Em menos de uma semana, tanto o papa Francisco – que já declarou não ser de direita - como o presidente uruguaio, José Mujica – que já foi guerrilheiro tupamaro – fizeram pronunciamentos contra o capitalismo.
No domingo, em uma viagem a Cagliari, capital da Sardenha, o papa teceu críticas à idolatria ao dinheiro que rege a atual sociedade. Em um discurso de improviso para desempregados, falou por 20 minutos e estimulou-os a ter esperança e a não desanimar com as dificuldades da vida.
"Não queremos esse sistema econômico globalizado que nos faz tão mal. Homens e mulheres têm que estar no centro do sistema econômico como Deus quer, não o dinheiro. O mundo passou a idolatrar um deus chamado dinheiro".
Toda vez que alguém condena o sistema econômico globalizado – este sistema que faz o intercâmbio de todos os bens do mundo, onde um livro impresso na China sai mais barato no Brasil que um livro impresso no Brasil – me pergunto qual sistema defende. Pois basicamente há dois sistemas, o socialista e o capitalista. O capitalista pode ter suas falhas e bolsões de miséria. Mas o mundo socialista – nomenklatura à parte – é só miséria e não deu certo em lugar algum do mundo.
Ontem, o presidente do Uruguai, José Mujica, criticou duramente o consumismo durante seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU:
“O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”, afirmou.
Que um ex-tupamaro diga isto, se entende. Seu pronunciamento me lembra o Dr. Strangelove, do filme homônimo de Kubrick. Quem o viu deve lembrar dos reflexos condicionados do braço esquerdo do cientista semiparalítico, que mal seu dono se descuidava, se erguia na saudação nazista. Strangelove tinha de contê-lo com a mão direita.
No discurso, que durou 40 minutos, ele também elogiou a utopia “de seu tempo”, mencionou sua luta pelo antigo sonho de uma “sociedade libertária e sem classes” e destacou a importância da ONU, que se traduz para ele um “sonho de paz para a humanidade”.
O sarampo da juventude recidivou. É preciso, pois, continuar lutando pela Idéia, como se dizia então. Pelas manhãs que cantam. Ex-comunista é como ex-seminarista. Fica para sempre marcado na paleta.
“A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade – continua o ex-tupamaro – . Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, ressaltou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. Nossa civilização montou um desafio mentiroso”.
Para o presidente, o atual modelo de civilização “é contra os ciclos naturais, contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família transcendem. Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.
O tempora, o mores! Quem diria que um dia entre os dias, um papa e um ex-guerrilheiro teriam o mesmo discurso. Nunca fui consumista. Nunca tive carro, jamais usei roupa de grife e ainda não cheguei aos iPhones da vida. Fora viagens, meus gastos se resumem ao comer e vestir, livros e música. Mas sempre defendi o consumismo. É o consumo, mesmo desbragado, que distribui trabalho e dinheiro no mundo, e não o socialismo.
Em um dezembro do século passado em Madri, quando buscava um singelo Rioja para fim de noite no hotel, ao cair na rua tive de enfrentar uma multidão furiosa, compacta, invasiva, imiscuindo-se em todo e qualquer lugar onde houvesse algo para comprar. Investi de ombros contra a massa e lutei bravamente por meu vinho. Até aí, nada demais. Lá pelas tantas, em plena Puerta del Sol, deparei-me com um grupo de católicos vestidos de andrajos – simulando pobreza, pois pobres não seriam – que ostentavam cartazes contra a sociedade de consumo e o consumismo. Se já não nutro muita simpatia por estes senhores, naquela noite meu sentimento foi de asco.
O que aqueles papistas pareciam não entender é que consumo, por estúpido que seja, gera trabalho e riqueza. Aquela histeria desmesurada dos madrilenhos beneficiava o último produtor de queijos, presunto ou vinhos, nos confins de uma vila qualquer na Espanha ou na Europa. Lubrificava a ampla capilaridade de distribuição e venda, os setores de transporte e comércio, do país todo. O consumo quase irracional dos madrilenhos azeitava a economia da nação, demonstrava a eficiência plena do capitalismo. Claro que o sentido original do Natal fica empanado, para não dizer abolido. Mas melhor que o culto piegas de um deus obsoleto é assistir o espetáculo de uma economia pujante.
Conquistada minha botellita de Rioja, fugi da massa e busquei uma bodega discreta para continuar minhas leituras. Não imagine o leitor que tais orgias de consumo me fascinem. Mas tenho de convir que são salutares para a saúde das nações. Aqueles gatos pingados católicos, travestidos de pobres e humildes, eram, naqueles dias de festa, os piores inimigos da humanidade.
