"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

"O FIM É O COMEÇO"

STF decide executar penas do mensalão; que esse julgamento seja um passo na mudança consistente dos costumes políticos e jurídicos
 

Um processo que parecia jamais ter fim conheceu, anteontem, seu momento mais esperado.
 
Esperado sim, mas não no sentido de ter correspondido aos desejos mais exaltados dos que, desde o princípio, prefeririam a condenação sumária e, talvez, cruel de todos os acusados. Isso não ocorreu.
 
Esperado porque, passados seis anos desde seu início, oito depois da revelação do escândalo por esta Folha e dez após os primeiros delitos terem sido cometidos, o país inteiro já parecia conviver de novo com a ideia de que a Justiça não funciona, que a corrupção nunca é punida, que a classe política constitui categoria privilegiada.
 
Em mais uma surpresa, entre as inúmeras que pontuaram as dezenas de sessões do mais longo julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu-se na quarta-feira que teriam execução imediata as penas contra as quais não cabe nenhum recurso.
 
Embora os ritos burocráticos tenham tomado mais tempo do que se supunha necessário, 16 dos 25 condenados já começarão a cumprir, provavelmente na próxima semana, pelo menos parte das sanções que lhes foram impostas.
 
Estão nesse grupo o publicitário Marcos Valério de Souza (prisão em regime fechado) e os ex-dirigentes do PT José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares (os três em regime semiaberto).
 
Dissipou-se, assim, a impressão enganosa criada quase dois meses atrás. Com a aceitação dos chamados embargos infringentes pelo STF, houve quem manifestasse completa revolta e desalento.
 
O ministro Gilmar Mendes protagonizou então uma das cenas mais exaltadas de todo aquele longo e tenso espetáculo judicial.
 
Os crimes em julgamento, insistia, estavam entre os mais graves de que se pode ter notícia numa ordem democrática. Atentava-se --pela compra de votos do Congresso Nacional, com dinheiro público desviado-- contra as instituições, contra o próprio sistema partidário, contra a independência do Poder Legislativo.
 
Formara-se um esquema pelo qual um punhado de dirigentes partidários buscava uma continuidade sem contraste no domínio do aparelho de Estado. O escândalo, a que tiveram o desplante de reagir como se fossem vítimas de uma conspiração antipopular, não teria como passar em branco.
 
Mas quase aconteceu. A ação da imprensa, o empenho da Polícia Federal, a independência do Ministério Público Federal e a rigorosa condução do processo pelo seu relator, Joaquim Barbosa, tiveram como contrapeso, muitas vezes exasperante, a falácia argumentativa das autoridades petistas, a alta qualificação dos advogados de defesa, o ineditismo da situação processual, a complicadíssima engrenagem da Justiça.
 
Dois ministros do Supremo se aposentaram ao longo do processo, podendo ser substituídos por nomes em tese mais sensíveis à conveniência do partido no poder.
 
Embargos de declaração, embargos de embargos e embargos infringentes delongaram o julgamento --e ainda delongam alguns casos no tribunal. Os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP) estão entre os nove condenados que aguardam decisão acerca de novos recursos para cumprir suas penas.
 
Feitas as contas, serenados os ânimos, não é o pior que poderia ter acontecido. Com todos os indesejáveis atrasos --e uma nova cultura jurisprudencial talvez se esboce a partir desta experiência--, o processo do mensalão chegou a um desfecho equilibrado. Mesmo com os embargos infringentes, pouca coisa mudará --se é que algo de fato mudará.
 
O resultado não foi perfeito; foi fruto de uma instituição humana, como foram humanos, por vezes demasiado humanos, os ministros que se contrapuseram, que se ofenderam, que hesitaram, que aceitaram ou não, conforme suas convicções, argumentos e contra-argumentos debatidos e apresentados pela defesa e pela acusação.
 
Comprova-se que não foi uma "farsa", como queria a máquina de propaganda petista, o caso do mensalão; que não foi um "tribunal político", como se tentou fazer crer, uma corte dividida ao extremo e atenta até à vertigem para as minúcias do processo.
 
Comprova-se também o quanto é desigual o acesso à Justiça no país e o quanto há a aperfeiçoar na legislação, nos costumes, nas práticas políticas e forenses para prevenir e punir os atos de corrupção.
 
O país não mudará, infelizmente, assim que os condenados do mensalão começarem a cumprir as penas devidas; vai mudando, contudo, e mudará mais ainda, desde que a sociedade não se aquiete nem consinta.

15 de novembro de 2013
editorial da Folha

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