À mesa de Temer com os governadores, o lugar de honra coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Há uma semana, Renan questionava o poder do governo provisório para tomar decisões definitivas como a que estabelece um teto para os gastos públicos. Na segunda-feira, o senador alagoano tornou-se o principal avalista do acordo celebrado entre os governadores e o Palácio do Planalto sobre a dívida dos Estados. Após um dia de negociações, os governadores conseguiram arrancar do governo federal um alívio de R$ 50 bilhões até 2018 para o pagamento de suas dívidas com a União.
Todo mundo ficou contente, alguns mais outros menos, à exceção de São Paulo, cujo tamanho da dívida impediu um acerto mais favorável. Mas sendo São Paulo o maior Estado da federação e sendo o atual presidente da República um paulista de nascimento, o que não acontece há 110 anos, não há duvida de que se chegue a uma solução satisfatória para os dois lados. Sem a corda apertando no pescoço, por outro lado, os governadores podem se dedicar com mais energia às eleições municipais; e Temer sedimentou a pista que leva ao afastamento definitivo de Dilma.
A equipe econômica, naturalmente avessa a esse tipo de acordo, também saiu sem reclamar. Os governadores queriam dois anos de moratória. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, bateu o pé nos seis meses e levou. Livrou-se de um calote. Outro destaque das reuniões foi a capixaba Ana Paula Vescovi, secretária do Tesouro Nacional. Foi quem conduziu e costurou o acordo. Na reunião final, sentou-se discretamente ao fundo, mas aos poucos foi sendo chamada à cena principal, para esclarecer uma ou outra dúvida. Uma vitória de Temer: os governadores do PT não foram, mas enviaram seus vices. É difícil ficar longe do cofre cujas chaves estão com o Palácio do Planalto.
Diz mais que a presença dos governadores petistas o lugar privilegiado, na foto da reunião, do governador Flávio Dino, do Maranhão. Integrante do PCdoB, Dino talvez tenha sido o governador que foi mais fundo na tese do golpe e nos ataques ao presidente interino. Ele e o ex-ministro Ciro Gomes inclusive tentaram reeditar a "Rede da Legalidade", convocada por Leonel Brizola contra o avanço dos tanques que depuseram a frio o presidente João Goulart e fizeram o golpe militar de 1964. Dino não foi a uma ou outra reunião prévia, mas estava na hora decisiva, quando se bateu o martelo. Discreto. Calado.
Na terça-feira da semana passada, na véspera da data marcada por Temer para levar ao Congresso o pacote do limite dos gastos públicos, Renan deu uma declaração à imprensa dizendo que as medidas que aprofundam o ajuste fiscal não deveriam ser enviadas agora ao Congresso, mas somente depois do fim do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, previsto para a primeira semana de agosto, em princípio. Segundo o presidente do Senado, não seria recomendável a um governo interino fazer propostas desse tipo, de caráter mais permanentes.
"Toda medida que ajudar a estabilizar a economia do ponto de vista fiscal, ela é recomendável", disse Renan. "Mas as medidas substanciais deveriam ser guardadas para depois da transitoriedade do governo. Talvez não seja o caso [de propor coisas polêmicas agora]".
O Palácio do Planalto iria ignorar o veto de Renan, um antigo adversário de Michel Temer nos embates internos do PMDB que, na disputa do impeachment, ficou do lado da presidente afastada. O presidente do Senado sempre teve outros planos em mente para enfrentar a crise, entre os quais a adoção do sistema parlamentarista de governo e a convocação de uma assembleia constituinte em 2018. Temer iria ao Congresso entregar a proposta de reforma no dia seguinte, mas o mundo caiu na quarta-feira com a divulgação da delação do ex-senador e ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado.
Na mesma quarta-feira, o presidente do Senado jantou com o presidente interino, no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente da República, às margens do Lago Paranoá, em Brasília. No dia seguinte, um novo Renan reapareceu no Senado com outro discurso: "Nunca estivemos tão próximos", disse o senador alagoano referindo-se a Temer. Renan disse ainda que mantinha um contato regular com o presidente interino e que Temer havia pedido a ele que retomasse a Agenda Brasil, um conjunto de medidas para tirar o país da crise que o presidente do Senado apresentou quando Dilma ainda estava no Planalto.
Entre terça-feira, quando vetou iniciativas de ajuste, e a quinta-feira, quando afirmou que "nunca" esteve tão próximo do presidente interino, a única novidade foi a divulgação da delação premiada de Sérgio Machado, na qual Renan aparece como beneficiário de três dezenas de milhões de dólares e Temer como o autor de um pedido de doação para a campanha de seu candidato a prefeito de São Paulo nas eleições de 2012, Gabriel Chalita.
Nas reunião com os governadores, Renan ficou das 15h às 19h no Palácio do Planalto, onde recebeu todas as deferências possíveis de Michel Temer. O interino fez questão de lembrar o passado constituinte de Renan Calheiros e sua condição de presidente da Casa que representa a Federação. Mas essa não foi a única mesura que Temer reservou para Renan: ele o consultou sobre a indicação da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) para a função de líder do governo no Congresso. O presidente do Senado avalizou.
Acertado com Renan, o presidente interino espera dias mais tranquilos para o governo provisório no Senado. Há uma penca de projetos que já saíram da Câmara e aguardam decisão da Casa. Todos concordam que o acerto com os Estados não é o ideal, mas que era preciso fazer alguma coisa, por enquanto, diante da pressão do Supremo Tribunal Federa (STF), de decisões legislativas conflitantes e até do calote à vista. A mudança do ambiente no Senado favorece Temer e é definitivamente mortal para a ex-presidente da República, apesar de Renan vez por outra proclamar: "Sou Dilma".
22 de junho de 2016
Raymundo Costa, Valor Econômico
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