ARTIGOS - CONSERVADORISMO
Seu ódio por Perón e sua ideologia era extremo, mas também era um sentimento conservador – Perón, afinal de contas, foi um socialista esquerdista e amigo de Che Guevara e Salvador Allende.
Como um conservador que ama as artes, muitas vezes tenho momentos frustrantes quando percebo que um escritor, artista ou músico que eu particularmente admiro está fervorosamente comprometido com a esquerda política. É razão para uma pequena celebração pessoal quando descubro um artista realmente importante que expressa publicamente [seu] apoio ou entusiasmo por ideias ou políticas conservadoras. O inimitável escritor Jorge Luis Borges foi um desses gênios artísticos conservadores. Embora ele e sua obra tenham alcançado reconhecimento internacional, seu conservadorismo não é tão bem conhecido ou compreendido. Tanto seu trabalho quanto suas inclinações políticas merecem mais atenção e estudo.
A primeira coisa que podemos considerar a respeito das crenças políticas de Borges são as suas posições sobre as mais importantes questões políticas globais de sua época. Em cada uma delas, não seria controverso dizer que ele estava “certo”: ele desprezava Hitler e Franco e outros déspotas europeus que causaram tanto caos e miséria no século XX. Ele não gostava de ideologias totalitárias de qualquer tipo: comunista, fascista ou qualquer outra. Ele se opôs ao nazismo, ao antissemitismo e ao racismo de qualquer espécie em termos inequívocos, num momento em que essas ideologias não eram universalmente rejeitadas, nem mesmo entre pessoas inteligentes e educadas. Ele descreveu sua associação ao partido conservador da Argentina como “prova de seu ceticismo”: [um] ceticismo presumivelmente em relação a uma ideologia rígida, esquemas utópicos e promessas de políticos sem princípios. A história do século XX, quando vista retrospectivamente, mostra que esse ceticismo conservador era prudente.
O conservadorismo de Borges foi mais profundo do que essas opiniões sensatas. Um aspecto do seu conservadorismo era sua forte crença no governo limitado e na importância da liberdade individual. Ele escreveu que sua crença era comum aos argentinos, dizendo jocosamente que “o argentino é um indivíduo e não um cidadão”. Ele ainda foi além na explicação de suas crenças:
“Os filmes feitos em Hollywood muitas vezes se sustentam na admiração do caso de um homem… que procura a amizade de um criminoso a fim de entregá-lo à polícia; o argentino, para quem a amizade é uma paixão e a polícia uma máfia, considera este “herói” um porco incompreensível”.
Os conservadores certamente discordarão entre si sobre se o informante descrito é um herói, um porco ou algo entre os dois; independentemente, fica claro que Borges, como muitos conservadores, acreditava na restrição do poder do estado. Ele chegou a dizer que “o problema mais urgente de nossa época… é a gradual interferência do Estado nos atos do indivíduo”, descrevendo “esse mal, cujos nomes são o comunismo e o nazismo”. Talvez, mais importante ainda, ele acreditava que simples experiências humanas, como a amizade, mereciam mais proteção do que os objetivos abstratos do estado – outra ideia essencialmente conservadora.
Outro aspecto do conservadorismo de Borges foi sua afinidade com a tradição e a sabedoria do passado. Ele disse uma vez, sobre uma das primeiras obras de arte, que “neste caso, como em outros, o precursor é infinitamente mais valioso do que os sucessores.” Ele adorava os antigos filósofos gregos e outros autores mortos há muito tempo, e, em seus escritos, ele frequentemente invocava a ideia de que muitas coisas eram universais através do tempo e do espaço, e aquilo que parecia moderno era meramente uma repetição de algo antigo. Ao descrever o papel da Inglaterra na derrota das Potências do Eixo, por exemplo, ele disse que eles tinham “voltado a travar mais uma vez … a batalha cíclica de Waterloo.” Em outras palavras, a vitória na Segunda Guerra Mundial não foi um novo evento, mas “apenas” a repetição de mais um triunfo do passado sobre outro ditador louco. Por extrapolação, podemos imaginar que um outro futuro desastre possa criar ainda uma outra Waterloo, continuando o ciclo. Esse prognóstico é profundamente conservador, pois expressa, como é o caso, a imutabilidade do coração humano e sua insistente capacidade de [fazer] loucuras. Ele também expressa a noção conservadora da importância do passado como um auxílio na compreensão e na abordagem do presente.
