Horário das 19h30 nas rodadas do futebol fazem torcedores ter de escolher entre o jogo e o consumo da iguaria
Gostaria imensamente de saber de qual mente terá surgido a ideia de programar partidas de futebol para as 19h30 de domingo. Esse horário me atormenta e não poderia imaginar hora mais imprópria, mais fora dos padrões do esporte, mais fora dos costumes da cidade do que essa. Por esse horário, aconteciam em São Paulo inúmeras atividades tradicionais, tais como missas, visita a parentes ou mesmo apenas o recolhimento no silêncio dos jardins e das varandas para usufruir dos últimos momentos de tranquilidade e descanso antes do recomeço das aventuras da semana. E, claro, entre elas sempre houve a sagrada pizza dos domingos.
Nunca se ouviu falar, em tempos em que tudo era ordenado pelos costumes arraigados, e não por interesses comerciais, de futebol jogado nesse horário.
Futebol era na tarde de domingo, e os jogos acabavam a tempo de as pessoas cumprirem seus rituais de anos. Hoje quase todos os horários fixados por usos e costumes do futebol já foram aviltados. Falta só marcar jogos nas madrugadas. Não duvido que numa cidade de milhões de habitantes haja insones capazes de lotar o Morumbi.
Isso não me diz respeito, mas o ultraje feito à pizza de domingo me incomoda. O que me irrita é que, num verdadeiro desrespeito à cidade, são jogos do Paulista! Concluo que quem está organizando o futebol e determinando jogos às 19h30 de domingo não é paulista. Fosse paulista pensaria duas vezes antes de bater de frente com a pizza.
Do jeito que as coisas estão colocadas, ou você perde a pizza ou perde o jogo. Conciliar os dois prazeres não é possível. Me falam que na maioria das pizzarias há telões mostrando os jogos. Não vejo vantagem porque ou a pizza é alguma coisa sagrada ou é o jogo que é. Um não pode conviver com o outro. É impossível saborear uma pizza e saborear ao mesmo tempo uma bela jogada. É impensável deixar a pizza esfriando no prato porque a bola insiste em não sair da área do seu time.
Pizzarias deviam pensar duas vezes antes de colocar telões, aliás, colocar qualquer coisa que, por ruído ou imagem, distraia alguém que está diante de sua pizza. A pizzaria que faz isso está desvalorizando o próprio produto, isto é, pensando em dar alguma compensação extra ao cliente que come o que produziu. Uma boa pizza não precisa de compensação alguma, fala por si.
Por isso ouso dizer que pizza deve ser comida em casa, com a televisão desligada e toda atenção dedicada exclusivamente ao prato fumegante.
Não posso aceitar ser expulso de minha casa, abdicando, portanto, de ver o futebol, para poder comer minha pizza dominical. Esse horário está me privando de um de dois grandes prazeres da minha vida, me obrigando a escolher entre um e outro, numa réplica semanal de uma escolha de Sofia que atribuo a algum preguiçoso burocrata que possivelmente come mecanicamente e sem se dar conta um pedaço de pizza medíocre e frio, nas horas mortas em que, fazendo horas extras, num escritório sombrio da Federação, lhe ocorre ideias do tipo.
Trêmulo faço minha escolha irrevogável e não sei quantos teriam minha coragem: abandono meu time em casa, televisão apagada, sala deserta, e escolho a pizza. Saio de coração pesado, mas decidido e não pretendo fazer concessões. Já que é pizza, pizza será, e só pizza. Nem passo diante das pizzarias dos telões.
O futebol, para mim, a acaba às 19h30 do domingo quando, “as mãos pensas”, sou obrigado a me encaminhar para as venerandas, civilizadas pizzarias onde não há futebol nem telão. Em Higienópolis há uma, pelos lados das Perdizes outra. Uma terceira no obrigatório Bixiga, a última, antiga e venerável, no Brás. São minhas preferidas e ganharão sempre, até do futebol. Não se brinca com a pizza de domingo.
