem ao não julgar a personagem. Em textos opinativos, jornalistas podem expressar juízos de valor à vontade.
Ali, tratava-se de exibir a realidade — aquela ao menos, daquele recorte específico — como ela é. Se tudo parecia inverossímil, fazer o quê? Comediantes que tentaram parodiar o rapaz quebraram a cara porque não conseguiram superar o original.
 
No sábado retrasado, com a revista circulando havia algumas horas, Alexander já havia se transformado, nas redes sociais, no Inimigo Público Número Um do Brasil. Com que então, neste país em que há tantos miseráveis, ele se atreve a gastar R$ 50 mil numa balada??? Imediatamente, veio-me à memória uma música de Eduardo Duzek, da década de 80 acho, cujo refrão era “troque seu cachorro por uma criança pobre”.
É bem verdade que os tempos mudaram um tantinho. Trinta anos depois, os dias andam propícios para que se troque uma criança pobre por um cachorro… Se for um beagle, não restará a menor dúvida. Uma proposta de código penal que está no Senado prevê pena mais grave para quem abandona um animal doméstico do que para quem não socorre uma criança. Mas sigamos.
 
Notáveis moralistas descobriam — talvez Alexander tenha razão ao apontar os invejosos — que o pobre rapaz rico era o verdadeiro culpado pela exclusão social no Brasil. Voltava-se à máxima boçal de que só existem miseráveis porque existem os ricos. Tinha-se a impressão de que, não fossem estes, aqueles não existiriam; não estivessem estes concentrando renda — nessa perspectiva estúpida, toda riqueza nasce da apropriação indevida —, aqueles outros estariam sorrindo, felizes, com a boca cheia de dentes. Ora…
 
Eu aprovo o estilo de vida de Alexander? Não é o meu! Não seria  ainda que tivesse o dinheiro que ele tem. Mas e daí? Do que estamos a falar? De uma suposta imoralidade, quem sabe ilegalidade, intrínseca a suas escolhas ou de uma questão de gosto?
 
DIGAM-ME CÁ, SENHORES FALSOS MORALISTAS DE PLANTÃO:  no que concerne às criancinhas pobres, aos excluídos e à miséria brasileira, ir à Europa e aos Estados Unidos visitar museus e galerias de arte ou acompanhar temporadas de ópera e espetáculos da Broadway e Off-Broadway é diferente de gastar alguns milhares de reais numa balada? Se a gente vai ver Michelangelo, os pobrezinhos são beneficiados por nossa fruição estética?
 
Alguém seria capaz de desenvolver essa tese? Alguém seria capaz de escrever um texto demonstrando essa evidência? Acho que não! Em termos estritamente, digamos, econômicos, Alexander gera empregos no Brasil com a sua gastança.
Quando nós, os inteligentes, os descolados, os que sabemos gastar com classe e estilo, fazemos o circuito cultural do mundo desenvolvido, criamos e alimentamos empregos no… mundo desenvolvido. É simples assim. Há uma boa possibilidade de que Alexander distribua mais renda do que você, Catão da Riqueza e da Miséria Alheias!
 
“Ah, então o Reinaldo está dizendo que o Alexander é melhor do que nós…” Não! Eu estou dizendo que ele tem o direito de gastar o dinheiro dele no que bem entender. Aliás, se quiser fazer uma fogueira e queimar tudo, quem poderá impedi-lo? “Isso ofende a miséria que há no Brasil!” Devagar com o andor!
 
Caso Alexander tenha roubado o dinheiro de alguém; caso se verifique que ele o ganhou de forma fraudulenta; caso fique evidenciado que recorreu a alguma picaretagem, que seja, então, punido, depois do devido processo legal, por isso. Mas não porque ele ofende o nosso sentimento pessoal de justiça — ou de rancor… — ou o nosso senso estético.
No fim das contas, todo o ódio que passaram a devotar ao rapaz é parte da pior cultura brasileira, avessa ao individualismo e à propriedade privada. Até onde sei e até agora, não há evidências de que tenha cometido crime. Mesmo assim, ele foi condenado à forca moral.
 
Sabem quem rouba as criancinhas? Os ladrões de dinheiro público.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem pega dinheiro do BNDES e dá truque.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem fornece empréstimos de bancos públicos a maus pagadores.

Sabem quem rouba as criancinhas? Quem frauda licitações.
Sabem quem rouba as criancinhas? Quem comete sobrepreço em obra financiada com dinheiro oficial.
 
Aliás, alguns dos que mais babaram seu rancor contra Alexander e contra a reportagem são subjornalistas que vivem do patrocínio de estatais. Quando administrações e empresas públicas financiam adjetivos de desocupados, deixam de usar esse dinheiro na construção de casas e postos de saúde para os pobres. Estes, sim, roubam os miseráveis, não o rapaz que torra o que é dele em champanhe.
Pagar a própria vodca é muito mais decente do que xingar os outros com o dinheiro dos desvalidos. Se Alexander ganha a vida honestamente, o Brasil tem mais a aprender com ele do que com vagabundos que metem a marreta na porta duma reitoria. Estes fazem mal ao país, mas são tratados como bibelôs ideológicos por nossa imprensa.
 
Achar que é indecente que ele gaste R$ 50 mil numa balada é o mesmo que dizer que somos todos imorais quando tomamos um vinho de R$ 150 de vez em quando. Somos? Há chilenos respeitáveis que custam R$ 50. Os R$ 100 poderiam ir para um desassistido. Se os milhares de reais que Alexander gasta nas suas festanças são a evidência de sua insensibilidade social, as poucas centenas que gastamos num bom restaurante, também de vez em quando, são o quê? Prova de nossa grandeza?
 