Embora, ocasionalmente, ele tenha expressado opiniões como essas em seus escritos, Borges não era ativo em políticas locais e, principalmente, manteve distância dos assuntos políticos ao longo de sua vida. No entanto, como o falecido Marshall Berman dizia, ainda que você não esteja interessado em política, a política está interessada em você. Borges teve uma vida atribulada devido a sérios desentendimentos com ninguém menos que Juan Perón, o socialista argentino líder/ditador e marido da famosa Evita. Em 1946, logo após ser eleito, o regime de Perón afastou Borges do seu cargo de bibliotecário e atribuiu-lhe o cargo de “inspetor de frangos”, em uma tentativa de humilhá-lo. Ele também foi “perseguido pela polícia de segurança” durante esse tempo, de acordo com seu biógrafo Gene H. Bell-Villada.
Quando Perón deixou o cargo quase uma década depois, em 1955, Borges foi homenageado com uma nomeação como diretor da Biblioteca Nacional da Argentina, mas, em uma ironia verdadeiramente trágica, esta nomeação coincidiu com o fato de Borges ficar completamente cego. Borges disse que Deus lhe havia “concedido os livros e a noite de uma só vez”.
Os pequenos insultos e as dificuldades da profissão, que Borges sofreu nas mãos de Perón por tantos anos, estimularam seu ódio ao peronismo e tudo o que ele sentia que aquilo representava: o populismo vulgar, o nacionalismo impensado e a política como um palco para que fingidores corruptos ganhassem o coração dos ingênuos através de lisonjas e subornos. Embora ele quase sempre tenha mantido temas atuais fora de sua ficção, seu conto, “O simulacro”, é explicitamente uma denúncia contra Juan e Eva Perón, e mostra o quanto Borges os odiava. Nele [no conto], ele se pergunta que tipo de homem Perón poderia ser: “um fanático? … um homem louco? Um cínico impostor?”, e conclui que Juan e Eva, em suas carreiras políticas, “representaram, pelo amor ingênuo da classe trabalhadora, uma mitologia grosseira e ignóbil”. Seu ódio por Perón e sua ideologia era extremo, mas também era um sentimento conservador – Perón, afinal de contas, foi um socialista esquerdista e amigo de Che Guevara e Salvador Allende.
Esses detalhes da vida política de Borges são, no entanto, apenas pormenores, e Borges era um homem que se preocupava, acima de tudo, com o universal. Mesmo nas lutas cruciais da Segunda Guerra Mundial, Borges não enxergou os interesses e posições dos países envolvidos como excessivamente importantes: ele dizia que o inglês ou o francês deveriam se considerar sortudos por conta da “perfeita coincidência da causa particular de [seus] países com a causa universal da humanidade”. A causa da humanidade era o que realmente importava para Borges, era o que motivava seu desprezo por Hitler, Franco e Perón sem a atenção indevida quanto às suas políticas particulares. Ele escreveu uma vez que o problema da arte ser [ou não] um instrumento político era um pseudoproblema, porque “na arte, nada é mais secundário que as intenções do autor”. Isso certamente se aplica ao seu próprio trabalho: apesar de algumas citações aqui, os escritos de Borges raramente tocam em questões políticas ou biográficas. Eles são de outro mundo, atemporais, belos e austeros. Os escritores de hoje, da direita, da esquerda ou de qualquer outro lugar, fariam bem em igualar-se a Borges, seu humanismo conservador e sua incomparável arte não-ideológica.
12 de junho de 2016
Bradford Tuckfield. “The Conservatism of Jorge Luis Borges”.
The Imaginative Conservative, 31 de Dezembro de 2015.