27 de fevereiro de 2018
Ugo Giorgetti, Estadão
Gostaria imensamente de saber de qual mente terá surgido a ideia de programar partidas de futebol para as 19h30 de domingo. Esse horário me atormenta e não poderia imaginar hora mais imprópria, mais fora dos padrões do esporte, mais fora dos costumes da cidade do que essa. Por esse horário, aconteciam em São Paulo inúmeras atividades tradicionais, tais como missas, visita a parentes ou mesmo apenas o recolhimento no silêncio dos jardins e das varandas para usufruir dos últimos momentos de tranquilidade e descanso antes do recomeço das aventuras da semana. E, claro, entre elas sempre houve a sagrada pizza dos domingos.
Nunca se ouviu falar, em tempos em que tudo era ordenado pelos costumes arraigados, e não por interesses comerciais, de futebol jogado nesse horário.
Futebol era na tarde de domingo, e os jogos acabavam a tempo de as pessoas cumprirem seus rituais de anos. Hoje quase todos os horários fixados por usos e costumes do futebol já foram aviltados. Falta só marcar jogos nas madrugadas. Não duvido que numa cidade de milhões de habitantes haja insones capazes de lotar o Morumbi.
Isso não me diz respeito, mas o ultraje feito à pizza de domingo me incomoda. O que me irrita é que, num verdadeiro desrespeito à cidade, são jogos do Paulista! Concluo que quem está organizando o futebol e determinando jogos às 19h30 de domingo não é paulista. Fosse paulista pensaria duas vezes antes de bater de frente com a pizza.
Do jeito que as coisas estão colocadas, ou você perde a pizza ou perde o jogo. Conciliar os dois prazeres não é possível. Me falam que na maioria das pizzarias há telões mostrando os jogos. Não vejo vantagem porque ou a pizza é alguma coisa sagrada ou é o jogo que é. Um não pode conviver com o outro. É impossível saborear uma pizza e saborear ao mesmo tempo uma bela jogada. É impensável deixar a pizza esfriando no prato porque a bola insiste em não sair da área do seu time.
Pizzarias deviam pensar duas vezes antes de colocar telões, aliás, colocar qualquer coisa que, por ruído ou imagem, distraia alguém que está diante de sua pizza. A pizzaria que faz isso está desvalorizando o próprio produto, isto é, pensando em dar alguma compensação extra ao cliente que come o que produziu. Uma boa pizza não precisa de compensação alguma, fala por si.
Por isso ouso dizer que pizza deve ser comida em casa, com a televisão desligada e toda atenção dedicada exclusivamente ao prato fumegante.
Não posso aceitar ser expulso de minha casa, abdicando, portanto, de ver o futebol, para poder comer minha pizza dominical. Esse horário está me privando de um de dois grandes prazeres da minha vida, me obrigando a escolher entre um e outro, numa réplica semanal de uma escolha de Sofia que atribuo a algum preguiçoso burocrata que possivelmente come mecanicamente e sem se dar conta um pedaço de pizza medíocre e frio, nas horas mortas em que, fazendo horas extras, num escritório sombrio da Federação, lhe ocorre ideias do tipo.
Trêmulo faço minha escolha irrevogável e não sei quantos teriam minha coragem: abandono meu time em casa, televisão apagada, sala deserta, e escolho a pizza. Saio de coração pesado, mas decidido e não pretendo fazer concessões. Já que é pizza, pizza será, e só pizza. Nem passo diante das pizzarias dos telões.
O futebol, para mim, a acaba às 19h30 do domingo quando, “as mãos pensas”, sou obrigado a me encaminhar para as venerandas, civilizadas pizzarias onde não há futebol nem telão. Em Higienópolis há uma, pelos lados das Perdizes outra. Uma terceira no obrigatório Bixiga, a última, antiga e venerável, no Brás. São minhas preferidas e ganharão sempre, até do futebol. Não se brinca com a pizza de domingo.
27 de fevereiro de 2018
Ugo Giorgetti, Estadão
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