A grandeza da renúncia ofereceu-se pela primeira vez a Michel Temer no dia do impeachment de Dilma Rousseff. Se abdicasse de seus direitos de vice naquela ocasião, teria aberto caminho para eleições das quais surgiria um presidente abençoado pelo voto popular e com um mandato de mais de dois anos pela frente. A grandeza da renúncia surgiu-lhe pela segunda vez no dia em que foram divulgadas suas conversas com Joesley, um dos dois “fabulous Batista boys“, como os chamou a revista The Economist.
Os benefícios, tanto para o Brasil como para ele próprio, não seriam amplos como da vez anterior ─ para mal do país o sucessor já não viria por eleição direta, e para mal dele próprio o gesto não lhe apagaria a fatídica conversa da biografia. Seria um gesto de grandeza, de todo modo. Como as ofertas de grandeza não costumam aparecer a toda hora, e como Temer já desperdiçou duas, vai ficar sem elas.
FORA DA CURVA – Ponto da conversa entre Temer e Joesley que tem sido pouco enfatizado é o do “Henrique”. “Como você está com o Henrique?”, pergunta Joesley. “Tá muito bem. Tranquilo”, responde Temer. “Henrique” é o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que Joesley trata com a sem-cerimônia de quem o teve por quatro anos a serviço de suas empresas.
Os dois o elogiam, ele seria “trabalhador”, “disciplinado”, para em seguida Joesley ir ao que interessa. Diz que falou com Henrique sobre o Banco Central e Henrique se esquivou (“Ah, no Banco Central o Ilan [Goldfajn] faz as coisas”); falou sobre o BNDES, e de novo Henrique se esquivou (“Lá é do Planejamento”). Abordou mudanças no Cade (“Eu falei pro Henrique, é importantíssimo ter um presidente do Cade ponta firme”) e na CVM (“o presidente tá troca e não troca)” – e também foi em vão.
Eis os órgãos de controle econômico e financeiro do Estado brasileiro expostos como num frigorífico, e Joesley reclamando que queria a picanha e não lhe deram, queria a maminha e não o ouviram. Para remediar a situação, pede um “alinhamento”; quer que Henrique saiba que suas demandas estão alinhadas com o desejo do presidente. “Pode fazer isso”, diz Temer.
GRANDEZA DA RENÚNCIA – É difícil avaliar a quantas um homem público é movido pela preocupação com o papel na história. Em Getúlio Vargas, o mais radical renunciante da história brasileira, tão radical que à renúncia do poder acrescentou a da vida, é de adivinhar que o papel na história pesou, além do cálculo de encurralar os adversários.
A grandeza da renúncia enfrenta, na mente do político, adversários tenazes — a volúpia de mandar, o gozo sensual de ser adulado, a comodidade da vida nos palácios, o prazer inebriante de ter um mundo a seus pés. Isso para falar só na mente dos políticos honestos.
Os desonestos ainda têm como adversário da grandeza da renúncia a grandeza da fortuna que a posição lhes permite acumular. No cálculo de Temer a renúncia seria uma confissão de culpa, e ele não se sente culpado. Claro, há o caso de Rodrigo Rocha Loures, o emissário de Temer flagrado com uma mala contendo 500 000 reais. Mas Rodrigo, explicou o presidente, é um moço “de boa índole”.
FALTA ALGUÉM – Procura-se um presidente. Na hipótese de, à falta de renúncia, Temer ser renunciado, o país depara com um caso extremo, “nunca visto na história”, de dificuldade de achar alguém para o papel. “Olhem para a minha cara, minha idade”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada, ao incluir-se fora da lista. “Não contem comigo”, disse o ex-muitas coisas Nelson Jobim.
O jornalista Ricardo Kotscho sugeriu contratar Barack Obama, ora desempregado. Se para a seleção de futebol nada impede contratar técnico estrangeiro, por que não para uma função quase tão importante, como a Presidência da República? Outro desempregado de bom currículo é o uruguaio José Mujica, que entrou e saiu do governo morando na velha casa e dirigindo o velho Fusca. O problema é que anda aproveitando o ócio para vir prestigiar reuniões do PT.
INTERDIÇÃO – “Fumando espero”, diz uma velha canção. Com pensamentos soltos no ar, em vez de fumaça, esta coluna espera ─ o quê?, quando? Em todo caso, espera.
Para terminar, se continuasse valendo a proibição que por uns dias interditou o Instituto Lula, sob a alegação de que ali tiveram lugar tenebrosas transações, agora seria hora de interditar o Palácio do Jaburu.
07 de junho de 2017
Roberto Pompeu de Toledo
Veja
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