Tradução: Fernanda Ferreira
Revisão: Felipe Galves Duarte
Seu ódio por Perón e sua ideologia era extremo, mas também era um sentimento conservador – Perón, afinal de contas, foi um socialista esquerdista e amigo de Che Guevara e Salvador Allende.
Como um conservador que ama as artes, muitas vezes tenho momentos frustrantes quando percebo que um escritor, artista ou músico que eu particularmente admiro está fervorosamente comprometido com a esquerda política. É razão para uma pequena celebração pessoal quando descubro um artista realmente importante que expressa publicamente [seu] apoio ou entusiasmo por ideias ou políticas conservadoras. O inimitável escritor Jorge Luis Borges foi um desses gênios artísticos conservadores. Embora ele e sua obra tenham alcançado reconhecimento internacional, seu conservadorismo não é tão bem conhecido ou compreendido. Tanto seu trabalho quanto suas inclinações políticas merecem mais atenção e estudo.
A primeira coisa que podemos considerar a respeito das crenças políticas de Borges são as suas posições sobre as mais importantes questões políticas globais de sua época. Em cada uma delas, não seria controverso dizer que ele estava “certo”: ele desprezava Hitler e Franco e outros déspotas europeus que causaram tanto caos e miséria no século XX. Ele não gostava de ideologias totalitárias de qualquer tipo: comunista, fascista ou qualquer outra. Ele se opôs ao nazismo, ao antissemitismo e ao racismo de qualquer espécie em termos inequívocos, num momento em que essas ideologias não eram universalmente rejeitadas, nem mesmo entre pessoas inteligentes e educadas. Ele descreveu sua associação ao partido conservador da Argentina como “prova de seu ceticismo”: [um] ceticismo presumivelmente em relação a uma ideologia rígida, esquemas utópicos e promessas de políticos sem princípios. A história do século XX, quando vista retrospectivamente, mostra que esse ceticismo conservador era prudente.
O conservadorismo de Borges foi mais profundo do que essas opiniões sensatas. Um aspecto do seu conservadorismo era sua forte crença no governo limitado e na importância da liberdade individual. Ele escreveu que sua crença era comum aos argentinos, dizendo jocosamente que “o argentino é um indivíduo e não um cidadão”. Ele ainda foi além na explicação de suas crenças:
“Os filmes feitos em Hollywood muitas vezes se sustentam na admiração do caso de um homem… que procura a amizade de um criminoso a fim de entregá-lo à polícia; o argentino, para quem a amizade é uma paixão e a polícia uma máfia, considera este “herói” um porco incompreensível”.
Os conservadores certamente discordarão entre si sobre se o informante descrito é um herói, um porco ou algo entre os dois; independentemente, fica claro que Borges, como muitos conservadores, acreditava na restrição do poder do estado. Ele chegou a dizer que “o problema mais urgente de nossa época… é a gradual interferência do Estado nos atos do indivíduo”, descrevendo “esse mal, cujos nomes são o comunismo e o nazismo”. Talvez, mais importante ainda, ele acreditava que simples experiências humanas, como a amizade, mereciam mais proteção do que os objetivos abstratos do estado – outra ideia essencialmente conservadora.
Outro aspecto do conservadorismo de Borges foi sua afinidade com a tradição e a sabedoria do passado. Ele disse uma vez, sobre uma das primeiras obras de arte, que “neste caso, como em outros, o precursor é infinitamente mais valioso do que os sucessores.” Ele adorava os antigos filósofos gregos e outros autores mortos há muito tempo, e, em seus escritos, ele frequentemente invocava a ideia de que muitas coisas eram universais através do tempo e do espaço, e aquilo que parecia moderno era meramente uma repetição de algo antigo. Ao descrever o papel da Inglaterra na derrota das Potências do Eixo, por exemplo, ele disse que eles tinham “voltado a travar mais uma vez … a batalha cíclica de Waterloo.” Em outras palavras, a vitória na Segunda Guerra Mundial não foi um novo evento, mas “apenas” a repetição de mais um triunfo do passado sobre outro ditador louco. Por extrapolação, podemos imaginar que um outro futuro desastre possa criar ainda uma outra Waterloo, continuando o ciclo. Esse prognóstico é profundamente conservador, pois expressa, como é o caso, a imutabilidade do coração humano e sua insistente capacidade de [fazer] loucuras. Ele também expressa a noção conservadora da importância do passado como um auxílio na compreensão e na abordagem do presente.