Qual é fundamento? Qual é o princípio? Então quer dizer que o “não dar pouco” aos pobres, quando se pode fazê-lo, forma os juízes executores, mas o “não dar muito”, os réus executados? Que diabo de ética torta é essa? Qual é a linha de corte que distingue os fuziladores dos fuzilados?
 
Um caso em Portugal

Leitores me enviaram um vídeo — não sabia da história — de um caso acontecido em Portugal neste ano. Lorenzo Carvalho, um garoto nascido no Brasil, mora em Portugal. É filho de milionários. Gastou 300 mil euros em sua festa de 22 anos.
Uma das convivas era Pamela Anderson. A coisa ganhou ares de escândalo naquele país. Lorenzo foi convidado, e aceitou (coitado!), a dar uma entrevista numa TV portuguesa.
Quem conduz o interrogatório — a palavra é esta! — é uma senhora chamada Judite de Sousa. É preciso ver a peça vergonhosa que ela produziu.
Vale a pena.
 

 
Voltei
Notaram? Judite decidiu jogar nas costas de Lorenzo — e seus esgares de quase nojo do rapaz são impressionantes — a crise em Portugal, como se ele tivesse alguma responsabilidade. Censura-o pelo relógio que usa (“que deve custar uns 50 mil euros”; e daí?). Incomoda-se com o seu crucifixo cravejado de diamantes.
Chama-o de fútil. Indaga-o sobre o desemprego dos jovens portugueses. Não conduz uma entrevista, mas um massacre. Quem fala ali é o ressentimento, o rancor, a patrulha mais mesquinha.
 
Vê-se logo que Lorenzo não é um Schopenhauer, mas e daí? Não sei que atividades têm ele e sua família em Portugal, mas tenho a certeza de que geram mais empregos do que dona Judite. Observem que o rapaz é alvo da mesma boçalidade que atingiu Alexander no Brasil.
 
Para encerrar

Judite — e nisso a esquerda portuguesa não difere em nada da brasileira e da esquerda de toda parte — é uma hipócrita. Coube ao jornalista português Fernando Esteves revelar o seu real amor aos pobres num post em sua página na Internet, que reproduzo na íntegra.
 
Leiam.
 
*
A história terá tido lugar na redacção da RTP há alguns anos. Uma jornalista e a sua chefe falavam de trivialidades. A conversa resvalou para questões financeiras. A chefe estava em vantagem – ganhava bem mais que os 600 euros que a jornalista levava para casa mensalmente. A dada altura, dirigindo-se à interlocutora, terá dito que tinha o seu salário calçado. E tinha. Os magníficos sapatos conferiam-lhe o pedigree que nunca tivera. Não nascera rica. O seu pai era funcionário do Partido Comunista Português. Talvez ganhasse pouco mais do que a sua colega de redacção.
 
Independentemente das origens humildes, sempre acreditou que a sua vida poderia mudar. Trabalhou mais do que todos os seus colegas e tornara-se uma jornalista de sucesso. Podia comprar uma boa casa, um bom carro e, naturalmente, muitos sapatinhos janotas sem que ninguém tivesse algo a ver com isso. Um dia, questionada por um jornalista sobre os seus sinais exteriores de “riqueza”, afirmou: “Gasto o meu dinheiro onde bem entender.”
 
Redacção da TVI, ontem à noite. A directora-adjunta da estação entrevista um jovem milionário que cometeu o enorme pecado de, num período de crise profunda do país, ter gasto uma fortuna na sua festa de aniversário. Durante a conversa, a jornalista apresenta o jovem como um exemplo acabado de futilidade, um merdas que anda a ofender as pessoas com a estúpida exibição da sua incrível riqueza. O miúdo ainda tenta explicar que ajuda crianças e amigos como pode e quer, mas a jornalista é implacável: como é possível ter tanta massa e não andar pelas ruas a distribui-la pelos pobrezinhos, pelos 40% de jovens desempregados ou, até, pelos romenos que pedem nos semáforos?
 
O rapaz, talvez inebriado pela visível grandiosidade da jornalista, não respondeu à altura. Tenho pena. Talvez tivesse sido oportuno perguntar a Judite de Sousa – é dela que se fala desde o início do texto – se alguma vez pensou em vender os louboutins e distribuir o dinheiro pelos estagiários da redacção. Ou se nunca lhe passou pela cabeça que, à sua escala, mandar à cara de alguém o facto de ter uns sapatos que valem o seu salário é bem mais indecente do que, na sua cabecinha infestada por uma praga de insectos moralistas, significa uma festa para a qual se convida a bela Pamela.
 
Alguém devia explicar a Judite que ser rico não é pecado. Não há mal nenhum em ter dinheiro. Ela tem mais do que a esmagadora maioria dos portugueses e aparentemente não se envergonha do facto. Ainda esta semana foi notícia pelas fraldas – perdão, pelos biquínis – que exibiu na praia de um hotel da Quinta do Lago, um dos mais caros do país. Até por isso, a diva da TVI devia pensar antes de fazer figuras tristes. É que ontem só faltou mesmo rasgar a camisa cara que vestia, pegar fogo ao soutien e asfixiar o infante Lorenzo até a morte. Menina feia.
 
11 de novembro de 2013
Reinaldo Azevedo

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