Como o papa e o ex-tupamaro.
26 de setembro de 2013
janer cristaldo
No domingo, em uma viagem a Cagliari, capital da Sardenha, o papa teceu críticas à idolatria ao dinheiro que rege a atual sociedade. Em um discurso de improviso para desempregados, falou por 20 minutos e estimulou-os a ter esperança e a não desanimar com as dificuldades da vida.
"Não queremos esse sistema econômico globalizado que nos faz tão mal. Homens e mulheres têm que estar no centro do sistema econômico como Deus quer, não o dinheiro. O mundo passou a idolatrar um deus chamado dinheiro".
Toda vez que alguém condena o sistema econômico globalizado – este sistema que faz o intercâmbio de todos os bens do mundo, onde um livro impresso na China sai mais barato no Brasil que um livro impresso no Brasil – me pergunto qual sistema defende. Pois basicamente há dois sistemas, o socialista e o capitalista. O capitalista pode ter suas falhas e bolsões de miséria. Mas o mundo socialista – nomenklatura à parte – é só miséria e não deu certo em lugar algum do mundo.
Ontem, o presidente do Uruguai, José Mujica, criticou duramente o consumismo durante seu discurso na 68º Assembleia Geral da ONU:
“O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”, afirmou.
Que um ex-tupamaro diga isto, se entende. Seu pronunciamento me lembra o Dr. Strangelove, do filme homônimo de Kubrick. Quem o viu deve lembrar dos reflexos condicionados do braço esquerdo do cientista semiparalítico, que mal seu dono se descuidava, se erguia na saudação nazista. Strangelove tinha de contê-lo com a mão direita.
No discurso, que durou 40 minutos, ele também elogiou a utopia “de seu tempo”, mencionou sua luta pelo antigo sonho de uma “sociedade libertária e sem classes” e destacou a importância da ONU, que se traduz para ele um “sonho de paz para a humanidade”.
O sarampo da juventude recidivou. É preciso, pois, continuar lutando pela Idéia, como se dizia então. Pelas manhãs que cantam. Ex-comunista é como ex-seminarista. Fica para sempre marcado na paleta.
“A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade – continua o ex-tupamaro – . Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, ressaltou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. Nossa civilização montou um desafio mentiroso”.
Para o presidente, o atual modelo de civilização “é contra os ciclos naturais, contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família transcendem. Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.
O tempora, o mores! Quem diria que um dia entre os dias, um papa e um ex-guerrilheiro teriam o mesmo discurso. Nunca fui consumista. Nunca tive carro, jamais usei roupa de grife e ainda não cheguei aos iPhones da vida. Fora viagens, meus gastos se resumem ao comer e vestir, livros e música. Mas sempre defendi o consumismo. É o consumo, mesmo desbragado, que distribui trabalho e dinheiro no mundo, e não o socialismo.
Em um dezembro do século passado em Madri, quando buscava um singelo Rioja para fim de noite no hotel, ao cair na rua tive de enfrentar uma multidão furiosa, compacta, invasiva, imiscuindo-se em todo e qualquer lugar onde houvesse algo para comprar. Investi de ombros contra a massa e lutei bravamente por meu vinho. Até aí, nada demais. Lá pelas tantas, em plena Puerta del Sol, deparei-me com um grupo de católicos vestidos de andrajos – simulando pobreza, pois pobres não seriam – que ostentavam cartazes contra a sociedade de consumo e o consumismo. Se já não nutro muita simpatia por estes senhores, naquela noite meu sentimento foi de asco.
O que aqueles papistas pareciam não entender é que consumo, por estúpido que seja, gera trabalho e riqueza. Aquela histeria desmesurada dos madrilenhos beneficiava o último produtor de queijos, presunto ou vinhos, nos confins de uma vila qualquer na Espanha ou na Europa. Lubrificava a ampla capilaridade de distribuição e venda, os setores de transporte e comércio, do país todo. O consumo quase irracional dos madrilenhos azeitava a economia da nação, demonstrava a eficiência plena do capitalismo. Claro que o sentido original do Natal fica empanado, para não dizer abolido. Mas melhor que o culto piegas de um deus obsoleto é assistir o espetáculo de uma economia pujante.
Conquistada minha botellita de Rioja, fugi da massa e busquei uma bodega discreta para continuar minhas leituras. Não imagine o leitor que tais orgias de consumo me fascinem. Mas tenho de convir que são salutares para a saúde das nações. Aqueles gatos pingados católicos, travestidos de pobres e humildes, eram, naqueles dias de festa, os piores inimigos da humanidade.
Como o papa e o ex-tupamaro.
26 de setembro de 2013
janer cristaldo
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