Embora, ocasionalmente, ele tenha expressado opiniões como essas em seus escritos, Borges não era ativo em políticas locais e, principalmente, manteve distância dos assuntos políticos ao longo de sua vida. No entanto, como o falecido Marshall Berman dizia, ainda que você não esteja interessado em política, a política está interessada em você. Borges teve uma vida atribulada devido a sérios desentendimentos com ninguém menos que Juan Perón, o socialista argentino líder/ditador e marido da famosa Evita. Em 1946, logo após ser eleito, o regime de Perón afastou Borges do seu cargo de bibliotecário e atribuiu-lhe o cargo de “inspetor de frangos”, em uma tentativa de humilhá-lo. Ele também foi “perseguido pela polícia de segurança” durante esse tempo, de acordo com seu biógrafo Gene H. Bell-Villada.
Quando Perón deixou o cargo quase uma década depois, em 1955, Borges foi homenageado com uma nomeação como diretor da Biblioteca Nacional da Argentina, mas, em uma ironia verdadeiramente trágica, esta nomeação coincidiu com o fato de Borges ficar completamente cego. Borges disse que Deus lhe havia “concedido os livros e a noite de uma só vez”.
Os pequenos insultos e as dificuldades da profissão, que Borges sofreu nas mãos de Perón por tantos anos, estimularam seu ódio ao peronismo e tudo o que ele sentia que aquilo representava: o populismo vulgar, o nacionalismo impensado e a política como um palco para que fingidores corruptos ganhassem o coração dos ingênuos através de lisonjas e subornos. Embora ele quase sempre tenha mantido temas atuais fora de sua ficção, seu conto, “O simulacro”, é explicitamente uma denúncia contra Juan e Eva Perón, e mostra o quanto Borges os odiava. Nele [no conto], ele se pergunta que tipo de homem Perón poderia ser: “um fanático? … um homem louco? Um cínico impostor?”, e conclui que Juan e Eva, em suas carreiras políticas, “representaram, pelo amor ingênuo da classe trabalhadora, uma mitologia grosseira e ignóbil”. Seu ódio por Perón e sua ideologia era extremo, mas também era um sentimento conservador – Perón, afinal de contas, foi um socialista esquerdista e amigo de Che Guevara e Salvador Allende.
Esses detalhes da vida política de Borges são, no entanto, apenas pormenores, e Borges era um homem que se preocupava, acima de tudo, com o universal. Mesmo nas lutas cruciais da Segunda Guerra Mundial, Borges não enxergou os interesses e posições dos países envolvidos como excessivamente importantes: ele dizia que o inglês ou o francês deveriam se considerar sortudos por conta da “perfeita coincidência da causa particular de [seus] países com a causa universal da humanidade”. A causa da humanidade era o que realmente importava para Borges, era o que motivava seu desprezo por Hitler, Franco e Perón sem a atenção indevida quanto às suas políticas particulares. Ele escreveu uma vez que o problema da arte ser [ou não] um instrumento político era um pseudoproblema, porque “na arte, nada é mais secundário que as intenções do autor”. Isso certamente se aplica ao seu próprio trabalho: apesar de algumas citações aqui, os escritos de Borges raramente tocam em questões políticas ou biográficas. Eles são de outro mundo, atemporais, belos e austeros. Os escritores de hoje, da direita, da esquerda ou de qualquer outro lugar, fariam bem em igualar-se a Borges, seu humanismo conservador e sua incomparável arte não-ideológica.
12 de junho de 2016
Bradford Tuckfield. “The Conservatism of Jorge Luis Borges”.
The Imaginative Conservative, 31 de Dezembro de 2015.
Tradução: Fernanda Ferreira
Revisão: Felipe Galves Duarte
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