Em termos de criatividade ninguém supera os políticos. Eles conseguiram criar a máscara de carne e osso, ou a máscara sem máscara, a máscara de pau
Máscara negra
Antes que os black blocs a desprestigiassem, a máscara negra era para nós a expressão da alegria descompromissada e sensual do carnaval, quando, entre os mais de mil palhaços no salão, entoávamos romanticamente, com os braços erguidos a Dionísio: “na mesma máscara negra, que esconde teu rosto, eu quero matar a saudade…”, para, em seguida, num bote digno de um predador, mudarmos repentinamente de atitude, enquanto a marcha acelera o ritmo e anunciamos à mascarada (ou ao mascarado) ao lado: “vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval…”.
Máscara grega
O carnaval remonta às antigas festividades gregas em homenagem a Dionísio, o deus do vinho, quando todos bebiam, cantavam e dançavam mascarados com folhas de parreira, por acreditar que a divindade estava presente entre os convivas. O teatro nasceu como uma derivação dessas festas, e nele as máscaras tiveram papel fundamental, pois no teatro grego os personagens e suas personalidades eram definidos pelas máscaras que os atores usavam. No teatro clássico japonês as máscaras também são frequentes, assim como em rituais de tribos africanas. Foram as máscaras africanas, aliás, que inspiraram Pablo Picasso a pintar “Les demoiselles d’Avignon”, obra inaugural do cubismo.
Máscara cirúrgica
A palavra máscara tem origem provável no latim, mascus, que significa “fantasma”, ou no árabe maskharah, “palhaço” ou “homem disfarçado”. Sociedades primitivas sempre usaram máscaras em rituais fúnebres ou de celebração. As máscaras estão disseminadas por nossa cultura e são usadas de inúmeras formas. Desde disfarces até como proteção para médicos e pacientes, como é o caso das máscaras cirúrgicas.
Máscara do Batman
Esconder a identidade é talvez a função mais popular das máscaras. Bandidos sempre se mascararam usando meias, lenços ou o que estivesse à mão. Estranhamente, nas histórias em quadrinhos, os justiceiros e combatentes do crime também se mascaram, como se houvesse algo de reprovável em perseguir bandidos e malfeitores.
O mais provável é que os super-heróis se mascarem apenas para proteger suas privacidades. Não se pode negar que o fazem com bastante imaginação. Basta que se analisem as máscaras do Batman, do Homem-Aranha e do Homem de Ferro, por exemplo. Zorro, Fantasma e o Super-Homem, ao contrário, não primam pela originalidade, preferindo optar por modelos básicos.
Máscara de pau
Em termos de criatividade ninguém supera, porém, os políticos. Eles conseguiram criar a máscara de carne e osso, ou a máscara sem máscara, popularmente conhecida como a másCara de pau. Para estes mestres do mascaramento, não é necessário nenhum acessório para que escondam suas identidades e verdadeiras intenções. Aplausos.
Subcomandante Marcos
O homem conhecido como subcomandante Marcos é um revolucionário mexicano, porta-voz do grupo indígena Exército Zapatista de Libertação Nacional. Professor de filosofia que deixou o magistrado pela luta armada, com o tempo o subcomandante abandonou as armas em prol da luta política não violenta e do diálogo.
Um de seus livros se intitula “A nossa arma é a nossa palavra”. Sempre mascarado, o ativista justifica o uso da máscara com um texto publicado em 1994, do qual extraio alguns trechos: “Marcos é gay em São Francisco, negro na África do Sul, anarquista na Espanha, palestino em Israel, roqueiro na cidade universitária, judeu na Alemanha, feminista nos partidos políticos, pacifista na Bósnia, dona de casa num sábado à tarde, camponês sem terra, operário sem trabalho, médico sem consultório, escritor sem livros e sem leitores e, sobretudo, Zapatista no sudoeste do México.”
Hidra
Ao contrário dos antigos gregos, que se mascaravam para dançar e beber, ou dos brasileiros comuns, que se mascaram para pular o carnaval, os black blocs se mascaram basicamente para dar porrada em postes, vidraças e caixas eletrônicos. Às vezes, para variar, descem a porrada também em policiais indefesos ou não.
Não sei exatamente o significado que dão às máscaras os ativistas dos black blocs, e qual estratégia se esconde por trás de seu mascaramento. Se é que estão preocupados com significados e estratégias. Usam a máscara no sentido do subcomandante Marcos, que preconiza uma espécie de potencialização da individualidade por meio de sua dissolução?
Ou usam-na só para se esconderem, como arruaceiros banais? Apesar de discordar de seus métodos, não reputo aos black blocs o primado da violência no país, como querem fazer crer alguns. Eles são apenas uma cabeça a mais nessa grande hidra que é a violência brasileira.
11 de novembro de 2013
Tony Bellotto, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário