Mesmo que ainda falte a decisão sobre embargos infringentes, o julgamento do mensalão entrou para a História também por mostrar mazelas do Judiciário brasileiro
Pouco mais de seis anos depois de o Supremo aceitar a denúncia do Ministério Público contra 40 mensaleiros e instaurar a Ação Penal 470, a Corte, por maioria de votos, determinou na quarta-feira que condenados sem mais direito a recursos comecem a cumprir penas. Embora a proclamação do resultado e a emissão das respectivas ordens de execução dos veredictos, esperadas para ontem à tarde, tenham sido adiadas, a sessão plenária de quarta é um ponto alto neste longo julgamento.
Passou-se mesmo muito tempo. Oito anos, desde a denúncia do escândalo, feita na entrevista de Roberto Jefferson, um dos condenados, à "Folha de S.Paulo". Mas, diante da proverbial morosidade da Justiça brasileira, e da composição do banco dos réus — políticos, banqueiros —, bem assessorados por advogados de primeira linha, pode-se dizer que houve alguma agilidade, e muito devido à dedicação do MP e do relator do caso, ministro Joaquim Barbosa.
O caráter histórico do julgamento ganhou ainda mais força pelo fato de terem sido condenados à prisão, alguns em regime semiaberto, personagens que, com a chegada do PT ao Planalto, em 1º de janeiro de 2003, passaram a manejar os cordões da República. O principal deles, ex-ministro José Dirceu, deverá ser forçado a dormir na prisão tão logo saia o alvará da sua detenção, por ter sido condenado por corrupção ativa. Ou, na falta de vaga num presídio adequado, ficará em prisão domiciliar. E mesmo que o embargo infringente que impetrou para se livrar da pena por formação de quadrilha seja acolhido, Dirceu já teve o prontuário carimbado e passa a simbolizar a mais importante reação dos últimos tempos do Estado brasileiro contra a impunidade e a corrupção na vida pública.
O mesmo vale para o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, para quem tudo acabaria em "piada de salão". Felizmente, para o bem do estado de direito democrático, não acabou. Outro ex-dirigente petista, José Genoíno, também terá de começar a cumprir pena, em regime semiaberto. Em regime fechado, ficará Henrique Pizzolato, do Banco do Brasil, sindicalista do braço partidário que opera em instituições estatais e atua no mundo das altas finanças por meio de fundos de pensão de empresas públicas. Um outro pivô do esquema, Marcos Valério, idealizador e instrumentista da máquina de lavar dinheiro público e privado do mensalão, recebeu o mesmo tipo de pena de Pizzolato. Também não dormirá em casa.
Foi importante a rejeição do STF, por maioria de votos, de novas manobras protelatórias, uma das marcas deste julgamento, com o objetivo constante de levar à prescrição de crimes. Em torno deste ponto, repetem-se os embates entre Barbosa e Ricardo Lewandowsky, revisor do processo, este sempre a favor de se adiar o desfecho do processo.
Nesta fase final do julgamento, transparece, também, uma cultura jurídica que, em nome da necessária garantia ao direito de defesa, aceita recursos injustificáveis. O ministro Teori Zavascki, por exemplo, admitiu que mesmo embargos infringentes incabíveis deveriam barrar a execução de sentenças, acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Mas a tese de Barbosa, da finalização do processo para aqueles sem mais possibilidades técnicas de recursos, saiu vencedora, inclusive com o voto de Luís Roberto Barroso, que, nas primeiras intervenções como ministro do Supremo, criticou o uso de instrumentos jurídicos com fins protelatórios. O julgamento do mensalão precisa, ainda, digerir os embargos infringentes. Mas já entrou para a História também por expor de maneira translúcida mazelas do Judiciário brasileiro.
15 de novembro de 2013
Editorial de O Globo
Passou-se mesmo muito tempo. Oito anos, desde a denúncia do escândalo, feita na entrevista de Roberto Jefferson, um dos condenados, à "Folha de S.Paulo". Mas, diante da proverbial morosidade da Justiça brasileira, e da composição do banco dos réus — políticos, banqueiros —, bem assessorados por advogados de primeira linha, pode-se dizer que houve alguma agilidade, e muito devido à dedicação do MP e do relator do caso, ministro Joaquim Barbosa.
O caráter histórico do julgamento ganhou ainda mais força pelo fato de terem sido condenados à prisão, alguns em regime semiaberto, personagens que, com a chegada do PT ao Planalto, em 1º de janeiro de 2003, passaram a manejar os cordões da República. O principal deles, ex-ministro José Dirceu, deverá ser forçado a dormir na prisão tão logo saia o alvará da sua detenção, por ter sido condenado por corrupção ativa. Ou, na falta de vaga num presídio adequado, ficará em prisão domiciliar. E mesmo que o embargo infringente que impetrou para se livrar da pena por formação de quadrilha seja acolhido, Dirceu já teve o prontuário carimbado e passa a simbolizar a mais importante reação dos últimos tempos do Estado brasileiro contra a impunidade e a corrupção na vida pública.
O mesmo vale para o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, para quem tudo acabaria em "piada de salão". Felizmente, para o bem do estado de direito democrático, não acabou. Outro ex-dirigente petista, José Genoíno, também terá de começar a cumprir pena, em regime semiaberto. Em regime fechado, ficará Henrique Pizzolato, do Banco do Brasil, sindicalista do braço partidário que opera em instituições estatais e atua no mundo das altas finanças por meio de fundos de pensão de empresas públicas. Um outro pivô do esquema, Marcos Valério, idealizador e instrumentista da máquina de lavar dinheiro público e privado do mensalão, recebeu o mesmo tipo de pena de Pizzolato. Também não dormirá em casa.
Foi importante a rejeição do STF, por maioria de votos, de novas manobras protelatórias, uma das marcas deste julgamento, com o objetivo constante de levar à prescrição de crimes. Em torno deste ponto, repetem-se os embates entre Barbosa e Ricardo Lewandowsky, revisor do processo, este sempre a favor de se adiar o desfecho do processo.
Nesta fase final do julgamento, transparece, também, uma cultura jurídica que, em nome da necessária garantia ao direito de defesa, aceita recursos injustificáveis. O ministro Teori Zavascki, por exemplo, admitiu que mesmo embargos infringentes incabíveis deveriam barrar a execução de sentenças, acompanhado pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Mas a tese de Barbosa, da finalização do processo para aqueles sem mais possibilidades técnicas de recursos, saiu vencedora, inclusive com o voto de Luís Roberto Barroso, que, nas primeiras intervenções como ministro do Supremo, criticou o uso de instrumentos jurídicos com fins protelatórios. O julgamento do mensalão precisa, ainda, digerir os embargos infringentes. Mas já entrou para a História também por expor de maneira translúcida mazelas do Judiciário brasileiro.
15 de novembro de 2013
Editorial de O Globo
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