"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

SOMOS FÊNIX

A estranha ave lendária que se imolava no fogo e dele renascia é muito usada como metáfora de nosso próprio renascimento de horas ou fases muito difíceis.

Ninguém, eu acho, olhando sua vida, pode dizer que jamais teve esta sensação: "Agora, acabou; nada faz sentido". Ou: "Não vou aguentar". Ou: "Isso eu não vou poder suportar". Coisas desse gênero.

No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos numa UTI emocional, como a perda de alguém muito amado, esperando ou até desejando o fim e a paz, um dia conseguimos levantar, somos liberados dos aparelhos que nos mantinham vivos, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto mais promissor.

Dali, podemos espiar o corredor, andar por ele quem sabe apoiados em alguém ou de bengala, e finalmente conseguimos respirar. "Estou respirando livremente. A pedra pesada e escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela. Tenho para isso o resto da minha vida."

Tenho agora a força do pensamento de que o ser amado que se foi está em outra dimensão, outro registro, mas presente, gostaria que eu saísse da sombra da dor e voltasse a viver: em sua homenagem também, porque a vida deve ser vivida, merece ser vivida. Pessoas queridas nos ajudaram, confortaram, ou simplesmente foram uma presença bondosa e quieta. A gente sabia sem grande escarcéu: ele, ela, está ali para mim.

Estamos vivos. Saímos das próprias cinzas. Existe o mundo com suas belezas e crueldades, existem as pessoas com seus amores ou maldades, existem a loucura, a neurose, o rancor inexplicado, a violência e a guerra, mas também existe vida. Esse primeiro movimento para alguma claridade é como comprar uma flor e botar no vaso à nossa frente quando pouca coisa parece sobrar. E depois, a janela aberta sobre a floresta, ou o mar, ou o belo parque, a porta aberta para algumas pessoas especiais, porque multidão ainda não aguentamos. Essas que, longe ou perto, estiveram ao nosso lado ao redor da fogueira sabendo, torcendo para que a gente pudesse renascer do montinho de cinza em que tínhamos nos transformado.

Descobrimos ou redescobrimos o valor dos afetos, das coisas simples, daquela voz no telefone, aquele e-mail ou Whats, daquele passo no corredor, aquele gesto afetuoso ou um simples olhar de cumplicidade - pois nem todos sabem, ou conseguem, grandes abraços e palavras, mas estão ali conosco. E tudo isso nos fez de novo viver.

A fênix incansável volta a andar, a abrir as asas, a tentar seu voo: isso somos, até que um vendaval mais forte nos carregue também. Em paz.


27 de fevereiro de 2018
Lya Luft, Zero Hora

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