Na véspera de sediar o maior espetáculo da Terra, o Brasil se transformou em um país de chacotas no exterior. Depois de 30 anos de democracia, estabilidade monetária e crescimento econômico continuamos como um dos mais desiguais, mais deseducados e mais violentos países do mundo. Também passamos a nos mostrar como um dos mais corruptos, descuidados e ridículos. A Lava-Jato mostra todos os dias diálogos e valores astronômicos de deboche e de roubalheira; os governos de estados e municípios estão quebrados financeiramente (ao ponto que, às véspera das Olimpíadas, o Rio se declara em estado de calamidade); a saúde pública caótica com enfermidades assustadoras, do tipo microcefalia, por causa da falta de saneamento; a economia em recessão, empobrecendo a população pela queda de renda e provocando a tragédia do desemprego. A sociedade dividida politicamente em grupos sectariamente opostos; a população desiludida com seus líderes políticos.
Temos o ridículo do policial que prendia os corruptos sendo preso por corrupção, e ainda mais grave assisti-lo condenado, mas trabalhando como policial, usando tornozeleiras eletrônicas durante o expediente. Temos uma crise política que desmoraliza os poderes Executivo e Legislativo; um processo de impeachment que nos deixa com dois presidentes; e as ameaças legais que nos deixam sem dirigentes sólidos na Câmara e no Senado, sujeitos a suspeitas e até a pedidos de prisão.
As coisas não vão bem no Brasil e a causa não é uma guerra inevitável, uma catástrofe natural inesperada, pobreza por falta de recursos, erros de um ditador há anos no poder. Dispomos de recursos, temos uma natureza rica e estável, com raros e localizados períodos de seca, mas quase sem desertos, terremotos destruidores, tsunamis devastadores; vivemos em paz - estamos livres, até aqui, até mesmo do terrorismo, e temos uma democracia de três décadas, o que, teoricamente, deixaria a sociedade com condições de corrigir os erros do passado e reorientar o futuro. Mas não estamos conseguindo fazer isso. No lugar, usamos a democracia para provocar imensos erros que emperram a economia, desmoralizam o Brasil no cenário internacional, desagregam a sociedade.
Qualquer observador atento, no país ou no Exterior, se pergunta onde erramos, como deixamos isso acontecer. Provavelmente, a resposta está no fato de que a política tem esquecido o Brasil. Alguns fazem política para locupletarem-se, enriquecerem pela corrupção; outros, para se manterem no poder a qualquer custo; e os outros, para atenderem interesses de grupos que representam. Raríssimos fazem política pensando no bem maior do conjunto da população. Os bons e honestos políticos brasileiros representam interesses de categorias no presente, não os interesses nacionais no futuro. Por isso, defende-se aumentos salariais e benefícios que não cabem no orçamento, e certamente causarão inflação; obras que custarão valores superiores ao possível para beneficiar interesses locais e mesmo permitir propinas; ações que passam ilusões de grandeza, sem deixarem resultados positivos permanentes.
O Congresso é dividido em bancadas de segmentos sociais, não há bancadas do Brasil como um todo e em sua perspectiva histórica. O processo de impeachment é um exemplo. Se os políticos e o governo dos últimos 13 anos tivessem pensado no Brasil, e não nas categorias, e em setores específicos, não estaríamos hoje tendo de escolher entre a tragédia da interrupção do mandato de uma presidente eleita ou a tragédia da continuação de seu mandato por mais quase três anos.
Os dois governos do PT tentaram articular todos os segmentos do país, com bolsas e cotas para os pobres, salários para os trabalhadores, lucros para industriais e banqueiros, subsídios aos consumidores, mas sem um projeto nacional para todos os brasileiros no futuro. Por isso preferiram mais escolas no ensino superior a melhores escolas no ensino básico. E essa escolha, hoje, no Senado parece se fazer por um debate entre os grupos que nunca aceitaram esses governos e aqueles que sempre os defenderão. Esses são incapazes de reconhecer que não dá mais; os outros não refletem sobre os custos históricos de mais um presidente destituído entre os quatro que foram eleitos nestes menos de 30 anos. A política está perdida por falta do mais óbvio tema que deveria preocupar os políticos: o Brasil.
22 de junho de 2016
Cristovam Buarque, Correio Braziliense
Temos o ridículo do policial que prendia os corruptos sendo preso por corrupção, e ainda mais grave assisti-lo condenado, mas trabalhando como policial, usando tornozeleiras eletrônicas durante o expediente. Temos uma crise política que desmoraliza os poderes Executivo e Legislativo; um processo de impeachment que nos deixa com dois presidentes; e as ameaças legais que nos deixam sem dirigentes sólidos na Câmara e no Senado, sujeitos a suspeitas e até a pedidos de prisão.
As coisas não vão bem no Brasil e a causa não é uma guerra inevitável, uma catástrofe natural inesperada, pobreza por falta de recursos, erros de um ditador há anos no poder. Dispomos de recursos, temos uma natureza rica e estável, com raros e localizados períodos de seca, mas quase sem desertos, terremotos destruidores, tsunamis devastadores; vivemos em paz - estamos livres, até aqui, até mesmo do terrorismo, e temos uma democracia de três décadas, o que, teoricamente, deixaria a sociedade com condições de corrigir os erros do passado e reorientar o futuro. Mas não estamos conseguindo fazer isso. No lugar, usamos a democracia para provocar imensos erros que emperram a economia, desmoralizam o Brasil no cenário internacional, desagregam a sociedade.
Qualquer observador atento, no país ou no Exterior, se pergunta onde erramos, como deixamos isso acontecer. Provavelmente, a resposta está no fato de que a política tem esquecido o Brasil. Alguns fazem política para locupletarem-se, enriquecerem pela corrupção; outros, para se manterem no poder a qualquer custo; e os outros, para atenderem interesses de grupos que representam. Raríssimos fazem política pensando no bem maior do conjunto da população. Os bons e honestos políticos brasileiros representam interesses de categorias no presente, não os interesses nacionais no futuro. Por isso, defende-se aumentos salariais e benefícios que não cabem no orçamento, e certamente causarão inflação; obras que custarão valores superiores ao possível para beneficiar interesses locais e mesmo permitir propinas; ações que passam ilusões de grandeza, sem deixarem resultados positivos permanentes.
O Congresso é dividido em bancadas de segmentos sociais, não há bancadas do Brasil como um todo e em sua perspectiva histórica. O processo de impeachment é um exemplo. Se os políticos e o governo dos últimos 13 anos tivessem pensado no Brasil, e não nas categorias, e em setores específicos, não estaríamos hoje tendo de escolher entre a tragédia da interrupção do mandato de uma presidente eleita ou a tragédia da continuação de seu mandato por mais quase três anos.
Os dois governos do PT tentaram articular todos os segmentos do país, com bolsas e cotas para os pobres, salários para os trabalhadores, lucros para industriais e banqueiros, subsídios aos consumidores, mas sem um projeto nacional para todos os brasileiros no futuro. Por isso preferiram mais escolas no ensino superior a melhores escolas no ensino básico. E essa escolha, hoje, no Senado parece se fazer por um debate entre os grupos que nunca aceitaram esses governos e aqueles que sempre os defenderão. Esses são incapazes de reconhecer que não dá mais; os outros não refletem sobre os custos históricos de mais um presidente destituído entre os quatro que foram eleitos nestes menos de 30 anos. A política está perdida por falta do mais óbvio tema que deveria preocupar os políticos: o Brasil.
22 de junho de 2016
Cristovam Buarque, Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário