A estranha ave lendária que se imolava no fogo e dele renascia é muito usada como metáfora de nosso próprio renascimento de horas ou fases muito difíceis.
Ninguém, eu acho, olhando sua vida, pode dizer que jamais teve esta sensação: "Agora, acabou; nada faz sentido". Ou: "Não vou aguentar". Ou: "Isso eu não vou poder suportar". Coisas desse gênero.
No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos numa UTI emocional, como a perda de alguém muito amado, esperando ou até desejando o fim e a paz, um dia conseguimos levantar, somos liberados dos aparelhos que nos mantinham vivos, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto mais promissor.
Dali, podemos espiar o corredor, andar por ele quem sabe apoiados em alguém ou de bengala, e finalmente conseguimos respirar. "Estou respirando livremente. A pedra pesada e escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela. Tenho para isso o resto da minha vida."
Tenho agora a força do pensamento de que o ser amado que se foi está em outra dimensão, outro registro, mas presente, gostaria que eu saísse da sombra da dor e voltasse a viver: em sua homenagem também, porque a vida deve ser vivida, merece ser vivida. Pessoas queridas nos ajudaram, confortaram, ou simplesmente foram uma presença bondosa e quieta. A gente sabia sem grande escarcéu: ele, ela, está ali para mim.
Estamos vivos. Saímos das próprias cinzas. Existe o mundo com suas belezas e crueldades, existem as pessoas com seus amores ou maldades, existem a loucura, a neurose, o rancor inexplicado, a violência e a guerra, mas também existe vida. Esse primeiro movimento para alguma claridade é como comprar uma flor e botar no vaso à nossa frente quando pouca coisa parece sobrar. E depois, a janela aberta sobre a floresta, ou o mar, ou o belo parque, a porta aberta para algumas pessoas especiais, porque multidão ainda não aguentamos. Essas que, longe ou perto, estiveram ao nosso lado ao redor da fogueira sabendo, torcendo para que a gente pudesse renascer do montinho de cinza em que tínhamos nos transformado.
Descobrimos ou redescobrimos o valor dos afetos, das coisas simples, daquela voz no telefone, aquele e-mail ou Whats, daquele passo no corredor, aquele gesto afetuoso ou um simples olhar de cumplicidade - pois nem todos sabem, ou conseguem, grandes abraços e palavras, mas estão ali conosco. E tudo isso nos fez de novo viver.
A fênix incansável volta a andar, a abrir as asas, a tentar seu voo: isso somos, até que um vendaval mais forte nos carregue também. Em paz.
27 de fevereiro de 2018
Lya Luft, Zero Hora
Ninguém, eu acho, olhando sua vida, pode dizer que jamais teve esta sensação: "Agora, acabou; nada faz sentido". Ou: "Não vou aguentar". Ou: "Isso eu não vou poder suportar". Coisas desse gênero.
No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos numa UTI emocional, como a perda de alguém muito amado, esperando ou até desejando o fim e a paz, um dia conseguimos levantar, somos liberados dos aparelhos que nos mantinham vivos, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto mais promissor.
Dali, podemos espiar o corredor, andar por ele quem sabe apoiados em alguém ou de bengala, e finalmente conseguimos respirar. "Estou respirando livremente. A pedra pesada e escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela. Tenho para isso o resto da minha vida."
Tenho agora a força do pensamento de que o ser amado que se foi está em outra dimensão, outro registro, mas presente, gostaria que eu saísse da sombra da dor e voltasse a viver: em sua homenagem também, porque a vida deve ser vivida, merece ser vivida. Pessoas queridas nos ajudaram, confortaram, ou simplesmente foram uma presença bondosa e quieta. A gente sabia sem grande escarcéu: ele, ela, está ali para mim.
Estamos vivos. Saímos das próprias cinzas. Existe o mundo com suas belezas e crueldades, existem as pessoas com seus amores ou maldades, existem a loucura, a neurose, o rancor inexplicado, a violência e a guerra, mas também existe vida. Esse primeiro movimento para alguma claridade é como comprar uma flor e botar no vaso à nossa frente quando pouca coisa parece sobrar. E depois, a janela aberta sobre a floresta, ou o mar, ou o belo parque, a porta aberta para algumas pessoas especiais, porque multidão ainda não aguentamos. Essas que, longe ou perto, estiveram ao nosso lado ao redor da fogueira sabendo, torcendo para que a gente pudesse renascer do montinho de cinza em que tínhamos nos transformado.
Descobrimos ou redescobrimos o valor dos afetos, das coisas simples, daquela voz no telefone, aquele e-mail ou Whats, daquele passo no corredor, aquele gesto afetuoso ou um simples olhar de cumplicidade - pois nem todos sabem, ou conseguem, grandes abraços e palavras, mas estão ali conosco. E tudo isso nos fez de novo viver.
A fênix incansável volta a andar, a abrir as asas, a tentar seu voo: isso somos, até que um vendaval mais forte nos carregue também. Em paz.
27 de fevereiro de 2018
Lya Luft, Zero Hora
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