Ou: Uma coluna de jornal, uma entrevista e a democracia
Divertido, quase pitoresco. Só não é premonitório porque a lógica dispensa o concurso de forças metafísicas. O sociólogo Francisco de Oliveira concedeu uma entrevista à Folha de sábado, um dia depois da minha coluna semanal no jornal. Militante do PSOL, ele é hoje um esquerdista mais radical do que os fãs de Oswaldo Montenegro.
Se a gente fizesse a lista dos 10 mais do “jet set” do Marxismo Acadêmico Mundial, “Chico”, como o chamam os amigos, estaria entre eles, embora, como ficará claro, seja um heterodoxo. E notem: não é que o Brasil tenha marxistas de primeira linha — eles estão em extinção, superados pelos fatos. Logo, não podem ser de primeira linha, a não ser na espécie…
Na entrevista, ele afirma ao menos duas coisas muito graves. Mas isso ficará para o fim. Se eu tivesse lido o que ele diz antes de escrever a coluna de sexta, eu não teria conseguido ser mais preciso. Abaixo, em azul, trechos do meu texto; em vermelho, a fala de Oliveira no sábado. Depois desse pingue-pongue de pontos de vista, volto para fazer outras considerações.
AS FORÇAS SUBTERRÂNEAS DA HISTÓRIA
REINALDO NA SEXTA
REINALDO NA SEXTA
É que alguns pensadores estão convencidos de que os mascarados representam a reação humanista à atual fase de dominação do capital. Marginalizados pelo processo, eles desafiariam com a sua destruição criativa o economicismo sem rosto da nova globalização. Depois que o socialismo acabou, restou às esquerdas a luta sem classes. Para elas, as vanguardas de opinião, não mais a extinta classe operária, é que portam o futuro, organizadas segundo “ismos” de suposto valor universal. Marxistas de fato morrem de tédio.
CHICO DE OLIVEIRA NO SÁBADO
[seria preciso] Reconhecer que o país está atravessando uma zona de extrema turbulência devido ao crescimento econômico. É o crescimento que cria a turbulência, não o contrário. Todos pensam que crescimento apazigua.
Não é verdade. Ele exalta forças que não existiam. O capitalismo é um sistema violentíssimo. Os EUA, o paradigma, são uma sociedade extremamente violenta. O Brasil vive adormecido. De repente, o tipo de crescimento violento e tenso em pouco tempo quebra as amarras, e a violência vai para rua.
BLACK BLOCS
REINALDO NA SEXTA
REINALDO NA SEXTA
[para os intelectuais de esquerda] A truculência desorganizada das ruas seria uma resposta à violência institucional do Estado. (…) Pululam na imprensa candidatos a Jean-Paul Sartre desse humanismo estrábico. Falam de certo “malaise” social, de um mal-estar subterrâneo, de que os baderneiros seriam a manifestação visível.
CHICO DE OLIVEIRA NO SÁBADO
Se eles [os black blocs] se constituem como novos sujeitos da ação social, é para saudar. Vamos ver se, com eles, a gente chacoalha essa sociedade conformista. Parece que tudo no Brasil vai bem. Não é verdade. Vai tudo mal. O Estado não age no sentido de antecipar-se à sociedade que está mudando rapidamente. E aí vem o Lula fazendo um trabalho sujo, aquietar aquilo que é revolta.
A ESQUERDA E O CRIME
REINALDO NA SEXTA
REINALDO NA SEXTA
[intelectuais de esquerda] São obcecados pela tese de que o crime é um sintoma indesejável, mas fatal, da luta por justiça e de que o bandoleiro é só a expressão primitiva do libertador. Marcola seria, então, um Lênin que cometeu os crimes errados.
CHICO DE OLIVEIRA NO SÁBADO
A sociedade mostrou que é capaz ainda de se revoltar, ir para a rua. Não precisa resultado palpável. Assustaram os donos do poder, e isso foi ótimo. (…) A violência é só pessoal, privada, o que é um horror. Quando vai para a violência pública, as coisas melhoram. Isso que interessa: um estado de ânimo da população que assuste os donos do poder.
PT PRECISA IR MAIS PARA A ESQUERDA
REINALDO NA SEXTA
REINALDO NA SEXTA
(… ) [intelectuais de esquerda] Voltam-se até contra o PT, mas não por abrigar falanges da intolerância, financiadas com dinheiro público. Ao contrário! O partido, advertem, não teria avançado o bastante na agenda dos ditos vanguardistas. Cobram ainda mais intolerância.
CHICO DE OLIVEIRA NO SÁBADO
Lula é um conservador, nunca quis ser personagem do movimento [operário]. Na Presidência, atuou como conservador. Pôs Dilma como uma expressão conservadora. (…) O Brasil precisa de políticos com capacidade de expressar essa transformação e dar um passo a frente. (…) E Lula é (…) um antirrevolucionário.
Ele não quer soluções de transformação, quer apaziguamento. Talvez, se as opções estivessem em suas mãos, Dilma faria uma política mais de esquerda. Mas ela não foi eleita para isso. Nem tem força social capaz de impor essa mudança.
Retomo
Chamo a atenção para dois aspectos graves da fala do “intelectual”, e seus 80 anos recém-completados não o desculpam — salvo em casos clínicos, a idade deveria ser uma motivo a mais para a gente cobrar seriedade.
Chico de Oliveira faz a defesa da violência pela violência, como um bem em si, já que, segundo diz, deixa acuados os donos do poder.
Isso, acreditem, nem mesmo marxismo é. Trata-se apenas na admissão do terror como forma de expressão política.
Mas há um aspecto ainda mais grave. Diz Chico: “Talvez, se as opções estivessem em suas mãos, Dilma faria uma política mais de esquerda. Mas ela não foi eleita para isso. Nem tem força social capaz de impor essa mudança.” Sim, leitor, o certo seria “fizesse”, mas isso importa pouco agora.
Ora, se o sociólogo reconhece não existir “força social” para que a presidente faça as mudanças que defende, ele a critica por quê? Por não se comportar como uma tirana?
Bom socialista que é, Chico lamenta, na verdade, o fato de o Brasil não ser uma ditadura.
11 de novembro de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário