Todas as instituições democráticas estão sujeitas à crítica pública e devem ter a humildade de levá-la em conta, repensando-se onde couber. No dia 28 de janeiro, o professor Conrado Hübner Mendes apresentou na Folha de S. Paulo uma análise severa do Supremo Tribunal Federal. Críticos honestos e corajosos não são inimigos. São parceiros na construção de um país melhor e maior.
Aceitei o convite da “Ilustríssima” para fazer um contraponto. Um dos fascínios das sociedades abertas, plurais e democráticas é a possibilidade de olhar a vida de diferentes pontos de observação.
OS PROBLEMAS – A primeira crítica pertinente é o excesso de processos: mais de 100 mil em 2017. A segunda, que decorre da primeira, é a monocratização do tribunal, isto é, o número elevado de decisões individuais dos ministros. A explicação para o fato é singela: se o plenário, em um cálculo otimista, só consegue julgar 200 processos por ano, a alternativa é ficar tudo parado ou optar-se pela decisão individual.
A terceira é a oscilação da jurisprudência, ou seja, a variação das decisões conforme o caso concreto. A quarta crítica procedente do professor Conrado é a inobservância, por certos ministros, de orientação firmada pelo plenário.
A quinta crítica volta-se contra os pedidos de vista de caráter obstrutivo. A sexta e última diz respeito ao poder de agenda, pelo qual o relator ou a presidência do tribunal podem atrasar indefinidamente qualquer julgamento. Logo à frente, comentarei cada uma delas, com a cogitação das soluções possíveis.
COMPETÊNCIAS – Em larga medida, as dificuldades enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal advêm de competências que ele não deveria ter.
Supremas cortes, na maior parte do mundo, têm como missão institucional interpretar e aplicar a Constituição, com duas finalidades principais: (i) proteger valores e direitos fundamentais, como justiça, igualdade, liberdades individuais e privacidade; e (ii) assegurar o respeito à democracia, traçando os limites de atuação de cada Poder e impedindo que as maiorias políticas manipulem ou falseiem as regras do jogo democrático em benefício próprio.
Por exceção, supremas cortes exercem, também, alguns papéis atípicos, dentre os quais o de atuarem como tribunal penal de primeiro grau para julgamento de determinadas autoridades. A Constituição de 1988 exacerbou essa função, dando ao STF competência para julgar todos os membros do Congresso Nacional. Essa atribuição suscita inúmeros problemas. O foro privilegiado acarreta a politização indevida da mais alta corte, gera tensões com o Congresso Nacional e desprestígio perante a sociedade, por se tratar de competência que exerce mal.
SOLUÇÕES – De longa data, desde bem antes de ir para o Supremo, tenho apresentado propostas para enfrentar muitos dos problemas apontados. Diversas delas já vêm sendo debatidas internamente e estão em fase de amadurecimento.
A primeira é a mais óbvia e urgente: o STF não deve admitir mais recursos extraordinários (que respondem por 85% de seus processos) do que possa julgar em um ano. Toda ação que não for selecionada para ser reavaliada pelo Supremo — seleção feita mediante critérios discricionários, mas transparentes— transita em julgado, isto é, o processo acaba.
REPERCUSSÃO GERAL – A segunda proposta é que, admitido o recurso extraordinário, pelo reconhecimento de repercussão geral ao caso — isto é, que a questão discutida tem uma relevância que ultrapassa o mero interesse das partes envolvidas—, seja marcada a data do julgamento, saltando-se um semestre. Vale dizer: todo recurso extraordinário a ser julgado terá data designada de seis a nove meses depois de aceito.
Em terceiro lugar, os relatores teriam que distribuir aos colegas, algumas semanas antes do julgamento, ao menos a ementa (o resumo) do seu voto. Por fim, um acordo de cavalheiros — que a maioria já pratica — estabeleceria que nenhuma questão institucionalmente relevante seria decidida por algum ministro individualmente.
Ficariam assim resolvidos os problemas de excesso de processos, monocratização, poder de agenda e pedidos de vista. Sim, porque diante da antecedência da pauta e da prévia circulação da síntese do voto, dificilmente haveria necessidade de vista. Nos demais casos, findo o prazo regimental, dar-se-ia a reinclusão automática em pauta.
JURISPRUDÊNCIA – Quanto à inobservância de orientações do plenário por alguns ministros — o que é a exceção, e não a regra—, trata-se de fato negativo, mas que precisa ser contextualizado: muitos juízes, formados na tradição romano-germânica, ainda não se adaptaram à cultura de respeito aos precedentes, que é uma novidade trazida do direito anglo-saxão. O problema, que é residual, em breve estará superado.
A variação casuística da jurisprudência — que tampouco é a regra — está associada, sobretudo, às competências penais nesses tempos convulsionados e revela que ainda é preciso lutar contra a cultura de leniência e impunidade com a criminalidade do colarinho branco, bem como contra o compadrio em geral.
Por fim, quanto ao foro privilegiado, está em curso o julgamento da proposta de restringi-lo drasticamente, deixando-o limitado aos fatos praticados no cargo e em razão do cargo. A maioria absoluta do tribunal já aderiu a ela.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O artigo, na íntegra, está disponível no site da Folha. Aqui na TI publicamos apenas as partes principais, de “repercussão geral”, diríamos. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O artigo, na íntegra, está disponível no site da Folha. Aqui na TI publicamos apenas as partes principais, de “repercussão geral”, diríamos. (C.N.)
27 de fevereiro de 2018
Luís Roberto Barroso
Folha
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