"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

CALAMIDADES


O governador interino do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, decretou estado de calamidade pública no Estado. Normalmente isto ocorre em face de um desastre de grandes proporções e, sinceramente, não há outra forma de descrever a gestão fiscal do Rio de Janeiro.

Segundo os dados divulgados pelo Tesouro Nacional acerca das finanças estaduais, enquanto o conjunto dos demais Estados registrou (a preços de 2015) superavit primário pouco inferior a R$ 26 bilhões entre 2012 e 2015, o Rio de Janeiro apresentou deficit de R$ 6,8 bilhões.

No ano passado o deficit fluminense atingiu R$ 3,6 bilhões (equivalente a 6% de sua receita bruta); já os demais Estados conseguiram gerar superavit de R$ 10 bilhões (cerca de 1% de sua receita bruta).

Esta diferença de desempenho não pode ser atribuída à receita, que cresceu de forma semelhante no Rio (0,6% ao ano além da inflação) em relação aos demais estados (0,7% anual), mas sim à evolução das despesas. Entre 2012 e 2015 as despesas no Rio de Janeiro aumentaram 4% anuais acima da inflação; nos demais Estados o crescimento nesse período atingiu menos da metade (1,7% anual).

Note-se que não foram os investimentos (presumivelmente associados aos Jogos Olímpicos, embora estes sejam de responsabilidade municipal) que causaram esse estrago, pois encolheram no período. Por outro lado, a despesa com pessoal no Rio aumentou ao ritmo de 7% anuais acima da inflação ante 3% ao ano nos demais. Isto explica quase a totalidade do aumento dos gastos não financeiros do Estado.

Resumindo, o desastre fiscal, agora batizado de calamidade pública, não caiu do céu. Em que pesem perdas de receitas mais significativas em 2016, a verdade é que o Rio gastou nos anos anteriores sem maiores preocupações com que isto viesse a ocorrer, aumentando despesas principalmente onde a rigidez orçamentária é maior. Não há outro culpado que não o governo do Estado pela penúria que hoje sofre.

Isso dito, embora o Rio de Janeiro seja um caso patológico (seguido de perto por outros, como Rio Grande do Sul e Bahia), há sinais preocupantes vindos das finanças estaduais tomadas em conjunto.

O governo federal permitiu que Estados se endividassem, supostamente para investir, mas, na prática, a falta de controle permitiu o gasto crescente com pessoal.

De fato, sua folha de pagamentos não para de aumentar, atingindo R$ 321 bilhões (60% da despesa) no ano passado, ante R$ 289 bilhões (57% da despesa) em 2012, ou seja, a trajetória dos gastos com pessoal ameaça se tornar insustentável, reduzindo o já diminuto espaço para investimentos.

Além disso, como notado acima, o aumento do peso da folha de pagamento no total das despesas torna o orçamento cada vez mais difícil de manejar, em particular nos períodos recessivos.

Estados agora conseguiram moratória de suas dívidas para com a União, alegando que se tornaram impagáveis. Não é verdade: a dívida com a União caiu de 13% do PIB no começo de 2003 para 8% do PIB hoje; impagável é uma trajetória de gastos sem controle.

No ajuste fiscal de 1998-2000 (R$ 110 bilhões a preços de hoje), Estados responderam por um quinto do total. Hoje, porém, com a capitulação do governo federal vão atuar no sentido inverso, provavelmente ampliando seus gastos em R$ 50 bilhões nos próximos 18 meses, aí sim uma verdadeira calamidade.


22 de junho de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP

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