É frustrante perceber que é possível se chegar a uma cabal demonstração da necessidade de se realizar a reforma da Previdência e mesmo assim ela não ser aprovada no Congresso. Nos últimos meses, o País assistiu a um profícuo debate sobre as atuais regras para concessão de benefícios previdenciários, seus efeitos desastrosos nas contas públicas, suas injustiças e sua crescente incompatibilidade com a realidade demográfica. Ficou evidente que não haverá crescimento sustentável sem uma profunda mudança na Previdência. Apesar de tudo isso, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16 não foi adiante.
É de perguntar de onde provém tanta dificuldade para aprovar as reformas. Certamente, há grupos politicamente organizados que estão muito interessados em manter o status quo. No caso da Previdência, eram evidentes as pressões e as manobras do funcionalismo para que as regras atualmente vigentes permanecessem inalteradas. Também não é difícil constatar as mazelas do Legislativo, no qual um significativo número de parlamentares manifesta reiteradamente, com abundância de sinais, seu descompromisso com o interesse público. Para esses parlamentares, os motivos que justificam determinadas propostas legislativas sempre parecem frágeis. Só realidades mais palatáveis e redutíveis a vantagens concretas mostram-se aptas a mover o seu íntimo convencimento.
Esses obstáculos, que são grandes e reais, não são suficientes, no entanto, para explicar por que é tão difícil aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência. Olhar apenas para os que combatem as reformas seria deter-se tão somente num dos lados da batalha. É preciso ver como atua quem, em tese, apoia as reformas. Talvez assim fique um pouco mais claro por que as reformas parecem ter, no momento decisivo, tão poucos apoiadores.
A recente intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro joga luzes sobre essa questão. Bastou o Palácio do Planalto anunciar a intervenção federal para que sumissem todos os problemas que vinha enfrentando para aprovar a reforma da Previdência. O assunto, aliás, soverteu dos noticiários.
Como é evidente, os problemas relativos à Previdência permanecem intactos. Até maiores, deve-se dizer, pois o governo, que antes estava interessado em resolvê-los, escolheu outra batalha como prioritária. Mas tudo isso, infelizmente, parece agora ser uma questão secundária.
Ao abandonar uma causa impopular, como é a reforma da Previdência, para assumir uma bandeira visivelmente popular, que é a segurança pública, o governo, de um dia para o outro, deixou de ser visto como fraco e sem apoio do Congresso para se tornar uma equipe corajosa, forte e decidida. Antes não tinha na Câmara os 308 votos necessários para aprovar a PEC 287/16. Na segunda-feira passada, o decreto de intervenção obteve o apoio de 340 deputados.
É fácil deixar de ser reformista. No caminho da demagogia, o governante colhe muitos aplausos. É evidente a gravidade da violência no Estado do Rio de Janeiro e ninguém em sã consciência pode ser contrário a esforços para melhorar a segurança pública. Muitos cidadãos cariocas, como também os de muitos outros Estados, encontram-se desesperados ante a barbárie cotidiana do crime, organizado ou não. Qualquer ajuda, mesmo que improvisada e precária, ganha contornos de necessidade imperiosa.
Na segurança pública, na Previdência ou em qualquer outra área, o desafio é diagnosticar com realismo os problemas e enfrentar com ousadia e boa disposição as suas causas. E isso raramente é popular. É fácil transformar temas de apelo massivo em bandeira de governo. Mas isso pouco resolve. Na realidade, atuando assim, as coisas pioram, pois se perde um precioso tempo. Troca-se a real solução por mais uma maquiagem, sempre efêmera.
Talvez a principal dificuldade para as reformas esteja no fato de que o caminho para a sua realização é árduo. E o que ficou evidente nos últimos dias não foi tanto a preponderância da violência no Rio, já muito conhecida, sobre outros temas. Viu-se que a tentação da demagogia segue confundindo mais gente do que se imaginava. O governo perdeu muito mais do que a reforma da Previdência. Talvez tenha de procurar um rumo.
27 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão
É de perguntar de onde provém tanta dificuldade para aprovar as reformas. Certamente, há grupos politicamente organizados que estão muito interessados em manter o status quo. No caso da Previdência, eram evidentes as pressões e as manobras do funcionalismo para que as regras atualmente vigentes permanecessem inalteradas. Também não é difícil constatar as mazelas do Legislativo, no qual um significativo número de parlamentares manifesta reiteradamente, com abundância de sinais, seu descompromisso com o interesse público. Para esses parlamentares, os motivos que justificam determinadas propostas legislativas sempre parecem frágeis. Só realidades mais palatáveis e redutíveis a vantagens concretas mostram-se aptas a mover o seu íntimo convencimento.
Esses obstáculos, que são grandes e reais, não são suficientes, no entanto, para explicar por que é tão difícil aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência. Olhar apenas para os que combatem as reformas seria deter-se tão somente num dos lados da batalha. É preciso ver como atua quem, em tese, apoia as reformas. Talvez assim fique um pouco mais claro por que as reformas parecem ter, no momento decisivo, tão poucos apoiadores.
A recente intervenção federal na área de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro joga luzes sobre essa questão. Bastou o Palácio do Planalto anunciar a intervenção federal para que sumissem todos os problemas que vinha enfrentando para aprovar a reforma da Previdência. O assunto, aliás, soverteu dos noticiários.
Como é evidente, os problemas relativos à Previdência permanecem intactos. Até maiores, deve-se dizer, pois o governo, que antes estava interessado em resolvê-los, escolheu outra batalha como prioritária. Mas tudo isso, infelizmente, parece agora ser uma questão secundária.
Ao abandonar uma causa impopular, como é a reforma da Previdência, para assumir uma bandeira visivelmente popular, que é a segurança pública, o governo, de um dia para o outro, deixou de ser visto como fraco e sem apoio do Congresso para se tornar uma equipe corajosa, forte e decidida. Antes não tinha na Câmara os 308 votos necessários para aprovar a PEC 287/16. Na segunda-feira passada, o decreto de intervenção obteve o apoio de 340 deputados.
É fácil deixar de ser reformista. No caminho da demagogia, o governante colhe muitos aplausos. É evidente a gravidade da violência no Estado do Rio de Janeiro e ninguém em sã consciência pode ser contrário a esforços para melhorar a segurança pública. Muitos cidadãos cariocas, como também os de muitos outros Estados, encontram-se desesperados ante a barbárie cotidiana do crime, organizado ou não. Qualquer ajuda, mesmo que improvisada e precária, ganha contornos de necessidade imperiosa.
Na segurança pública, na Previdência ou em qualquer outra área, o desafio é diagnosticar com realismo os problemas e enfrentar com ousadia e boa disposição as suas causas. E isso raramente é popular. É fácil transformar temas de apelo massivo em bandeira de governo. Mas isso pouco resolve. Na realidade, atuando assim, as coisas pioram, pois se perde um precioso tempo. Troca-se a real solução por mais uma maquiagem, sempre efêmera.
Talvez a principal dificuldade para as reformas esteja no fato de que o caminho para a sua realização é árduo. E o que ficou evidente nos últimos dias não foi tanto a preponderância da violência no Rio, já muito conhecida, sobre outros temas. Viu-se que a tentação da demagogia segue confundindo mais gente do que se imaginava. O governo perdeu muito mais do que a reforma da Previdência. Talvez tenha de procurar um rumo.
27 de fevereiro de 2018
Editorial Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário